Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:
A primeira vez em que me dei conta da razão pela qual há tão poucas mulheres na política foi ao longo do mandato da ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (1989–1993), que sucedeu o mandato do ex-presidente Jânio da Silva Quadros (1986–1989).
Erundina governou prioritariamente para o social. A intensidade de programas e medidas voltadas para a população mais pobre desagradou as elites paulistanas, que trataram de acionar sua máquina midiática de “desconstrução” moral.
Erundina foi massacrada pela imprensa paulista ao longo de seu mandato. Porém, por ser mulher, nordestina e, o que é pior, petista, em lugar das acusações de “corrupção” ou de “incompetência”, a principal arma usada contra si foi o deboche.
E deboche, contra mulheres, primordialmente se baseia na questão sexual – ela foi acusada de ser “sapatão”, o que, à sociedade paulistana da época, ao lado de ser “vagabunda” significava a morte moral para qualquer mulher.
A campanha contra Erundina foi tão virulenta que os paulistas preferiram escolher para sucedê-la ninguém mais, ninguém menos do que Paulo Maluf, que pariria Celso Pitta.
Após Maluf e Pitta implantarem uma genuína cleptocracia em São Paulo, com uma máfia de fiscais da prefeitura que chocou o país, deixando a capital paulista literalmente falida, mais uma vez os paulistanos chamaram uma petista para recompor as contas públicas.
Eis que, em 2000, Marta Suplicy se elege prefeita de São Paulo e retoma a profunda preocupação de Erundina com o social. Mais uma vez, os recursos gastos com o social desagradam a imprensa e a elite paulistanas e começa outra campanha de demolição moral.
Como na campanha contra Erundina, mais uma vez a questão de gênero se torna o mote. Eu 2003, Marta cometeu outro crime social, aos olhos da hiperconservadora sociedade paulistana: ousou separar-se de Eduardo Suplicy para se unir a outro homem.
Desta vez, outra pecha mortal para as mulheres brasileiras ignorou a vastidão de obras e programas de distensão social de Marta, a de “vagabunda”.
A partir dali, estereótipos com os quais as mulheres são acossadas se sucederam. Histérica, fútil etc. Marta tornou-se uma caricatura de si mesma e nunca mais se recuperou. Assim como Erundina foi derrotada por alguém como Maluf, em 2004 Marta foi derrotada por José Serra, que pariu Gilberto Kassab, quem, em 2012, viu São Paulo recorrer a outro petista para consertar os estragos da direita.
Fernando Haddad teve azar. Sua impopularidade, de 2012 para cá, foi edificada em cima das tais “jornadas de junho”, que exigiram dele o impossível após seis meses como prefeito. Contudo, sua popularidade já começa a se recuperar e nunca, jamais, foi alvo dos deboches que, em São Paulo, são tão eficientes contra mulheres fortes.
Haddad jamais foi alvo de deboches simplesmente porque é homem. Ninguém consegue citar um só deboche sexista contra ele ou contra qualquer espécime macho da política tupiniquim. Sem destruição moral em uma cidade moralista, deve se recuperar até o fim de seu mandato.
Quando Lula indicou Dilma Rousseff para sucedê-lo, preocupei-me. Ser mulher e petista continua não sendo uma boa combinação na política brasileira.
Claro que qualquer outro presidente petista teria sido alvo da campanha contra o PT que começou em 2012, quando o STF deu à direita os argumentos de que precisava para fazer a velhíssima campanha moralista contra a esquerda. Uma campanha que, inclusive, permitiu o golpe militar de 1964. Mas ser mulher ajudou a desconstruir Dilma.
A imprensa sabe usar muito bem o preconceito contra as mulheres. Principalmente quando são petistas. Em 2009, por exemplo, no UOL, um dos colunistas do portal publicou matéria em que achincalhava Dilma e Marta com epítetos “suaves” como “vadias” e “vagabundas”.
Em 2010, em pleno ano eleitoral, o mesmo UOL e o mesmo Josias publicam charge retratando a então candidata a presidente Dilma Rousseff como prostituta.
Essa é a imprensa que diz que Dilma “jogou sujo” contra Marina…
Ainda em 2010, a direita, valendo-se do fato de Dilma não ter um homem em sua vida – apesar de ser mãe e avó –, usou contra ela a mesma estratégia usada contra Erundina quase vinte anos antes: acusou-a de ser homossexual e inventou até uma “amante” para si.
A partir da desconstrução da imagem de Dilma no ano passado, o machismo contra ela tornou-se virulento. As redes sociais passaram a ser inundadas por montagens em que a presidente da República aparecia nua.
