Por Sérgio Reis, no Jornal GGN:
Dos últimos 20 anos, Geraldo Alckmin esteve em posições-chave na Administração Pública do Estado de São Paulo em 18 deles – 90% do tempo, que corresponde a uma geração inteira. Ele foi Vice-Governador de Mario Covas entre 1995 e 2001. Com o falecimento do Chefe de Estado, assumiu o Governo e lá se manteve – foi reeleito, em 2002, e continuou como Governador até 2006, quando renunciou ao cargo para tentar ser Presidente da República (foi derrotado por Lula, tendo tido menos votos no segundo turno do que no primeiro).
Após sequer conseguir chegar ao segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo, em 2008 (quando parte do próprio PSDB rifou sua candidatura para apoiar Kassab, que seria reeleito contra Marta Suplicy), foi convidado por José Serra, então Governador, para assumir a Secretaria de Desenvolvimento do Estado. Alckmin a ocupou entre 2009 e 2010, quando saiu para disputar novamente o Governo de São Paulo e sagrou-se vencedor, já no primeiro turno, por estreita margem acima da metade dos votos válidos necessários para tanto.
Não há, portanto, nesses últimos 20 anos da história do Estado de São Paulo alguém tão intimamente conectado à estrutura de poder vigente como Geraldo Alckmin. Quem estuda ou acompanha políticas públicas sabe que a transformação significativa de uma realidade muito dificilmente ocorre no curto prazo. Aliás, é o enorme distanciamento histórico entre sociedade e Estado no Brasil um fator relevante para explicar a impaciência de parte da população com a falta de impacto das políticas públicas na realidade, na mesma medida em que muitos se impressionam com o surgimento de viadutos, pontes e novas avenidas – e daí emerge o fenômeno do populismo urbano (o adhemarismo e o malufismo em São Paulo, o rorizmo e o arrudismo no Distrito Federal, e assim por diante), que teve (e ainda tem) tanta aceitação em nosso contexto.
Quando falamos da política de recursos hídricos, então, a dificuldade de se observar resultados concretos no curto prazo tende a ser maior ainda. São muitas variáveis incluídas nas análises feitas durante o processo de formulação; há, em geral, uma curva de maturidade imensa no desenvolvimento dos projetos, que em sua maioria tendem a ter um tamanho expressivo; existe a necessidade de inversão de muitos recursos – nem sempre disponíveis. É claro que a inteligência e a criatividade permitem com que os gestores e os políticos sintonizados consigam contornar algumas dessas quase inevitáveis exigências, mas ainda assim não é um processo trivial trabalhar temas como esse, de forma transformadora, em pouco tempo.
Mas esse não pode ser um argumento-subterfúgio de Alckmin. Mesmo diante da complexidade e do desafio embutidos no desenvolvimento de uma política de recursos hídricos capaz de endereçar as exigências contidas em um estado como São Paulo, houve muito, muito tempo para que ele tivesse dado conta dessas questões. Até quando tratamos de política pública e a enxergamos da perspectiva da transformação sistêmica, duas décadas expressam um tempo mais do que suficiente. E Alckmin, situado nas mais favoráveis posições de poder ao longo de todo esse período, falhou retumbantemente.
Se não era possível imaginar que, diante de seu provincianismo enquanto político, viesse a promulgar ações de gestão que fossem imaginativas, ao menos do ponto de vista do “obrismo puro” ele não poderia decepcionar o cidadão paulista. Mas nem aí foi prodigioso: não houve uma construção sequer que tenha sido entregue no prazo, não houve um grande projeto qualquer que tivesse sua fase de planejamento terminada no marco temporal delimitado; nem os documentos ou relatórios que orientariam o processo de formulação das melhores alternativas foram concluídos no deadline inicialmente previsto.
No primeiro grupo, daria para citar a reversão do Taquacetuba, do Guarapiranga, que atrasou pelo menos 9 meses e deixou milhões de pessoas em água em 2000; a conclusão e a entrega das represas de Biritiba-Mirim e Paraitinga, do Alto Tietê, previstas para 2002 e disponibilizadas apenas em 2005; a estação de tratamento Taiaçupeba, que poderia ter sido concluída em 2007 mas ficou pronta apenas em 2011-2; mesmo a obra para a captação da primeira cota do volume morto do Cantareira, embora entregue no prazo, estava incompleta, conforme nos mostrou Fernando Brito à época.
No segundo grupo, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) da mencionada ETA Taiaçupeba, que demoraram mais de 3 anos para ficarem prontas; as PPPs do São Lourenço, que levaram 6 anos para terem apenas o seu projeto concluído (o prazo inicial era de menos de 3 anos); o projeto da transposição do Paraíba do Sul, previsto desde 2004, e não concluído até hoje; o projeto de Duas Pontes e Amparo, pensado desde uma primeira prospecção em 2004 e só agora entregue.
