Por Roberto Amaral, na revista CartaCapital:
Várias são as reflexões ensejadas pela eleição de Dilma Rousseff. A primeira, aliás, é exatamente esta, sua grande e significativa vitória, política e eleitoral que é, de igual modo, a consagração de seu governo e da opção progressista, da visão moderna de sociedade democrática, pela qual tanto lutam os socialistas brasileiros. Em face de duas visões de mundo antípodas, o eleitorado optou pela que indicava a busca do desenvolvimento econômico – por acelerar-se – como meio de chegar, ainda em nossos tempos, a uma forma aproximada de igualdade social, a aspiração possível dentro do regime de iniquidades que privilegia o capital e o rentismo estéril.
O veredito eleitoral deve ser recebido, também, como declarado apoio do país à política externa independente, à busca por autonomia e soberania e a reafirmação das políticas sociais distributivas de renda. Mas as eleições de 2014 também revelaram a ascensão de uma direita forte e assumida, e o crescimento do pensamento conservador e reacionário, de raízes autoritárias (o velho conflito entre a casa grande e a senzala) expresso em parte da votação de Aécio Neves, que tão bem soube representar a ideologia da dependência e do atraso. O fenômeno, por óbvio, não é sua existência – que acompanha toda a nossa história –, mas seu crescimento e sua importante expressão eleitoral, de que se deve esperar consequências.
Há, porém, um fato positivo a registrar e trata-se da revelação de uma direita de cara limpa, sem máscaras e sem maquiagem, ensejadora do debate ideológico, sem intermediações, sem fraude, sem tergiversação. Ao sair do armário, o fantasma propiciou à cidadania escolher entre dois modelos antagônicos de sociedade e país.
A resposta é consabida.
Mas o ovo da serpente pode estar sendo chocado.
Cabe, agora, dar consequência a essa escolha e essa depende, hoje como jamais, menos dos arranjos políticos do que do apoio da sociedade defendendo o governo que elegeu e assegurando-lhe o lastro politico-popular que jamais encontrará no Congresso. O apoio de que Dilma carece em hipótese alguma virá dos ‘donos do poder’, encastelados na avenida Paulista e ditando a linha editorial dos jornalões.
Esse apoio será conquistado nas ruas, no debate franco e aberto com a sociedade, com os movimentos sociais, com os trabalhadores, com os estudantes. É preciso animá-lo, todavia.
Derrotada nas urnas – como é de seu destino – a direita brasileira breve forcejará por desestabilizar o governo popular. Embora participando do processo eleitoral, a direita, no mundo e no Brasil, jamais esteve essencialmente comprometida com a democracia, que fratura sempre que a correlação de forças lhe é favorável. Pois a irresignação eleitoral que leva ao golpismo está em seu DNA, desde a velha UDN de Lacerda e as vivandeiras que, eleição após eleição, isto é, derrota após derrota, corriam em procissão aos quartéis. O chamado ‘terceiro turno’ já está na praça e se expressa numa oposição sem quartel. Na verdade, a presidente, hoje, enfrenta a mesma oposição – raivosa, preconceituosa, reacionária – que blaterou sem cessar, no governo e na campanha eleitoral.
Ao poder de sempre somam-se a bílis dos derrotados e a ambição dos interesses contrariados, a crise das legendas ideológicas e o pragmatismo dos oportunistas, encastelados em todos os partidos. Crise ideológica, crise de organização, crise de liderança, eis o caruncho que corrói as entranhas dos partidos. Essa decadência é um dos fatores que, nas águas do desapreço da cidadania à vida partidária, abriu sendas pelas quais navegou o discurso conservador, invadindo todos os setores sociais, cotidianamente desenvolvido nas universidades, nos partidos e nos quartéis e nas escolas militares, no empresariado, expresso sobretudo pela grande imprensa, muito bem sucedida no esforço visando à alienação das classes médias. Por isso mesmo o conservadorismo não é um atributo exclusivo da classe dominante, chegando mesmo a incrustar-se em camadas populares, principalmente junto àquelas mais sensíveis a certas visões pentecostais.
Se a luta agora está posta em seus devidos termos, não será ela menos difícil de ser enfrentada.
