Por Roberto Amaral, em seu blog:
Não deveriam despertar arrepios os dados de recente pesquisa do Datafolha, indicando que 45% dos brasileiros se identificam, ideologicamente, com a centro-direita e a direita (13% se assumem como de direita e 32% de centro-direita), contra 35% que se dizem de centro-esquerda ou de esquerda (28% de centro-esquerda e 7% de esquerda), o que não encerra tudo, pois esses números sequer têm correspondência na composição do Congresso Nacional, majoritariamente de direita.
Consideradas as contingências e o ambiente político – como o emblemático monopólio ideológico exercido pelo pensamento de direita sobre os meios de comunicação no Brasil –, esses números até que podem ser bem recebidos, embora sempre reclamem a autocrítica que a esquerda orgânica – e à frente de todos o PT, ora teimoso, ora hesitante – recusa fazer. Os fatos não são fruto do acaso, nem o bem, como o mal, fruto da Providência, nem as eleições e as derrotas, nem o prestígio e o descrédito. Tudo tem sua razão de ser, e os fenômenos sociais estão à espera de quem os explique.
A inexistência de outra pesquisa para efeito de comparação empobrece a análise, que se volta para esses números como quem considera uma fotografia, um momento artificialmente estático, tomado ao acaso, sem um antes conhecido. Nesses termos, pensar um depois é risco para qualquer vidência. Considero, porém, que esses números revelam o deslocamento do centro – uma estação ideológica, um êmbolo – para a direita partidária, como consequência do deslocamento do PMDB da centro-esquerda para a centro-direita e do PSDB, da centro-esquerda conservadora para a direita tout court. Um e outro partidos levaram consigo, como cracas, seus satélites, uma sopa de letras que não merece menção. O deslocamento da tendência ideológica da população – movimento a ser melhor avaliado – terá sido consequência desse movimento partidário. Mas é preciso dizer que essa hipótese não encerra a verdade toda.
O mesmo oscilar à direita se observou no âmbito dos partidos de esquerda, acometidos, pela atração irresistível do Poder, de suicida leniência político-ideológica e ética, o que também contribuiu para a degradação geral da política e, por consequência, da governança. Também a esquerda no poder se deixou envolver pelo pragmatismo conservador, absorvendo acriticamente métodos, hábitos e valores da direita, inevitavelmente confundindo a cidadania e seus eleitores, assim abrindo caminho para a competição deletéria dos grupos privados, ao risco do apoderamento do Estado. Com a consequências sabidas por todos e por quase todos lamentadas.
O desempenho dos meios de comunicação como formuladores e veiculadores do pensamento de direita, antes dos partidos, seus tributários (quase todo requerimento oposicionista, no Congresso, tem por gênese uma provocação e algum órgão de imprensa, tem cumprido papel que considero decisivo, independentemente de qualquer pesquisa.
Se a questão é ideológica, como suponho seja, torna-se fundamental estudar o papel dos chamados ‘aparelhos ideológicos do Estado’, ‘formadores da opinião’, a saber, além dos partidos, os meios de comunicação de massa, a escola decadente e, na especificidade brasileira, a emergência de um pentecostalismo primitivo e reacionário com estrutura econômica, política, parlamentar, comunicacional de sorte a influir ou ditar ora a agenda do Congresso, ora a do Congresso/Governo, ao preço do retrocesso político-social, da deseducação do povo, da construção do clima de insegurança pessoal e do medo individual que logo se transformará em medo coletivo.
Hoje, não sou o primeiro a afirmá-lo, não mais se pode falar em opinião pública, mas sim em opinião publicada, aquela que nasce da convergência das forças que militam contra o progresso social e toma a forma de verdade por obra e graça dos meios de comunicação, obreiros incansáveis da despolitização e da manipulação dos fatos. O monopólio os torna oráculos da ‘verdade’, uma impostura ideológica; o monopólio os torna ainda soberanos, pois está em suas mãos a ditadura do silêncio com que condenam ao esquecimento, à não-vida, a diversidade. Assim, sem ser notada, tijolo por tijolo foi construída a catedral do ‘pensamento único’, que, sonho dos melhores sonhos ideológicos, impera contra os fatos e muda a percepção da realidade.
