Por Marcos Coimbra, na revista CartaCapital:
A radicalização conservadora em avanço no Brasil é semelhante àquela que assola as principais sociedades democráticas. Mas tem, como seria de esperar, características próprias.
Em praticamente todo o mundo, o crescimento das organizações e da militância de extrema-direita é uma marca dos últimos 30 anos. Saímos do século XX e entramos no XXI obrigados a conviver com algo que parecia extinto desde quando o nazifascismo foi derrotado na Segunda Guerra Mundial.
A base da cultura democrática generalizada no pós-Guerra foi a tolerância e o reconhecimento da legitimidade do outro na interlocução política. Ao mesmo tempo que admitia a existência de interesses e pontos de vista distintos na sociedade, estabelecia o princípio de que ninguém tinha o direito de impor os seus aos demais, muito menos agir para eliminar aqueles de quem discordasse. Paradoxalmente, até as ditaduras do período, como a brasileira a partir de 1964, buscaram nesses valores sua racionalização, apresentando-se como “etapa” e “mal necessário” no processo de concretizá-los.
Como mostram os estudos disponíveis, até meados da década de 1980, o típico cidadão norte-americano considerava que republicanos e democratas, apesar de suas discordâncias, eram igualmente bem-intencionados. Os eleitores podiam filiar-se a partidos diferentes e acreditar em coisas diferentes, mas reconheciam-se como iguais. Dissentir em matéria política não os tornava adversários e, muito menos, inimigos.
Esse quadro se desfez. Como revela um trabalho de 2014 dos professores S. Iyengar, da Universidade de Stanford, e S. Westwood, da Universidade de Princeton, “(...) no ambiente político norte-americano contemporâneo, constata-se uma crescente hostilidade entre os cidadãos (...), quem se identifica com um partido expressa visão negativa em relação ao outro e a seus simpatizantes. Enquanto os republicanos percebem seus correligionários como patrióticos, bem informados e altruístas, julgam os democratas como se possuíssem os traços opostos”.
O pior, segundo os autores, é que a crescente polarização baseada em identidades político-partidárias as extravasa: elas “(...) fornecem os elementos para juízos de valor e comportamentos não políticos (...) levando os indivíduos a frequentemente discriminar aqueles com quem não se sentem identificados”. Para eles: “(Hoje) na sociedade norte-americana, a animosidade entre aqueles que se identificam com algum partido é mais alta do que a hostilidade racial”.
Outras pesquisas mostram que os níveis de antagonismo tendem a ser significativamente maiores entre conservadores e republicanos. Os “fortemente republicanos”, entre eles os integrantes do ultrarreacionário Tea Party, são aqueles que mais discriminam. Na Europa, os exemplos de crescimento de organizações de extrema-direita são tão conhecidos que nem é preciso enumerá-los.
Portanto, não somente no Brasil aumenta a radicalização conservadora, embora tenha, entre nós, especificidades.
A primeira é a velocidade com que emergiu. Nos Estados Unidos ela precisou de décadas, aqui, de pouquíssimos anos. No início de 2013, ninguém acreditaria que teríamos uma direita furiosa nas ruas dali a meses, como vimos nos “movimentos” de junho e julho daquele ano.
A segunda é a inexistência, no Brasil de hoje, um elemento integrado há séculos no cenário político democrático: uma imprensa plural, com alguns veículos ligados aos partidos e outros equidistantes de todos. Se, nos EUA e na Europa, os dois (ou mais) lados vão à guerra partidária com suas tropas políticas, seus militantes e suas máquinas de comunicação, enquanto instituições como o Judiciário e a imprensa independente arbitram o conflito, aqui, a bem dizer, só existe um lado.
A velocidade com a qual cresceu a extrema-direita brasileira é consequência de nossa “grande” imprensa funcionar como uma única e imensa Fox News, a emissora de televisão partidarizada e retrógrada de Rupert Murdoch. A onda conservadora teria se formado mais rapidamente nos EUA se lá existisse um despropósito semelhante ao nosso, um conglomerado de empresas de comunicação que monopoliza a mídia de massa e se proclama como “fazendo de fato a posição oposicionista deste país”, nas inesquecíveis palavras da ex-presidente da Associação Nacional dos Jornais.
