terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Globo e o ditador amigo da Beija Flor

Do blog Viomundo:

Não somos fãs da denúncia generalizada de “ditadores sanguinários da África”, como se eles só existissem lá. Em geral tais denúncias, a granel, escondem intenções racistas de brancos que ainda se acreditam encarregados de espalhar sua “missão civilizadora”, exatamente como no século 18.

Achamos irônico que se denuncie a doação de uma quantia incerta de dinheiro - R$ 10 milhões? - do ditador Teodoro Obiang, no poder há 35 anos na Guiné Equatorial, a uma escola de samba cuja origem é diretamente associada à contravenção.

“A gente pegou um enredo para falar de um país africano, um país que até então muita gente não conhecia. Nossa questão aqui é carnaval. O regime não nos compete. Cuba era odiado pelo mundo democrático e hoje está sendo abraçado”, filosofou Farid Abraão, o presidente da Beija Flor.

Acreditamos que, se a Beija Flor merece ser criticada por aceitar patrocínio da Guiné Equatorial, também merece a Unidos da Tijuca, que levou dinheiro da Suiça, notório esconderijo de dinheiro sujo. Vai ver que o Teodorinho, o filho do ditador da Guiné que assistiu ao desfile no Rio, tem lá sua conta no HSBC…

O Viomundo tem como um de seus livros de cabeceira Poisoned Wells, the Dirty Politics of African Oil [Poços envenenados, a Política Suja do Petróleo Africano]. Nele, Nicholas Shaxson demonstra que as riquezas naturais da África não apenas serviram a ditadores locais, mas também a governantes corruptos europeus, além de lubrificarem o sistema financeiro internacional na casa dos bilhões de dólares, não naquele remoto refúgio fiscal do Caribe, mas em Nova York e Londres.

Portanto, afastem de nós este cálice do moralismo fácil.

No entanto, como combatentes da hipocrisia, seria impossível deixar passar a exibida pelas Organizações Globo neste Carnaval.

Basta um acesso aos arquivos digitais para constatar quantas vezes jornalistas e comentaristas a serviço das organizações, a título de atacar a política externa do governo Lula, denunciaram a relação - de Estado, diga-se de passagem - do ex-presidente com ditadores do desagrado de Washington.

Na revista Época, Ruth de Aquino descreveu “Os amigos tiranos do Brasil de Lula”: os irmãos Castro, Mahmoud Ahmadinejad e Hugo Chávez. A néscia aparentemente desconhece o fato de que Hugo Chávez talvez tenha sido o governante latino-americano mais testado pelas urnas em seu período de governo — mais de uma dúzia de eleições, referendos e plebiscitos.

Mente sobre censura à imprensa na Venezuela, o que qualquer pessoa que se digne a frequentar uma banca de jornais naquele país vai constatar. Mas, sempre valeu qualquer mentira, distorção ou omissão para criticar o governo Lula.

Em Palpite Infeliz, Merval Pereira, o ideólogo dos irmãos Marinho, investiu contra o ex-presidente pelo mesmo motivo: “Presos por opinião política no Irã ou em Cuba não contam com a solidariedade do governo brasileiro, que se arroga o título de grande defensor dos direitos humanos, mas não liga muito quandopaíses amigos os transgridem”, escreveu Merval, sem corar diante do fato de que seus patrões nunca denunciaram Guantánamo ou a barbárie na Arábia Saudita.

Pois nesta madrugada as Organizações Globo tiveram mais de uma hora e vinte minutos para denunciar um ditador que ocupa o poder há 35 anos na Guiné Equatorial. Teodorinho, filho e futuro herdeiro do poder, estava lá num camarote da Marquês de Sapucaí.

Bastava apontar uma câmera na direção dele e ler de uma longa lista de denúncias de violações de direitos humanos contra a família.

Certamente tocaria o público da Globo o fato de que a Guiné Equatorial tem uma altíssima taxa de mortalidade infantil, apesar de ter também uma das maiores rendas per capita do mundo (U$ 50 mil), por conta da exportação de petróleo.

Enquanto isso, Teodorinho, saudado por Raissa de Oliveira na Marquês de Sapucaí, torra dinheiro comprando mansões, colecionando automóveis, iates e jatinhos. Não seria um prato cheio para a coluna de celebridades uma visita ao camarote do filhote de ditador?

No entanto, a Globo só entrou no assunto quando o desfile da Beija Flor terminava. Um dos narradores lembrou que a Guiné Equatorial era um país novo, ao que Fátima Bernardes acrescentou timidamente “ainda em busca de suas liberdades”, informando sem dar nomes que o presidente estava no poder há 35 anos. A palavra “ditador” não foi mencionada. Ponto final.

Faltou a coragem exibida por Ruth de Aquino, segundo a qual “três regimes autoritários e ditatoriais, que vetam a liberdade de expressão e punem com a prisão quem ouse contestá-los, contam com um aliado de peso no mundo: o Brasil do presidente Lula”.

Cadê o jornalismo das Organizações Globo para colocar em prática o que prega quando se trata de denunciar um ditador que financia o Carnaval que ela transmite?

Aqui cabem muito bem, ironicamente, as palavras do próprio Merval Pereira, com os devidos ajustes:

Presos por opinião política na Guiné Equatorial não contam com a solidariedade da Globo, que se arroga o título de grande defensora dos direitos humanos, mas não liga muito quando países amigos os transgridem!

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