No terceiro grupo, constam a maioria dos termos previstos na Outorga do Cantareira de 2004: os planos de contingência, que eram para ter sido concluídos em 2005, só o foram em 2010; o plano de redução da dependência desse Sistema, que era para ter sido apresentado em fins de 2006, mas só o foi em 2013 (tornou-se o Plano Diretor para o Uso da Água da Macrometrópole); a atualização das curvas de cota-volume dos reservatórios (essenciais, agora, no contexto do uso do volume morto), que deveria estar pronta em 2005, só concluída em 2008; a revisão dos estudos hidrológicos, também prevista para 2005, e terminada apenas em 2009. Há muitos e muitos outros exemplos.
Vemos, então, que seja do ponto de vista da formulação, seja da perspectiva do planejamento, seja do viés da implementação e da gestão das políticas públicas relacionadas à questão hídrica, a atuação de Geraldo Alckmin não foi nada menos do que desastrosa. Muitos sinais de alerta foram acesos, seja por técnicos do próprio Estado, seja pela sociedade civil, seja pela Academia. A capacidade de intervenção do “vice (2x)/governador (2x)/secretário/governador”, ativamente presente como ator de primeira ordem em 18 dos 20 anos de domínio do PSDB em São Paulo, foi, então fragorosamente insuficiente.
Na verdade, como já disse antes, a tragédia hídrica era para ter ocorrido há vários anos. Estávamos, o tempo todo, na corda-bamba do clima, surfando na onda de São Pedro. Assim que o clima deixou de ser imensamente favorável, foi desnudada a fragilidade de seu modelo de gestão. Chances para contornar o cenário como o atual, ele teve muitas. Nunca superamos, na verdade, o estresse hídrico historicamente vivenciado por São Paulo. Alckmin ficou sempre, contudo, aquém das metas que ele mesmo propôs, daquelas colocadas pela população e daquelas impostas pelo contexto. Não é preciso dizer que, em várias outras áreas de política pública, observamos a mesma incompetência. Quando apareceu a variável fora da curva, que lhe tirou da velocidade de cruzeiro, ele fracassou, e expôs o amadorismo com que enxerga a coisa pública. Por que mereceria mais quatro anos?
Dos últimos 20 anos, Geraldo Alckmin esteve em posições-chave na Administração Pública do Estado de São Paulo em 18 deles – 90% do tempo, que corresponde a uma geração inteira. Ele foi Vice-Governador de Mario Covas entre 1995 e 2001. Com o falecimento do Chefe de Estado, assumiu o Governo e lá se manteve – foi reeleito, em 2002, e continuou como Governador até 2006, quando renunciou ao cargo para tentar ser Presidente da República (foi derrotado por Lula, tendo tido menos votos no segundo turno do que no primeiro).
Após sequer conseguir chegar ao segundo turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo, em 2008 (quando parte do próprio PSDB rifou sua candidatura para apoiar Kassab, que seria reeleito contra Marta Suplicy), foi convidado por José Serra, então Governador, para assumir a Secretaria de Desenvolvimento do Estado. Alckmin a ocupou entre 2009 e 2010, quando saiu para disputar novamente o Governo de São Paulo e sagrou-se vencedor, já no primeiro turno, por estreita margem acima da metade dos votos válidos necessários para tanto.
Não há, portanto, nesses últimos 20 anos da história do Estado de São Paulo alguém tão intimamente conectado à estrutura de poder vigente como Geraldo Alckmin. Quem estuda ou acompanha políticas públicas sabe que a transformação significativa de uma realidade muito dificilmente ocorre no curto prazo. Aliás, é o enorme distanciamento histórico entre sociedade e Estado no Brasil um fator relevante para explicar a impaciência de parte da população com a falta de impacto das políticas públicas na realidade, na mesma medida em que muitos se impressionam com o surgimento de viadutos, pontes e novas avenidas – e daí emerge o fenômeno do populismo urbano (o adhemarismo e o malufismo em São Paulo, o rorizmo e o arrudismo no Distrito Federal, e assim por diante), que teve (e ainda tem) tanta aceitação em nosso contexto.
Quando falamos da política de recursos hídricos, então, a dificuldade de se observar resultados concretos no curto prazo tende a ser maior ainda. São muitas variáveis incluídas nas análises feitas durante o processo de formulação; há, em geral, uma curva de maturidade imensa no desenvolvimento dos projetos, que em sua maioria tendem a ter um tamanho expressivo; existe a necessidade de inversão de muitos recursos – nem sempre disponíveis. É claro que a inteligência e a criatividade permitem com que os gestores e os políticos sintonizados consigam contornar algumas dessas quase inevitáveis exigências, mas ainda assim não é um processo trivial trabalhar temas como esse, de forma transformadora, em pouco tempo.
