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Os partidários do neoliberalismo têm motivos de sobra para festejar. Aqueles insolentes radicais do Syriza, a legenda de extrema-esquerda grega liderada pelo jovem premier Alexis Tsipras, ousaram desafiar a fórmula alemã enraizada em reformas de austeridade para lidar com a crise econômica europeia. Em miúdos, a chanceler Angela Merkel e seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, defendem a redução deficitária através de medidas de profunda contenção, e em seguida pensarão no crescimento. O oposto da estratégia keynesiana, através da qual o Estado gerou crescimento, e assim tirou os Estados Unidos da Depressão, nos anos 30 do século passado.
O mundo mudou, dizem os atuais poderosos. Agora ele é plano. Na Europa, manda a senhora Merkel. E certamente essa inflexível alemã, e seu ministro das Finanças, encheram seus canecos de cerveja ao receber uma importante notícia na madrugada de quinta-feira 16. A informação vinha do Parlamento em Atenas, onde se votava pelo acordo de rigor fiscal firmado na segunda-feira 13 pelos líderes dos 19 países a integrar aZona do Euro, em Bruxelas. Em troca, a Grécia receberia o seu terceiro pacote de resgate financeiro, de 86 bilhões de euros. Permeado de reformas austeras. Caso as realizasse, a Grécia permaneceria na Zona do Euro. Donde o suspense da votação, que, diziam, seria “apertada”. Não foi. Com 228 vozes favoráveis, 64 contrárias, e seis abstenções, a Grécia obterá, assim, os seus bilhões de euros. E se manterá na Eurozona. Trata-se, como disse François Hollande após o acordo selado em Bruxelas, na segunda-feira 13, de um resultado “histórico”. Resta saber, porém, se isso é bom ou ruim. Parece ser péssimo.
Para responder ao exultante presidente francês, em aparente falta de sintonia com a realidade, o futuro da Grécia é turbulento. De saída, o comportamento do Fundo Monetário Internacional deixaria perplexo até o mais pragmático dos atuais políticos, Vladimir Putin. Horas após a assinatura do acordo de segunda-feira, entre Atenas e os 18 parceiros da Zona do Euro, o FMI enviou um relatório para acentuar: o acordo não vai funcionar. O motivo? A sustentabilidade da dívida sofreu uma “deterioração dramática”, e é consideravelmente superior àquela negociada em Bruxelas. Segundo o FMI, a Grécia precisaria de um período de carência de 30 anos para saldar seu débito, incluindo o terceiro resgate. Em outras palavras, a dívida, agora avaliada em 200% em vez de 177% do PIB nos próximos dois anos, precisa ser renegociada e aliviada, visto ser impagável, segundo o Fundo. Ou deve ser, pelo menos, parcialmente perdoada.
A deterioração da sustentabilidade da dívida se deve aos fatos de os bancos gregos estarem fechados desde 29 de junho e também pela vigência de um sistema de controle de capitais. A medida tem um preço elevado para os bancos e, por tabela, para a economia. O acordo da segunda 13 prevê uma injeção de 25 bilhões de euros para a Grécia saldar suas dívidas com o Banco Central Europeu e o FMI, e para reabrir seus bancos. No entanto estes podem manter as portas fechadas, enquanto o acordo não for aprovado por todos os parlamentos dos países da Zona do Euro. A operação levaria mais de um mês.
Falta de solidariedade da Europa à parte, eis outro motivo para deixar qualquer cidadão ainda mais boquiaberto. Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, marcou presença nos encontros em Bruxelas. Esteve entre aqueles a aplaudir a “corajosa” decisão de Tsipras, quando o premier grego assinou o acordo de austeridade. O quadro piora quando vem à tona o seguinte fato: segundo uma fonte da agência noticiosa Reuters, os números da impagável dívida grega do estudo do FMI já eram conhecidos pelos líderes de governos no sábado 11, isto é, dois dias antes de o acordo ser selado com Atenas. Tsipras estava a par? E por que não se tratou sobre o assunto com base nos números reais? Por que o FMI, certamente há muito tempo com estudo sobre a dívida grega finalizado, participou de uma reunião de vértice sem futuro promissor? Venceu a hipocrisia, talvez porque um acordo sob o comando de Merkel tinha de ser firmado a qualquer preço. Mas como ficaria a relação entre o FMI e a maioria neoliberal da Zona do Euro? Kafka faria um belo ensaio sobre esses surreais acontecimentos. E ficaria perplexo ao saber que as linhas de crédito para o pagamento da dívida foram dilatadas na quinta 16.
Isso se deu provavelmente porque o FMI ameaçava não fazer mais parte do atual resgate da Grécia. Condição para continuar a fazer parte da Troika (FMI, BCE e Comissão Europeia): a Alemanha alivia a dívida grega. Merkel, por sua vez, havia ficado com a saia ainda mais justa do que a dos seus costumeiros tailleurs. Ela é líder do maior credor da Grécia, que deve 57 bilhões de euros à Alemanha. No entanto, não pretendia ver o FMI sair da Troika. Diante da nova avalição da dívida grega por parte do Fundo, a chanceler teria duas difíceis opções: desfazer-se do FMI, ou perdoar parte da dívida grega. Isso traria sério agravante: dos 57 bilhões de euros devidos pela Grécia, voltaria para a Alemanha uma soma irrisória. Merkel teria ainda de lidar com Schäuble, o ministro das Finanças. Embora ambos sejam rigorosos com a Grécia, Schäuble é a favor de uma “saída temporária” de Atenas da Eurozona. Chegou a falar em grexit (saída de Atenas do euro), mas atenuou o discurso nas últimas semanas. E na sexta-feira 17 o Parlamento alemão decidirá se aprova o resgate de 86 bilhões de euros para Atenas.
