sábado, 25 de outubro de 2014

O ódio é a herança da imprensa

Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

Na sexta-feira (24), dia de encerramento da propaganda eleitoral e do último debate entre os candidatos à Presidência da República, os dois institutos de pesquisa mais considerados pela imprensa declaram consolidada a tendência de vitória de Dilma Rousseff.

Como se trata de prospecção do passado, e diante das oscilações no capital de confiabilidade das pesquisas, ninguém pode dar como definitivas as intenções de voto, porque pelo menos 10% dos eleitores ainda demonstram pouca convicção. Pode-se, no entanto, afirmar que, a se concretizar o que dizem o Ibope e o Datafolha, a mídia tradicional é, neste momento, a parte derrotada no confronto bipartite em que se configuram as eleições no Brasil ao longo deste século.

Como suporte midiático da aliança oposicionista, a imprensa hegemônica é a matriz do radicalismo que domina a disputa eleitoral. A se confirmarem os números dos dois institutos, as grandes empresas de comunicação deverão reunir seus conselhos imediatamente após a eleição, para discutir o futuro.

As análises sobre a virada da candidata petista em cima do senador Aécio Neves, do PSDB, observam com clareza que a presidente da República reverteu a tendência inicial do segundo turno com o recurso da propaganda direta no rádio e na TV. No entanto, nenhum especialista credenciado pela imprensa admite que essa mudança significa, na prática, a desconstrução do discurso da própria mídia, que em mais de uma década vem injetando na agenda pública uma mensagem de depreciação da política e descrédito das instituições republicanas.

Há corrupção? Certamente há muita corrupção, em todas as instâncias do poder público e em todos os poderes, como uma praga de cupins incrustada no sistema republicano. A origem desse vício é a própria Constituinte de 1988, que reorganizou a República após a ditadura militar, construindo um arcabouço legal à base do corporativismo e providenciando holofotes para o protagonismo de grupos que haviam apoiado o regime de exceção.

A imprensa, como instituição, tem parte da responsabilidade, como demonstrou pesquisa do historiador Francisco Fonseca, professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas.

O monopólio da maledicência

Na reta final da campanha, proliferam queixumes de colunistas, editorialistas, acólitos em geral que defendem ferozmente seus espaços na mídia. Eles criticam o que chamam de “baixo nível” da campanha, rezando o credo segundo o qual apenas a imprensa pode criar factoides, explorar meias-verdades, difundir mentiras e estimular o radicalismo entre os ativistas políticos. Aqueles que buscam explicações para o quadro eleitoral que os contraria dão todo o crédito ao marqueteiro-chefe de Dilma Rousseff, negando qualquer mérito à candidata.

Acontece que, ao afirmar que foi a propaganda no rádio e na TV, que fez a defesa agressiva do legado dos governos petistas, a causa da mudança nas perspectivas eleitorais, cada um desses textos está admitindo que as mensagens elaboradas pela campanha da presidente foram capazes de desconstruir, em poucas semanas, aquilo que fora incutido em grande parte da sociedade ao longo de muitos anos por um jornalismo tendencioso, raso, partidário e irresponsável.

Ao descobrirem que não possuem o monopólio da maledicência, muitos jornalistas acusam a campanha de ser maledicente.

Carlos Lacerda ainda é um herói em quase todas as redações e não foram poucas as eleições decididas por manobras da imprensa reacionária. A última delas está em andamento, a partir de mais uma incursão da revista Veja no jornalismo marrom. Mas apenas o Globo (ver aqui) parece disposto a arriscar sua reputação em mais esse factoide: uma suposta declaração do principal acusado no escândalo da Petrobras que é desmentida por seu próprio advogado.

O UOL publicou uma nota e o Estado de S. Paulo não deu credibilidade à notícia.

Agora, convenhamos: alguém acha que se pode ser competitivo numa eleição com frases doces, nos termos em que a imprensa coloca a agenda pública? Se até Marina Silva, tida por muitos como uma espécie de ninfa diáfana da floresta, tem sido capaz de proferir barbaridades com aquele ar de santa em casa de tolerância, por que a candidata que é massacrada pela mídia iria posar de Madre Teresa? Para perder a eleição?

Transita entre a candura e a hipocrisia a ideia de que a política deveria ser um confronto elegante de damas e cavalheiros. Não é, nunca foi, e a imprensa sempre atuou como lança-chamas. Com qualquer resultado no domingo, o ódio que semeou será sua herança.

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