Mas esse não pode ser um argumento-subterfúgio de Alckmin. Mesmo diante da complexidade e do desafio embutidos no desenvolvimento de uma política de recursos hídricos capaz de endereçar as exigências contidas em um estado como São Paulo, houve muito, muito tempo para que ele tivesse dado conta dessas questões. Até quando tratamos de política pública e a enxergamos da perspectiva da transformação sistêmica, duas décadas expressam um tempo mais do que suficiente. E Alckmin, situado nas mais favoráveis posições de poder ao longo de todo esse período, falhou retumbantemente.
Se não era possível imaginar que, diante de seu provincianismo enquanto político, viesse a promulgar ações de gestão que fossem imaginativas, ao menos do ponto de vista do “obrismo puro” ele não poderia decepcionar o cidadão paulista. Mas nem aí foi prodigioso: não houve uma construção sequer que tenha sido entregue no prazo, não houve um grande projeto qualquer que tivesse sua fase de planejamento terminada no marco temporal delimitado; nem os documentos ou relatórios que orientariam o processo de formulação das melhores alternativas foram concluídos no deadline inicialmente previsto.
No primeiro grupo, daria para citar a reversão do Taquacetuba, do Guarapiranga, que atrasou pelo menos 9 meses e deixou milhões de pessoas em água em 2000; a conclusão e a entrega das represas de Biritiba-Mirim e Paraitinga, do Alto Tietê, previstas para 2002 e disponibilizadas apenas em 2005; a estação de tratamento Taiaçupeba, que poderia ter sido concluída em 2007 mas ficou pronta apenas em 2011-2; mesmo a obra para a captação da primeira cota do volume morto do Cantareira, embora entregue no prazo, estava incompleta, conforme nos mostrou Fernando Brito à época.
No segundo grupo, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) da mencionada ETA Taiaçupeba, que demoraram mais de 3 anos para ficarem prontas; as PPPs do São Lourenço, que levaram 6 anos para terem apenas o seu projeto concluído (o prazo inicial era de menos de 3 anos); o projeto da transposição do Paraíba do Sul, previsto desde 2004, e não concluído até hoje; o projeto de Duas Pontes e Amparo, pensado desde uma primeira prospecção em 2004 e só agora entregue.
No terceiro grupo, constam a maioria dos termos previstos na Outorga do Cantareira de 2004: os planos de contingência, que eram para ter sido concluídos em 2005, só o foram em 2010; o plano de redução da dependência desse Sistema, que era para ter sido apresentado em fins de 2006, mas só o foi em 2013 (tornou-se o Plano Diretor para o Uso da Água da Macrometrópole); a atualização das curvas de cota-volume dos reservatórios (essenciais, agora, no contexto do uso do volume morto), que deveria estar pronta em 2005, só concluída em 2008; a revisão dos estudos hidrológicos, também prevista para 2005, e terminada apenas em 2009. Há muitos e muitos outros exemplos.
Vemos, então, que seja do ponto de vista da formulação, seja da perspectiva do planejamento, seja do viés da implementação e da gestão das políticas públicas relacionadas à questão hídrica, a atuação de Geraldo Alckmin não foi nada menos do que desastrosa. Muitos sinais de alerta foram acesos, seja por técnicos do próprio Estado, seja pela sociedade civil, seja pela Academia. A capacidade de intervenção do “vice (2x)/governador (2x)/secretário/governador”, ativamente presente como ator de primeira ordem em 18 dos 20 anos de domínio do PSDB em São Paulo, foi, então fragorosamente insuficiente.
Na verdade, como já disse antes, a tragédia hídrica era para ter ocorrido há vários anos. Estávamos, o tempo todo, na corda-bamba do clima, surfando na onda de São Pedro. Assim que o clima deixou de ser imensamente favorável, foi desnudada a fragilidade de seu modelo de gestão. Chances para contornar o cenário como o atual, ele teve muitas. Nunca superamos, na verdade, o estresse hídrico historicamente vivenciado por São Paulo. Alckmin ficou sempre, contudo, aquém das metas que ele mesmo propôs, daquelas colocadas pela população e daquelas impostas pelo contexto. Não é preciso dizer que, em várias outras áreas de política pública, observamos a mesma incompetência. Quando apareceu a variável fora da curva, que lhe tirou da velocidade de cruzeiro, ele fracassou, e expôs o amadorismo com que enxerga a coisa pública. Por que mereceria mais quatro anos?
pois é. os Paulistas deram mais 4 anos de Alckmin!
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