Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula |
Li, agora há pouco, trechos da intervenção do ex-presidente Lula no debate que seu instituto promoveu com o ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González.
“O PT precisa construir uma nova utopia”, de uma “revolução interna no partido”.
“Queremos salvar a nossa pele, nossos cargos, ou queremos salvar o nosso projeto?”
O Partido dos Trabalhadores, disse ele, “precisa, urgentemente, voltar a falar para a juventude”.
“Fico pensando se não está na hora de fazer uma revolução neste partido e ter lideranças mais jovens, ousadas, com mais coragem”.
Preferi usar estas transcrições do Instituto Lula, aliás, porque nossa imprensa anda tão parcial que uma frase de Paulo Okamoto, no mesmo debate ( ” “democracia está ainda mais complicada” ), dita com o evidente sentido de afirmar que, com a internet, ela se tornou mais complexa. virou Paulo Okamotto diz que redes sociais ‘complicam’ democracia, dando a ententer que ela ficou prejudicada, como se usa a palavra no informal (“fulano se complicou”).
De volta ao que disse o Lula, sabem o que me lembrou?
O velho Brizola, muitas vezes, conversando comigo sobre como o PDT e muitos companheiros haviam, com o tempo e dois governos, “se aburguesado”.
Brizola, salvo na imaginação doentia de certa direita, não era adepto de “ditaduras do proletariado”, obvio. Mas observava que partidos, como conjunto de pessoas, reproduz os desvios de comportamento humanos.
O maior deles é, afinal, o conformismo – algumas vezes até a adesão, embora encabulada e subconsciente – à manutenção do “status-quo”, como se a “ordem natural das coisas” fosse imutável e até desejável.
“Tecnicamente”, o segundo governo de Brizola foi – e eu participei de ambos – muito melhor que o primeiro. Fizeram-se mais obras – a Linha Vermelha foi uma construção muitas e muitas vezes maior que o Sambódromo; os Cieps, interrompidos no início de sua implantação por Moreira Franco, vicejaram e entraram em funcionamento, duplicou-se a captação de água no Guandu e muitas outras ações.
E dai? Brizola, consagrado ao fim do primeiro governo, mesmo com a perda das eleições estaduais – por pouco e debaixo do imenso estelionato eleitoral do Plano Cruzado – ao ponto de ir para as eleições presidenciais de três anos depois com avassaladores mais de 60% dos votos, findou sua segunda administração com desempenho eleitoral pífio.
Por que? Porque, se no primeiro governo éramos uns loucos, improvisadores, utópicos, no segundo – não sempre, mas muitas vezes – ficamos acostumados àquela máquina e deixamos que ela nos governasse, não nossos sonhos a ela.
Claro que Lula, tal como Brizola, teve responsabilidade por parte deste processo. É compreensível e humano, também, porque nos fazem “desconfiar” do impulso dos mais jovens. Impulso que, afinal, nos levou a ser o que somos na maturidade.
Lembro também, sobre isso, de uma conversa entre ele e Cibilis Viana -querido e saudoso colaborador do velho líder – no início dos anos noventa. Debruçado sobre o banco da frente do Opala em que Sérgio, o motorista, nos levava para algum lugar que não me recordo, comentando alguma atitude desastrada de Lula, a voz inconfundível volta à lembrança: “Mas Cibilis, tu não te lembra quantas merdas fizemos quando tínhamos 40 anos?”
Aos 70, quase, Lula só não pode fazer uma: acomodar-se.
E parece que não a fará, falando com a mesma franqueza e conteúdo de verdade que o levaram a ser o que foi e que, portanto, é o que pode fazer com que não deixe de ser o que é.
Porque, disse aqui, ontem, este velho que procura as utopias da juventude – e aguenta a rebordosa de não ter, por isso, a vida pacífica e farta da acomodação – é quando se deixa de ser aquilo que se é que estamos derrotados.
Ouça no final do post,a fala de Lula, também com uma boa reflexão sobre a esquerda europeia, outra que perdeu a vitalidade porque se transformou em “comportada” e “dentro da caixa”.
PS. Nem vou comentar as declarações do ex-presidente sobre os problemas de comunicação das forças progressistas. Há limites para o masoquismo de quem faz “blog sujo”, ganha a fama de ser sustentado pelo Governo sem dele ter recebido um tostão e, empurrando as dívidas, sobrevive com as modestas e irregulares contribuições dos leitores.
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