O uso do corpo nu de mulher idosa para o rosto da presidente fez sucesso entre uma legião de mulheres, inclusive, que compartilhavam essas imagens infames acompanhadas daquela indefectível onomatopeia para risadas histéricas, o odioso “kkkkkk…”
Uma das armas do machismo é o corpo nu de uma mulher. Se não estiver em forma, serve para ridicularizar; se estiver em forma, serve para acusações de promiscuidade.
Mas foi em 2014 que o machismo, a misoginia e a falta de escrúpulos contra a condição feminina de Dilma chegou ao máximo. Na abertura da Copa de 2014, na Arena Corinthians, em São Paulo, no “camarote VIP” do Banco Itaú, torcedores gritam “Hei, Dilma, vai tomar no cu”.
A imprensa se esbaldou com essa prova de falta de civilidade, apesar de dissimular. Bastaria não ter repercutido. Mas para “provar” como a presidente seria “impopular”, a Globo, e depois o resto da mídia, destacaram o fato, ainda que depois, vendo a má repercussão da atitude daquelas pessoas, tenham criticado.
Ora, bastava abafar o caso, em respeito às mulheres e à própria condição de chefe de Estado de Dilma. Mas noticiá-lo conferia verossimilhança à tese de que ela estava “acabada”, politicamente.
Dilma manteve, durante todo esse tempo – desde junho do ano passado, quando era massacrada nas manifestações –, uma postura altiva e corajosa. Jamais respondeu aos insultos, jamais perdeu a calma, jamais passou recibo.
Há cerca de um mês, a direita midiática já esfregava as mãos e salivava ante o sangue fresco de Dilma, que imaginava que seria vertido durante a eleição. Pela internet, o machismo, as piadas sexistas, as montagens infames usando a sexualidade de uma senhora sexagenária, mãe e avó, foram uma farra.
Eis que chegamos à véspera da eleição presidencial. Em algumas horas, após tantas humilhações, após tantas calúnias, após tanto machismo, finalmente Dilma responderá aos seus algozes, que terão que rezar para que ela não se reeleja em 1º turno.
Se existir justiça divina, Dilma encerrará essa eleição no próximo domingo. Mas, seja lá como for, seu alto favoritismo nesta reta final e sua condição de supremacia no segundo turno constituem a melhor resposta que essa grande mulher poderia dar.
A primeira vez em que me dei conta da razão pela qual há tão poucas mulheres na política foi ao longo do mandato da ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (1989–1993), que sucedeu o mandato do ex-presidente Jânio da Silva Quadros (1986–1989).
Erundina governou prioritariamente para o social. A intensidade de programas e medidas voltadas para a população mais pobre desagradou as elites paulistanas, que trataram de acionar sua máquina midiática de “desconstrução” moral.
Erundina foi massacrada pela imprensa paulista ao longo de seu mandato. Porém, por ser mulher, nordestina e, o que é pior, petista, em lugar das acusações de “corrupção” ou de “incompetência”, a principal arma usada contra si foi o deboche.
E deboche, contra mulheres, primordialmente se baseia na questão sexual – ela foi acusada de ser “sapatão”, o que, à sociedade paulistana da época, ao lado de ser “vagabunda” significava a morte moral para qualquer mulher.
A campanha contra Erundina foi tão virulenta que os paulistas preferiram escolher para sucedê-la ninguém mais, ninguém menos do que Paulo Maluf, que pariria Celso Pitta.
Após Maluf e Pitta implantarem uma genuína cleptocracia em São Paulo, com uma máfia de fiscais da prefeitura que chocou o país, deixando a capital paulista literalmente falida, mais uma vez os paulistanos chamaram uma petista para recompor as contas públicas.
Eis que, em 2000, Marta Suplicy se elege prefeita de São Paulo e retoma a profunda preocupação de Erundina com o social. Mais uma vez, os recursos gastos com o social desagradam a imprensa e a elite paulistanas e começa outra campanha de demolição moral.
Como na campanha contra Erundina, mais uma vez a questão de gênero se torna o mote. Eu 2003, Marta cometeu outro crime social, aos olhos da hiperconservadora sociedade paulistana: ousou separar-se de Eduardo Suplicy para se unir a outro homem.
Desta vez, outra pecha mortal para as mulheres brasileiras ignorou a vastidão de obras e programas de distensão social de Marta, a de “vagabunda”.
A partir dali, estereótipos com os quais as mulheres são acossadas se sucederam. Histérica, fútil etc. Marta tornou-se uma caricatura de si mesma e nunca mais se recuperou. Assim como Erundina foi derrotada por alguém como Maluf, em 2004 Marta foi derrotada por José Serra, que pariu Gilberto Kassab, quem, em 2012, viu São Paulo recorrer a outro petista para consertar os estragos da direita.