No primeiro momento, não havendo podido derrotar sua adversária, a direita tentará manietá-la, acuá-la, induzir o segundo governo nas sendas dos seus interesses, ditar normas e condutas (já soam ‘exigências dos mercados desconfiados’), indicar à presidenta o que precisa fazer e o que não pode ser feito. A imprensa já está ‘nomeando’ ministros, de especial aquele que diz respeito ao interesse maior do poder econômico, o ministro da Fazenda, e já tenta ditar a política do Banco Central. Em nome de uma ‘conciliação’ que é só embuste, porque não se conciliam interesses em conflito, pois há um conflito, que jamais foi apenas latente, entre os de ‘baixo’ e os de ‘cima’. Há sempre uma força hegemônica, o que não significa que uma vitória eleitoral importe necessariamente na conquista da hegemonia. Pari passu, e num crescendo medido pelos interesses frustrados, a oposição desabrida, no Congresso e fora dele, a tentativa de desmoralização e descrédito.
Há, porém, um fato positivo a registrar e trata-se da revelação de uma direita de cara limpa, sem máscaras e sem maquiagem, ensejadora do debate ideológico, sem intermediações, sem fraude, sem tergiversação. Ao sair do armário, o fantasma propiciou à cidadania escolher entre dois modelos antagônicos de sociedade e país.
A resposta é consabida.
Mas o ovo da serpente pode estar sendo chocado.
Cabe, agora, dar consequência a essa escolha e essa depende, hoje como jamais, menos dos arranjos políticos do que do apoio da sociedade defendendo o governo que elegeu e assegurando-lhe o lastro politico-popular que jamais encontrará no Congresso. O apoio de que Dilma carece em hipótese alguma virá dos ‘donos do poder’, encastelados na avenida Paulista e ditando a linha editorial dos jornalões.
Esse apoio será conquistado nas ruas, no debate franco e aberto com a sociedade, com os movimentos sociais, com os trabalhadores, com os estudantes. É preciso animá-lo, todavia.
Derrotada nas urnas – como é de seu destino – a direita brasileira breve forcejará por desestabilizar o governo popular. Embora participando do processo eleitoral, a direita, no mundo e no Brasil, jamais esteve essencialmente comprometida com a democracia, que fratura sempre que a correlação de forças lhe é favorável. Pois a irresignação eleitoral que leva ao golpismo está em seu DNA, desde a velha UDN de Lacerda e as vivandeiras que, eleição após eleição, isto é, derrota após derrota, corriam em procissão aos quartéis. O chamado ‘terceiro turno’ já está na praça e se expressa numa oposição sem quartel. Na verdade, a presidente, hoje, enfrenta a mesma oposição – raivosa, preconceituosa, reacionária – que blaterou sem cessar, no governo e na campanha eleitoral.
Ao poder de sempre somam-se a bílis dos derrotados e a ambição dos interesses contrariados, a crise das legendas ideológicas e o pragmatismo dos oportunistas, encastelados em todos os partidos. Crise ideológica, crise de organização, crise de liderança, eis o caruncho que corrói as entranhas dos partidos. Essa decadência é um dos fatores que, nas águas do desapreço da cidadania à vida partidária, abriu sendas pelas quais navegou o discurso conservador, invadindo todos os setores sociais, cotidianamente desenvolvido nas universidades, nos partidos e nos quartéis e nas escolas militares, no empresariado, expresso sobretudo pela grande imprensa, muito bem sucedida no esforço visando à alienação das classes médias. Por isso mesmo o conservadorismo não é um atributo exclusivo da classe dominante, chegando mesmo a incrustar-se em camadas populares, principalmente junto àquelas mais sensíveis a certas visões pentecostais.
Se a luta agora está posta em seus devidos termos, não será ela menos difícil de ser enfrentada.
No primeiro momento, não havendo podido derrotar sua adversária, a direita tentará manietá-la, acuá-la, induzir o segundo governo nas sendas dos seus interesses, ditar normas e condutas (já soam ‘exigências dos mercados desconfiados’), indicar à presidenta o que precisa fazer e o que não pode ser feito. A imprensa já está ‘nomeando’ ministros, de especial aquele que diz respeito ao interesse maior do poder econômico, o ministro da Fazenda, e já tenta ditar a política do Banco Central. Em nome de uma ‘conciliação’ que é só embuste, porque não se conciliam interesses em conflito, pois há um conflito, que jamais foi apenas latente, entre os de ‘baixo’ e os de ‘cima’. Há sempre uma força hegemônica, o que não significa que uma vitória eleitoral importe necessariamente na conquista da hegemonia. Pari passu, e num crescendo medido pelos interesses frustrados, a oposição desabrida, no Congresso e fora dele, a tentativa de desmoralização e descrédito.