É incompreensível que a burocracia das esquerdas brasileiras não se tenha detido, para agir, na avaliação do papel dos meios de comunicação na formação do pensamento político, e muito menos é compreensível que após mais de 12 anos de governo de centro-esquerda nada tenha sido feito com vistas à democratização dos meios de comunicação. Pior. Nossos governos, seguindo seus antecessores, contribuíram para o fortalecimento do monopólio ideológico e da cartelização empresarial que o nutre.
Mas há muitos problemas do lado de cá de nossa cerca.
É evidente que para o desgaste da imagem das esquerdas contribuíram as acusações do chamado ‘mensalão’ e da Operação Lava Jato. A crítica à exploração sensacionalista da imprensa ou às arbitrariedades das autoridades encarregadas das investigações não anula o fato objetivo dos desmandos efetivamente cometidos e que precisam ser apurados.
Esse é o fato a ser analisado em contraste com os anos 80, que registravam o avanço político da esquerda, alimentado por vitórias que caminhavam desde a campanha das Diretas-Já, a mais notável mobilização popular republicana, até a implosão do colégio eleitoral montado pela ditadura para eleger seu delfim (lembremos: Paulo Maluf, do PDS, hoje PP) e que terminou elegendo Tancredo Neves, o candidato da oposição que não tomaria posse.
Vivemos, presentemente, um ‘ponto morto’, aquele momento da História de um país que se pode dizer sem caráter próprio, uma estação de passagem. O passado ainda não foi superado e o futuro parece distante – e dele só podemos ter um visão embaçada. O desafio não se oferece à direita, que se articula e vai ocupando o terreno deixado livre, mas às esquerdas, de quem se reclamam forças para superar o passado que quer sobreviver no presente. E erguer-se, isto é pôr-se de pé, para enfrentar a reincidência reacionária. Além de engenho e arte para assegurar a vitória do futuro, para matar no nascedouro a semente da planta daninha do golpismo, da violência e da intolerância que, juntas, formam as bases do fascismo.
Precisarão nossas esquerdas de muita coragem para avançar e de muita humildade para rever seus erros. O duro é que o tempo urge.
Não deveriam despertar arrepios os dados de recente pesquisa do Datafolha, indicando que 45% dos brasileiros se identificam, ideologicamente, com a centro-direita e a direita (13% se assumem como de direita e 32% de centro-direita), contra 35% que se dizem de centro-esquerda ou de esquerda (28% de centro-esquerda e 7% de esquerda), o que não encerra tudo, pois esses números sequer têm correspondência na composição do Congresso Nacional, majoritariamente de direita.
Consideradas as contingências e o ambiente político – como o emblemático monopólio ideológico exercido pelo pensamento de direita sobre os meios de comunicação no Brasil –, esses números até que podem ser bem recebidos, embora sempre reclamem a autocrítica que a esquerda orgânica – e à frente de todos o PT, ora teimoso, ora hesitante – recusa fazer. Os fatos não são fruto do acaso, nem o bem, como o mal, fruto da Providência, nem as eleições e as derrotas, nem o prestígio e o descrédito. Tudo tem sua razão de ser, e os fenômenos sociais estão à espera de quem os explique.
A inexistência de outra pesquisa para efeito de comparação empobrece a análise, que se volta para esses números como quem considera uma fotografia, um momento artificialmente estático, tomado ao acaso, sem um antes conhecido. Nesses termos, pensar um depois é risco para qualquer vidência. Considero, porém, que esses números revelam o deslocamento do centro – uma estação ideológica, um êmbolo – para a direita partidária, como consequência do deslocamento do PMDB da centro-esquerda para a centro-direita e do PSDB, da centro-esquerda conservadora para a direita tout court. Um e outro partidos levaram consigo, como cracas, seus satélites, uma sopa de letras que não merece menção. O deslocamento da tendência ideológica da população – movimento a ser melhor avaliado – terá sido consequência desse movimento partidário. Mas é preciso dizer que essa hipótese não encerra a verdade toda.
