Ilustração do site Rebelión |
Vamos combinar que a espetacular vitória do Não, com 61% votos a favor, margem que não permite dúvidas sobre a vontade da população da Grécia, é acima de tudo uma vitória da dignidade humana. A fé na humanidade só pode ficar um pouquinho maior - apesar de todas as ressalvas - após o resultado de ontem.
Não pode haver argumento possível para convencer um povo que enfrentou uma redução de 30% em sua riqueza nacional a dizer “Sim” a um projeto de austeridade de natureza neocolonial, imposto de fora para dentro, sem respeito a soberania do país.
E no entanto havia quem defendesse o “Sim.” Quem tentasse explicar que não havia outra saída. Que não há alternativa possível fora de uma austeridade que atingiu um nível criminoso.
Estes perderam - e esta é uma lição universal, tão antiga como útil.
Vamos pensar. Supondo só por hipótese que essa redução da riqueza tenha sido linear, atingindo igualmente os mais ricos, os remediados e os mais pobres - nós sabemos que não é assim, certo? - pense no sujeito que passou a comer 30% a menos. A dar 30% a menos de mesada para o filho. A ter menos 30% para o supermercado, a farmácia, as férias e o café com os amigos. Mesmo admitindo que a historia humana exibe reações espantosas de conformidade e paralisia em situações extremas e difíceis, é bom reconhecer que chegou-se a um limite inaceitável.
Nada seria mais deprimente, nessa situação, do que um voto a favor da prorrogação de uma política econômica fracassada. Se programas anti-populares dessa natureza podem ser aplicados a partir de regimes ditatoriais, o plebiscito mostrou que é irracional pensar que podem ser referendados numa democracia. Salvo em situações de extremo auto-desprezo político, um caso não só para analises políticas, mas para psicólogos e psicanalistas, historiadores que décadas depois iriam tentar explicar por que um povo foi capaz de caminhar voluntariamente para o matadouro, quando teve a opção de votar por outra coisa.
Já lemos muitos trabalhos a esse respeito sobre outros povos e países, não é mesmo?
Imagine acreditar em “ajuda” do FMI, em “socorro” de Angela Merkel após um programa desastres perseguido com clareza e determinação desde o colapso de 2008/2009. A postura arrogante, os ultimatos, as cobranças permanentes sempre deixaram claro que não havia um debate técnico entre o governo grego e a Europa - apenas uma política de domínio e submissão.
É certo que há um elemento desconhecido depois de ontem. Os dois lados passarão a viajar por mares nunca antes navegados desde a formação da União Européia. Mas, quando o conhecido mostra-se insuportável um certo risco torna-se necessário - aprende-se a partir de tantas mudanças ocorridas na História.
Mesmo olhando o futuro com uma perspectiva muito modesta, ficou mais fácil, agora, enxergar qualquer concessão, ainda que minúscula, do que antes. A saída do Ministro das Finanças é um sinal de que o primeiro-ministro Alexis Tsripas pretende encontrar uma solução negociada. É um mistério saber até onde irá receber benefícios reais. Podem mesmo ocorrer novos sacrifícios.
A vitória no plebiscito teve o papel de confirmar o resultado das eleições em janeiro. O “Sim” teria sido um atestado de óbito para o primeiro ministro Alexis Tsripas, seis meses depois da posse. O “Não” lhe garante oxigênio, impede o sufoco numa situação desfavorável pela hegemonia absurda dos programas de austeridade no Velho Mundo, onde o capital financeiro parecia ter construído uma fortaleza inexpugnável.
Para lembrar outros momentos históricos, em outras época, com outros personagens, pode-se dizer que ontem quebrou-se o elo mais fraco de uma cadeia. Outras rupturas podem apresentar-se no horizonte, a começar pela Espanha, onde ocorrem eleições em novembro.
O mundo inteiro só tem a ganhar com isso.
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