sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Sou de direita com muito orgulho

Por Renata Mielli, no blog Janela sobre a palavra:

Há alguns anos atrás, a afirmação acima poderia soar estranha. Mas hoje não mais.

No final da década de 80 e nos anos 90, o regime militar que governou o Brasil por 25 anos não era apenas uma memória do passado. Era algo muito presente. Defender a ditadura ou se dizer de direita era uma coisa que se aproximava do politicamente incorreto, dava vergonha, certo medo de como os outros iriam me julgar. Era como remar contra a maré da democracia. Isso não significa que estufar o peito e se dizer de esquerda era algo mais em voga.

Na verdade, o momento simbólico que marca definitivamente o fim do regime militar no Brasil, a promulgação da Constituição de 1988, ocorreu no contexto do fim da chamada Guerra Fria, que teve o seu final simbólico com a derrubada do Muro de Berlim, em 1989.

Este foi um momento em que surgiram com força os ideólogos do “fim da história”, ou seja, de que não havia mais luta de classes, tentando inclusive acabar com essa coisa de esquerda e direita. É tudo a mesma coisa, há diferença de gestão, de posição aqui e ali, mas a sociedade havia superado os conflitos de classe, pregavam.

Teorias a parte, a verdade é que os conflitos nunca deixaram de existir (há quem diga que nunca deixarão, uma vez que são conflitos inconciliáveis) e, no Brasil, a esquerda e a direita continuaram ativas. A esquerda mais organizada, protagonista e militante; e a direita mais desorganizada e por um longo período um tanto quanto envergonhada de se assumir.

Com a vitória de Lula e Dilma que deram outros rumos para a economia, para as relações internacionais, para projetos sociais etc, muito diferentes dos que tinham sido historicamente adotados no Brasil até 2002, nós da direita começamos a nos incomodar muito.

Passa ano, entra ano, três eleições presidenciais depois e o que poderia ser um incômodo passou a ser algo muito mais perigoso: a possibilidade de consolidação de um projeto político que colide de forma muito forte com os nossos interesses, da direita.

Somado a isso, passaram-se muitos anos da ditadura, e ela hoje é uma lembrança para uma minoria na sociedade e um tópico nos livros de história para tantos outros. A ditadura não assusta mais.
Pronto, estão dadas as condições históricas e conjunturais para eu sacudir a poeira e tirar o velho paletó do armário e assumir, com orgulho, minha posição política: sou de direita.

Bom, tudo bem, mas não é só isso. Sou de ultradireita. Porque eu não defendo apenas o retorno das políticas neoliberais e mudanças de rumo na economia, nas relações internacionais e nas políticas sociais. Não, isso é pouco. Eu sou contra esse papo de direitos humanos.

Aonde já se viu homem ir parar na cadeia porque agride a mulher! Basta! Vamos acabar com isso. Se a mulher apanhou é porque mereceu e ponto.

E esse negócio de direitos para os homossexuais. Pelo amor de Deus, isso é um desvio, uma doença. No mínimo tem que tratar o coitado ou a coitada. Eu defendo a FAMÍLIA.

E o que é isso de descriminalizar o aborto, mulher que aborta tem que ser presa, assassina.

E essa juventude negra, favelada, agora se achando cheia de impunidade. Esses trombadinhas têm que ir para a cadeia, por isso eu defendo a redução da maioridade penal e outra coisa, presídio não tem que ser público. Vamos privatizar tudo.

Há, tem também que acabar com essa Comissão da Verdade e parar de fuçar no que aconteceu durante a década de 60 e 70 no Brasil. Para com essa história de querer punir torturadores. Não houve tortura, aliás, nem ditadura houve. A Revolução de 64 foi um mal necessário. Foi o Estado brasileiro caçando os terroristas, bandidos, comunistas que queriam transformar o Brasil em Cuba, ou União Soviética e pior, que estão soltos ai até hoje, agora, querendo fazer aqui no Brasil o bolivarianismo (mesmo que eu não saiba direito o que isso significa, mas se a mídia diz que é ruim, então tá dito),

Fora tudo isso tem essa ascensão social, a gente tem que conviver com cada gente que agora viaja de avião, frequenta restaurantes, cinemas, shoppings.

Nossa, estou me sentindo muito à vontade. Fazia muito tempo que eu tinha todas essas – e muitas outras – opiniões presas na garganta e não podia falar. Mas agora tudo mudou.

E foi lindo poder participar da manifestação contra os comunistas no Largo da Batata, ontem. Mandei a presidente ir tomar no cu, como fiz na abertura da Copa; gritei Viva a Política Militar, esse órgão fundamental dos paulistas para manter a ordem e impedir a baderna desses desocupados (estudantes, sindicalistas, sem-terra, sem-teto). Adorei a musiquinha que o pessoal inventou lá na hora “Ei, ebola, leva a Dilma embora”. Finalmente tive um espaço para destilar todo o meu ódio contra essa gente.

Durante o ato, me perguntaram se eu sabia alguma proposta do Aécio, o meu candidato para a presidência. Tinha até esquecido que estava lá para por causa dele. Proposta? Que importa? Eu quero é tirar esse PT daí.

***

Sim, leitor, leitora, essa pessoa que eu criei, não é ficção, ela foi inspirada em dezenas de milhares que estão pipocando nestas eleições. Elas existem e são de carne e osso. E não será com ódio no coração, e nem com o fígado, que vamos impedir que este pensamento de direita cresça no Brasil.

Vamos ter que fazer o debate de ideias, a empoeirada disputa ideológica. Esperemos que com respeito às diferenças, por mais que isso possa parecer, neste momento, difícil.

Domingo, um round desta luta termina. Na segunda, que o novo round seja disputado com lealdade e firmeza de posições, mas com muito amor no coração.

Domingo eu sou Dilma! Para o Brasil não abrir retroceder e abrir o caminho para que estes pensamentos se disseminem ainda mais.

Se tiver curiosidade, leia a matéria do UOL sobre a cobertura do ato do dia 22 aqui.

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