Se Merkel e Schäuble são seguidores da cartilha do neoliberalismo, parece que o FMI, mais pragmático, optou pela geopolítica. Caso contrário, como explicar a situação bizarra em que o Fundo colocou os parceiros da Troika, com a qual trabalhou em planos de resgate para a Grécia em 2010 e 2012? Desde sua criação em 1944, o FMI tem um diretor-gerente europeu, mas o Tesouro dos Estados Unidos é o responsável pela política econômica do Fundo. Ciente disso, Alexis Tsipras foi hábil: fez várias viagens a Moscou para negociar com Vladimir Putin. Imagens dos encontros circularam o mundo. Outros países fora da órbita do FMI, como a China, o Brasil e a Índia, também poderiam ser úteis para a Grécia no caso de um grexit, como gostaria Schäuble. A perspectiva inquieta Barack Obama, visto que a Grécia é um país integrado à Otan, e situada em uma zona do Mediterrâneo onde os EUA precisam marcar presença no atual contexto mundial. E a presença de Putin na Grécia, ainda mais depois de suas intervenções nos países outrora satélites da URSS, seria o maior dos pesadelos para os EUA.
Se o cenário acima se confirmar, isto é, se o acordo entre Atenas e Bruxelas for selado graças ao aumento da linha de crédito à Grécia sob pressão de Washington, seria uma vitória para Tsipras. No entanto, no plano doméstico, o premier terá outros obstáculos à frente. Na madrugada de quinta, houve violentos confrontos entre milhares de pessoas e a polícia em protestos na Praça Syntagma, ao lado do Parlamento, na capital, Atenas. Todos a favor da saída da Grécia da Zona do Euro. Caixas eletrônicos de bancos foram destroçados. Coquetéis Molotov. Incêndios. Feridos. Presos. O clima na capital parecia prognosticar um período de conflitos mais contundentes.
No âmbito parlamentar, Tsipras obteve o “sim” pelo voto a favor da austeridade no Parlamento graças ao apoio dos parceiros de extrema-direita da aliança no governo, os Gregos Independentes. E de legendas de centro-direita e centro-esquerda. Significativa fatia dos filiados do Syriza votou contra o acordo. Grande perda para o premier foi Yanis Varoufakis, o ex-ministro das Finanças, que também votou contra Tsipras. Varoufakis teve papel fundamental na formulação do plano antiausteridade. E igualmente nas negociações iniciais. Outros ministros de peso posicionaram-se ao lado do carismático ex-colega de ministério. Em suma, o racha pode redundar em numerosas defecções. E até na dissolução da legenda. Sem maioria parlamentar, Tsipras deixaria de ser premier.
Horas antes da votação na quinta 16, em Atenas, Tsipras reconhecia ter assinado um acordo que não aprova. O premier justificava: “Tinha a escolha entre um acordo no qual não acredito, um calote desordenado, ou a escolha de Schäuble de uma saída do euro”. Causa estranheza, de todo modo, a permanência do premier no cargo após ter ameaçado renunciar no caso de uma vitória do “sim” no referendo de 5 de julho. Naquele plebiscito, ele sentia-se à vontade para apostar no “não” ao acordo de austeridade proposto pelo Eurogrupo. O povo votou como ele previa, contra, entre outras, reformas como os aumentos do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), de 13% para 23%, bem como o da idade de aposentadoria de 65 para 67 anos. Isso sem contar cortes de salários, em um país onde 40% das crianças vivem abaixo do nível de pobreza, e, entre os jovens, 50% está sem emprego.
A carta do “não”, acreditava Tsipras, lhe daria maiores poderes de negociação ao discutir o acordo de segunda 13. Não foi o caso. Firmou a contragosto um documento que seguia a cartilha de Merkel. Apoiado apenas por Matteo Renzi, François Hollande e Mario Draghi, a certa altura Tsipras tirou o paletó e o arremessou sobre a mesa, diante de atônitos interlocutores. Indagou: “Querem também levar meu paletó?” Em meio aos falcões do grupo, Renzi parece ter compreendido a frustração do colega grego. Ponderou: “Alexis pode ter errado ao organizar um referendo, mas não podemos humilhá-lo dessa maneira”. Merkel então interrompeu Renzi. O premier italiano, olhar fixo em Merkel, disse: “Se você tem algum problema comigo, repito: nas reuniões não podemos nos portar dessa forma”.
Tsipras admitiu ter sido uma noite branca bastante negativa. No entanto, para a Grécia permanecer na Zona do Euro era preciso obedecer às condições impostas pela Troika, justificou. E emendou: “Assumo plenamente minhas responsabilidades, por erros e omissões, e assumo a responsabilidade de assinar um texto no qual não acredito, mas sou obrigado a implementar o acordo. A dura verdade é que nos foi imposto um caminho de mão única”. Como previu o economista norte-americano Jeffrey Sachs, entrevistado pelo diário Libération, Merkel “retificou o tiro” ao aumentar a linha de crédito para a Grécia. Sachs acrescentou: “Se a Europa continuar a ser concebida dessa forma, isto é, sem solidariedade e sem compromissos, o sonho europeu está condenado”.
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