Quaisquer que sejam os gestos da presidente e seu chamamento ao diálogo, a oposição ao governo, já ativa nos jornalões, será a mesma que fustiga a presidente Dilma no mandato findante. Por uma razão muito simples: o patronato jamais se confunde sobre o papel que lhe cabe na luta de classes. Aliás, muitos dos que viveram os anos 1963-1964 (e ai do político de esquerda que os ignorar!) viram, no período eleitoral recém concluído, mormente no segundo turno, o mesmo clima de quase ódio e intolerância (sobrevivente) que a classe dominante e seus satélites (pequena-burguesia, classe média isso e classe média aquilo) moviam contra Jango e seu governo. E note-se, naquele momento então a imprensa não era, como hoje, uma força monolítica da direita, nem a televisão, posse dos dominantes, tinha a irradiação nacional de hoje. Havia um mínimo de concorrência entre os veículos, que eram muitos – e alguns apoiando o governo, como a Última Hora – e inexistiam as redes e o virtual monopólio de audiência no rádio e na tevê. Monopólios que, diga-se de passagem, não foram só herança da ditadura, consolidados que foram pelos governos democráticos pós 1985, inclusive pelos governos de Lula e de Dilma. Deve-lhes a direita uma errônea política de distribuição de recursos da União (publicidade, compras de livros didáticos, projetos educacionais etc e muito etc.), uma distribuição acrítica de canais que favorecem o monopólio e a alienação.
É bom olhar para o passado pois no seu espelho o bom estrategista vê o futuro, ainda em tempo de alterar seu curso.
O povo que elegeu Dilma Rousseff deu-lhe mandato e autoridade para operar as mudanças e principalmente aquelas mudanças estruturais que só se realizam quando apoiadas pelas ruas repletas de povo.
Para tratar de tema polêmico comecemos por discutir a tal ‘governabilidade’ que não pode ser apenas a consequência de inevitáveis negociações com partidos desfibrados e bancadas de interesses, o mais das vezes inconfessáveis. A ‘base de governo’ não pode depender, como agora, tão-só, de partidos inconfiáveis (estão aí à vista de todos as votações desta semana na Câmara dos Deputados), ou de líderes de súcias. Precisamos, seus eleitores, dar à presidenta as condições objetivas de fugir a essa armadilha. Mais do que nunca, seu governo, e sua inclinação ideológica, dependerão do apoio popular que, desta feita, não pode encerrar-se no ato cívico do voto dado no dia 26. Esse voto precisará ser renovado todo dia, e revigorado em todos os embates do governo que, doravante, não serão poucos, nem fáceis.
Não podendo encetar, no momento, a mais crucial das reformas, que é a do Estado – pois esta depende de emendas à Constituição – o primeiro grande projeto (ao mesmo tempo o caminho mais curto para uma governabilidade republicana) é a reforma do processo eleitoral, também chamada de ‘reforma política’. Ela é tão importante que os jornalões já se antecipam no combate à proposta da presidente Dilma de convocação por plebiscito e confirmação por referendo, que, de per si ou em conjunto, assegurariam ao novo diploma legal a legitimidade do apoio popular.
Já se disse quase tudo que pode significar crítica ao atual sistema, a começar pelo financiamento privado que se torna público com os serviços prestados pelo beneficiário à empreiteira ou banco investidor. Mas esse não é o só problema que desnatura o processo eleitoral. Ao lado do financiamento público exclusivo de campanha, é fundamental vedar as coligações proporcionais e, nas majoritárias, evitar a soma dos tempos de rádio e de televisão, fonte das mais promíscuas negociatas entre partidos, muitos dos quais são criados e mantidos apenas como instrumento de rendoso achaque. O próximo mandatário estará livre da missão-impossível que se cobra hoje da presidenta Dilma: negociar com 28 legendas (que ao fim e ao cabo não passam de três ou quatro partidos), com ‘líderes’ que não lideram e bancadas corporativas de toda ordem, cada qual com seu próprio jogo: as bancadas do agronegócio, dos militares, da bala, dos evangélicos, dos sanitaristas, do esporte, atuando como se partidos fossem, autonomamente, à revelia de suas direções e de suas lideranças.