A terceira é nosso passado recente de ditadura, em uma sociedade cronicamente hierárquica. Para inspirar-se, a direita brasileira tem apenas de olhar para trás. De lá vem a sua truculência.
Em praticamente todo o mundo, o crescimento das organizações e da militância de extrema-direita é uma marca dos últimos 30 anos. Saímos do século XX e entramos no XXI obrigados a conviver com algo que parecia extinto desde quando o nazifascismo foi derrotado na Segunda Guerra Mundial.
A base da cultura democrática generalizada no pós-Guerra foi a tolerância e o reconhecimento da legitimidade do outro na interlocução política. Ao mesmo tempo que admitia a existência de interesses e pontos de vista distintos na sociedade, estabelecia o princípio de que ninguém tinha o direito de impor os seus aos demais, muito menos agir para eliminar aqueles de quem discordasse. Paradoxalmente, até as ditaduras do período, como a brasileira a partir de 1964, buscaram nesses valores sua racionalização, apresentando-se como “etapa” e “mal necessário” no processo de concretizá-los.
Como mostram os estudos disponíveis, até meados da década de 1980, o típico cidadão norte-americano considerava que republicanos e democratas, apesar de suas discordâncias, eram igualmente bem-intencionados. Os eleitores podiam filiar-se a partidos diferentes e acreditar em coisas diferentes, mas reconheciam-se como iguais. Dissentir em matéria política não os tornava adversários e, muito menos, inimigos.
Esse quadro se desfez. Como revela um trabalho de 2014 dos professores S. Iyengar, da Universidade de Stanford, e S. Westwood, da Universidade de Princeton, “(...) no ambiente político norte-americano contemporâneo, constata-se uma crescente hostilidade entre os cidadãos (...), quem se identifica com um partido expressa visão negativa em relação ao outro e a seus simpatizantes. Enquanto os republicanos percebem seus correligionários como patrióticos, bem informados e altruístas, julgam os democratas como se possuíssem os traços opostos”.
O pior, segundo os autores, é que a crescente polarização baseada em identidades político-partidárias as extravasa: elas “(...) fornecem os elementos para juízos de valor e comportamentos não políticos (...) levando os indivíduos a frequentemente discriminar aqueles com quem não se sentem identificados”. Para eles: “(Hoje) na sociedade norte-americana, a animosidade entre aqueles que se identificam com algum partido é mais alta do que a hostilidade racial”.
Outras pesquisas mostram que os níveis de antagonismo tendem a ser significativamente maiores entre conservadores e republicanos. Os “fortemente republicanos”, entre eles os integrantes do ultrarreacionário Tea Party, são aqueles que mais discriminam. Na Europa, os exemplos de crescimento de organizações de extrema-direita são tão conhecidos que nem é preciso enumerá-los.
Portanto, não somente no Brasil aumenta a radicalização conservadora, embora tenha, entre nós, especificidades.
A primeira é a velocidade com que emergiu. Nos Estados Unidos ela precisou de décadas, aqui, de pouquíssimos anos. No início de 2013, ninguém acreditaria que teríamos uma direita furiosa nas ruas dali a meses, como vimos nos “movimentos” de junho e julho daquele ano.
A segunda é a inexistência, no Brasil de hoje, um elemento integrado há séculos no cenário político democrático: uma imprensa plural, com alguns veículos ligados aos partidos e outros equidistantes de todos. Se, nos EUA e na Europa, os dois (ou mais) lados vão à guerra partidária com suas tropas políticas, seus militantes e suas máquinas de comunicação, enquanto instituições como o Judiciário e a imprensa independente arbitram o conflito, aqui, a bem dizer, só existe um lado.
A velocidade com a qual cresceu a extrema-direita brasileira é consequência de nossa “grande” imprensa funcionar como uma única e imensa Fox News, a emissora de televisão partidarizada e retrógrada de Rupert Murdoch. A onda conservadora teria se formado mais rapidamente nos EUA se lá existisse um despropósito semelhante ao nosso, um conglomerado de empresas de comunicação que monopoliza a mídia de massa e se proclama como “fazendo de fato a posição oposicionista deste país”, nas inesquecíveis palavras da ex-presidente da Associação Nacional dos Jornais.
A terceira é nosso passado recente de ditadura, em uma sociedade cronicamente hierárquica. Para inspirar-se, a direita brasileira tem apenas de olhar para trás. De lá vem a sua truculência.
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