O mesmo oscilar à direita se observou no âmbito dos partidos de esquerda, acometidos, pela atração irresistível do Poder, de suicida leniência político-ideológica e ética, o que também contribuiu para a degradação geral da política e, por consequência, da governança. Também a esquerda no poder se deixou envolver pelo pragmatismo conservador, absorvendo acriticamente métodos, hábitos e valores da direita, inevitavelmente confundindo a cidadania e seus eleitores, assim abrindo caminho para a competição deletéria dos grupos privados, ao risco do apoderamento do Estado. Com a consequências sabidas por todos e por quase todos lamentadas.
O desempenho dos meios de comunicação como formuladores e veiculadores do pensamento de direita, antes dos partidos, seus tributários (quase todo requerimento oposicionista, no Congresso, tem por gênese uma provocação e algum órgão de imprensa, tem cumprido papel que considero decisivo, independentemente de qualquer pesquisa.
Se a questão é ideológica, como suponho seja, torna-se fundamental estudar o papel dos chamados ‘aparelhos ideológicos do Estado’, ‘formadores da opinião’, a saber, além dos partidos, os meios de comunicação de massa, a escola decadente e, na especificidade brasileira, a emergência de um pentecostalismo primitivo e reacionário com estrutura econômica, política, parlamentar, comunicacional de sorte a influir ou ditar ora a agenda do Congresso, ora a do Congresso/Governo, ao preço do retrocesso político-social, da deseducação do povo, da construção do clima de insegurança pessoal e do medo individual que logo se transformará em medo coletivo.
Hoje, não sou o primeiro a afirmá-lo, não mais se pode falar em opinião pública, mas sim em opinião publicada, aquela que nasce da convergência das forças que militam contra o progresso social e toma a forma de verdade por obra e graça dos meios de comunicação, obreiros incansáveis da despolitização e da manipulação dos fatos. O monopólio os torna oráculos da ‘verdade’, uma impostura ideológica; o monopólio os torna ainda soberanos, pois está em suas mãos a ditadura do silêncio com que condenam ao esquecimento, à não-vida, a diversidade. Assim, sem ser notada, tijolo por tijolo foi construída a catedral do ‘pensamento único’, que, sonho dos melhores sonhos ideológicos, impera contra os fatos e muda a percepção da realidade.
É incompreensível que a burocracia das esquerdas brasileiras não se tenha detido, para agir, na avaliação do papel dos meios de comunicação na formação do pensamento político, e muito menos é compreensível que após mais de 12 anos de governo de centro-esquerda nada tenha sido feito com vistas à democratização dos meios de comunicação. Pior. Nossos governos, seguindo seus antecessores, contribuíram para o fortalecimento do monopólio ideológico e da cartelização empresarial que o nutre.
Mas há muitos problemas do lado de cá de nossa cerca.
É evidente que para o desgaste da imagem das esquerdas contribuíram as acusações do chamado ‘mensalão’ e da Operação Lava Jato. A crítica à exploração sensacionalista da imprensa ou às arbitrariedades das autoridades encarregadas das investigações não anula o fato objetivo dos desmandos efetivamente cometidos e que precisam ser apurados.
Esse é o fato a ser analisado em contraste com os anos 80, que registravam o avanço político da esquerda, alimentado por vitórias que caminhavam desde a campanha das Diretas-Já, a mais notável mobilização popular republicana, até a implosão do colégio eleitoral montado pela ditadura para eleger seu delfim (lembremos: Paulo Maluf, do PDS, hoje PP) e que terminou elegendo Tancredo Neves, o candidato da oposição que não tomaria posse.
Vivemos, presentemente, um ‘ponto morto’, aquele momento da História de um país que se pode dizer sem caráter próprio, uma estação de passagem. O passado ainda não foi superado e o futuro parece distante – e dele só podemos ter um visão embaçada. O desafio não se oferece à direita, que se articula e vai ocupando o terreno deixado livre, mas às esquerdas, de quem se reclamam forças para superar o passado que quer sobreviver no presente. E erguer-se, isto é pôr-se de pé, para enfrentar a reincidência reacionária. Além de engenho e arte para assegurar a vitória do futuro, para matar no nascedouro a semente da planta daninha do golpismo, da violência e da intolerância que, juntas, formam as bases do fascismo.
Precisarão nossas esquerdas de muita coragem para avançar e de muita humildade para rever seus erros. O duro é que o tempo urge.
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