Por fim e por ser o fato mais importante, retomemos o grande feito dessas eleições: a vitória retumbante de Dilma. Insisto neste retumbante pois trata-se de vitória da resistência popular, ante o poderio do meios de comunicação extrapolando todos os limites éticos e legais, desde a unânime parcialidade à excrescência golpista da inefável revistona.
Diz-se que o País está dividido, mas não se diz que essa divisão é o segundo tempo da arrogância da classe dominante, que não aceita o fato de o explorado haver tomado consciência da exploração de que é vítima e identificado a sede de seus interesses. A arrogância de direita unificou nessas eleições todas as forças da reação e atraiu setores ponderáveis das camadas urbanas, conquistadas pelo discurso anti-PT, em nome do combate à corrupção, da qual elas, as classes dominantes, são as principais responsáveis, corruptoras que são desde sempre.
É bom olhar para o passado pois no seu espelho o bom estrategista vê o futuro, ainda em tempo de alterar seu curso.
O povo que elegeu Dilma Rousseff deu-lhe mandato e autoridade para operar as mudanças e principalmente aquelas mudanças estruturais que só se realizam quando apoiadas pelas ruas repletas de povo.
Para tratar de tema polêmico comecemos por discutir a tal ‘governabilidade’ que não pode ser apenas a consequência de inevitáveis negociações com partidos desfibrados e bancadas de interesses, o mais das vezes inconfessáveis. A ‘base de governo’ não pode depender, como agora, tão-só, de partidos inconfiáveis (estão aí à vista de todos as votações desta semana na Câmara dos Deputados), ou de líderes de súcias. Precisamos, seus eleitores, dar à presidenta as condições objetivas de fugir a essa armadilha. Mais do que nunca, seu governo, e sua inclinação ideológica, dependerão do apoio popular que, desta feita, não pode encerrar-se no ato cívico do voto dado no dia 26. Esse voto precisará ser renovado todo dia, e revigorado em todos os embates do governo que, doravante, não serão poucos, nem fáceis.
Não podendo encetar, no momento, a mais crucial das reformas, que é a do Estado – pois esta depende de emendas à Constituição – o primeiro grande projeto (ao mesmo tempo o caminho mais curto para uma governabilidade republicana) é a reforma do processo eleitoral, também chamada de ‘reforma política’. Ela é tão importante que os jornalões já se antecipam no combate à proposta da presidente Dilma de convocação por plebiscito e confirmação por referendo, que, de per si ou em conjunto, assegurariam ao novo diploma legal a legitimidade do apoio popular.
Já se disse quase tudo que pode significar crítica ao atual sistema, a começar pelo financiamento privado que se torna público com os serviços prestados pelo beneficiário à empreiteira ou banco investidor. Mas esse não é o só problema que desnatura o processo eleitoral. Ao lado do financiamento público exclusivo de campanha, é fundamental vedar as coligações proporcionais e, nas majoritárias, evitar a soma dos tempos de rádio e de televisão, fonte das mais promíscuas negociatas entre partidos, muitos dos quais são criados e mantidos apenas como instrumento de rendoso achaque. O próximo mandatário estará livre da missão-impossível que se cobra hoje da presidenta Dilma: negociar com 28 legendas (que ao fim e ao cabo não passam de três ou quatro partidos), com ‘líderes’ que não lideram e bancadas corporativas de toda ordem, cada qual com seu próprio jogo: as bancadas do agronegócio, dos militares, da bala, dos evangélicos, dos sanitaristas, do esporte, atuando como se partidos fossem, autonomamente, à revelia de suas direções e de suas lideranças.
Por fim e por ser o fato mais importante, retomemos o grande feito dessas eleições: a vitória retumbante de Dilma. Insisto neste retumbante pois trata-se de vitória da resistência popular, ante o poderio do meios de comunicação extrapolando todos os limites éticos e legais, desde a unânime parcialidade à excrescência golpista da inefável revistona.
Diz-se que o País está dividido, mas não se diz que essa divisão é o segundo tempo da arrogância da classe dominante, que não aceita o fato de o explorado haver tomado consciência da exploração de que é vítima e identificado a sede de seus interesses. A arrogância de direita unificou nessas eleições todas as forças da reação e atraiu setores ponderáveis das camadas urbanas, conquistadas pelo discurso anti-PT, em nome do combate à corrupção, da qual elas, as classes dominantes, são as principais responsáveis, corruptoras que são desde sempre.
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