quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Esquerda nativa é soviética ou cubana?

Por Breno Altman, em seu blog:

Muita calma nessa hora.

A pergunta não diz respeito a modelos de sociedade e Estado, mas exclusivamente ao paradigma de comunicação.

Apesar de ambas experiências pertencerem ao mesmo campo ideológico, percorreram diferentes caminhos e obtiveram distintos resultados.

Muitos se indagam, aliás, o porquê de Cuba ter resistido ao colapso do socialismo, apesar de sua fragilidade econômica.

Uma das razões, penso, é que a narrativa de Fidel e seus companheiros frequentemente expôs ao povo cubano, com clareza, frequentemente de maneira ríspida, os problemas e erros cometidos.

Não se chamava urubu de meu louro. Simples assim.

Mesmo enfrentando sacrifícios dramáticos, os cidadãos aprenderam a confiar em sua direção.

Nem tanto por sua capacidade para resolver os estrangulamentos provocados pelo bloqueio, a falência da URSS e as barbeiragens cometidas, mas por estarem seguros que seus líderes não faltavam com a verdade e não os tratavam como audiência bovina.

Ao contrário do que propagam os inimigos da Revolução Cubana, o Partido Comunista incentivou, dentro de suas instâncias e na população, processos amplos de crítica e autocrítica, cujo ápice ocorreu exatamente nestes 25 anos depois da quebra soviética.

Claro que houve muitos momentos cinzentos e dominados pelo secretismo palaciano. Mas o comportamento habitual, do comando revolucionário, tem sido o de colocar as cartas sobre a mesa.

Os chineses, a propósito, particularmente sob a liderança de Deng Xiaoping, nos anos 80, também optaram por método semelhante.

Os soviéticos, ao menos desde os anos sessenta, preferiram o jogo do feliz.

Até os anos finais da crise, relatórios oficiais apresentavam cenários maravilhosos: pleno emprego, conquistas sociais e culturais formidáveis, desenvolvimento incessante, tremenda pujança em comparação ao capitalismo supostamente doente e terminal.

Medidas eventualmente tomadas para desatar nós eram apresentadas em linha de continuidade com encaminhamentos que haviam provocado os próprios problemas a serem resolvidos.

Afinal, na linguagem do contente, nunca há erros. Apenas novos desafios.

A lógica era trivial: falar de contradições, equívocos e fracassos favorecia a propaganda inimiga.

Como os fatos são usualmente mais vigorosos que a comunicação, ao longo do tempo abriu-se um fosso entre o que falavam os governantes e a consciência social.

Os cidadãos soviéticos e a própria militância comunista, que tinham travado históricas batalhas para construir o socialismo e derrotar o nazismo, foram desacreditando de uma direção que propagava logros revolucionários sem enfrentar com franqueza os evidentes problemas em curso.

Quando abriu-se a panela de pressão, durante o governo Gorbachev, já era tarde. Ao contrário de renovar laços de confiança entre o povo e o Partido Comunista, o sentimento generalizado foi de fúria contra o que parecia ser uma tremenda enganação, levando de roldão as fenomenais conquistas da revolução de 1917.

A situação brasileira, por inúmeras razões, está muito distante dos processos cubano e soviético.

Ainda assim, no que diz respeito ao discurso público, os dois casos ajudam a debater qual a melhor abordagem.

O assunto talvez seja um pouco extemporâneo e genérico. Mas confesso, ao observar certos comportamentos do governo e da militância de esquerda, que corremos o risco da “inspiração soviética” acabar dando o tom na atitude das forças progressistas frente ao povo brasileiro.

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