Fernando Haddad teve azar. Sua impopularidade, de 2012 para cá, foi edificada em cima das tais “jornadas de junho”, que exigiram dele o impossível após seis meses como prefeito. Contudo, sua popularidade já começa a se recuperar e nunca, jamais, foi alvo dos deboches que, em São Paulo, são tão eficientes contra mulheres fortes.
Haddad jamais foi alvo de deboches simplesmente porque é homem. Ninguém consegue citar um só deboche sexista contra ele ou contra qualquer espécime macho da política tupiniquim. Sem destruição moral em uma cidade moralista, deve se recuperar até o fim de seu mandato.
Quando Lula indicou Dilma Rousseff para sucedê-lo, preocupei-me. Ser mulher e petista continua não sendo uma boa combinação na política brasileira.
Claro que qualquer outro presidente petista teria sido alvo da campanha contra o PT que começou em 2012, quando o STF deu à direita os argumentos de que precisava para fazer a velhíssima campanha moralista contra a esquerda. Uma campanha que, inclusive, permitiu o golpe militar de 1964. Mas ser mulher ajudou a desconstruir Dilma.
A imprensa sabe usar muito bem o preconceito contra as mulheres. Principalmente quando são petistas. Em 2009, por exemplo, no UOL, um dos colunistas do portal publicou matéria em que achincalhava Dilma e Marta com epítetos “suaves” como “vadias” e “vagabundas”.
Em 2010, em pleno ano eleitoral, o mesmo UOL e o mesmo Josias publicam charge retratando a então candidata a presidente Dilma Rousseff como prostituta.
Essa é a imprensa que diz que Dilma “jogou sujo” contra Marina…
Ainda em 2010, a direita, valendo-se do fato de Dilma não ter um homem em sua vida – apesar de ser mãe e avó –, usou contra ela a mesma estratégia usada contra Erundina quase vinte anos antes: acusou-a de ser homossexual e inventou até uma “amante” para si.
A partir da desconstrução da imagem de Dilma no ano passado, o machismo contra ela tornou-se virulento. As redes sociais passaram a ser inundadas por montagens em que a presidente da República aparecia nua.
O uso do corpo nu de mulher idosa para o rosto da presidente fez sucesso entre uma legião de mulheres, inclusive, que compartilhavam essas imagens infames acompanhadas daquela indefectível onomatopeia para risadas histéricas, o odioso “kkkkkk…”
Uma das armas do machismo é o corpo nu de uma mulher. Se não estiver em forma, serve para ridicularizar; se estiver em forma, serve para acusações de promiscuidade.
Mas foi em 2014 que o machismo, a misoginia e a falta de escrúpulos contra a condição feminina de Dilma chegou ao máximo. Na abertura da Copa de 2014, na Arena Corinthians, em São Paulo, no “camarote VIP” do Banco Itaú, torcedores gritam “Hei, Dilma, vai tomar no cu”.
A imprensa se esbaldou com essa prova de falta de civilidade, apesar de dissimular. Bastaria não ter repercutido. Mas para “provar” como a presidente seria “impopular”, a Globo, e depois o resto da mídia, destacaram o fato, ainda que depois, vendo a má repercussão da atitude daquelas pessoas, tenham criticado.
Ora, bastava abafar o caso, em respeito às mulheres e à própria condição de chefe de Estado de Dilma. Mas noticiá-lo conferia verossimilhança à tese de que ela estava “acabada”, politicamente.
Dilma manteve, durante todo esse tempo – desde junho do ano passado, quando era massacrada nas manifestações –, uma postura altiva e corajosa. Jamais respondeu aos insultos, jamais perdeu a calma, jamais passou recibo.
Há cerca de um mês, a direita midiática já esfregava as mãos e salivava ante o sangue fresco de Dilma, que imaginava que seria vertido durante a eleição. Pela internet, o machismo, as piadas sexistas, as montagens infames usando a sexualidade de uma senhora sexagenária, mãe e avó, foram uma farra.
Eis que chegamos à véspera da eleição presidencial. Em algumas horas, após tantas humilhações, após tantas calúnias, após tanto machismo, finalmente Dilma responderá aos seus algozes, que terão que rezar para que ela não se reeleja em 1º turno.
Se existir justiça divina, Dilma encerrará essa eleição no próximo domingo. Mas, seja lá como for, seu alto favoritismo nesta reta final e sua condição de supremacia no segundo turno constituem a melhor resposta que essa grande mulher poderia dar.
A beleza do texto do Edu deveria envergonhar os artigos eivados de ódio e achincalhes repetitivos e grosseiros de jornalistas ditos profissionais, que a muito se distanciaram de sua profissão, tornando-se simples porta-vozes dos patrões, a serviço da oligarquia atrelada aos interesses antinacionais.
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