Por Michel Yakini, no jornal Brasil de Fato:
Quem tem um curumim em casa, na faixa dos três aos oito anos, sabe bem qual é a intensidade que nossos miúdos sofrem por conta da telenovela Carrossel do SBT, que atinge picos de audiência e boas doses de racismo.
Carrossel é a versão brasileira de uma novela mexicana exibida no Brasil nos anos 90, e apresenta o cotidiano da Escola Mundial, em que contracenam 16 crianças e alguns adultos. E mesmo sendo fraca de roteiro, trama, atores, de servir como propaganda dos produtos da emissora, confirmar preconceitos e pouco contribuir pra reflexão, a produção brilha aos olhos pequeninos.
É um bombardeio, seja de manhãzinha, com o apresentador-mirim da telenovela, a tarde no programa com o elenco da telenovela, a noite com a telenovela, no cinema da telenovela, no outdoor e na lanchonete com a promoção do filme. Ufa!
Quando Carrossel, na versão brasileira, foi exibida pela primeira vez, minha filha tinha três anos, e foi possível evitar o contato, mas o SBT insiste em formar gerações e me pegou no pulo três anos depois.
Continuo na insistência de apresentar outros repertórios, questionar e não deixar o deslumbre prevalecer, mas no tempo da pequena, na troca, senão, vira o mesmo bombardeio, e aí que mora a sensatez e o perigo.
E dá-lhe estereótipo, preconceito e racismo em HD!
Na Escola Mundial, transitam dezenas de pessoas e somente três são negras: a faxineira Graça (Márcia de Oliveira), que representa uma nordestina caricata, subalterna e atrapalhada; a pequena Laura (Aysha Benelli), ridicularizada por ser gordinha e comilona, que interpreta o estereótipo da negra/boazinha/iludida; e o famoso Cirilo (Jean Paulo Campos), apelido pejorativo de muitos meninos negros, que faz o tipo do negro/inocente/ingênuo.
Cirilo é apaixonado por Maria Joaquina (Larissa Manoela), garota rica, soberba e preconceituosa, e é chamado de “Chocolate” por Paulo (Lucas Santos), menino branco e malicioso. Além disso, Cirilo sempre cai nas armadilhas porque tem o “coração puro” e vê bondade em tudo, como se estivesse num mundo amável e sem conflitos.
Esse tocante poderia ser positivo, já que é uma discussão pertinente no universo infantil, mas o que incomoda é a constância de racismo e estereótipos, confirmando o padrão de comportamento e direcionando o desfecho pra teoria do sangue vermelho. Ou seja, somos ofendidos na telenovela inteira e depois, “deixa pra lá…”, “que besteira…”, “somos todos humanos…”.
Já pesquisei e é assim que a telenovela termina, prevalecendo o discurso da democracia racial, mantendo esse tipo de produção ilesa e ainda ganhando moral por discutir temas tabus na televisão, vai vendo!
E aí mora o desserviço. Assim, não há lei obrigatória pra contribuir na superação do racismo e do preconceito na educação que aguente. Já não basta a escola real, a falta de material, de formação, a meritocracia, o individualismo, a estrutura quadrada, não poder sentar no chão, fazer roda, abrir a boca, e ainda vem esse rolo compressor em HD destruindo qualquer avanço.
Não basta desligar a televisão ou não ter televisão, o bombardeio é extenso e eficaz, pois imagine o racismo diário, com mais de 250 episódios, exibido nacionalmente em horário nobre pra mulecada que só tem como lazer a telinha e sem ninguém em casa pra discutir e dar uma invertida, aí o efeito é voraz.
Lembro bem, já na versão mexicana dos anos 90, o quanto esses apelidos e estereótipos influenciavam na escola, onde Cirilos e Lauras eram inferiorizados e Marias Joaquinas desfilavam beleza e poder, e olha que em casa a gente nem assistia Carrossel, pois meus pais chegavam do trabalho pra jantar, descansar e assistir a outra emissora, no único aparelho da casa.
Preocupante camará! Sou de uma geração formada nesse exemplo e a geração da minha pequena segue os passos. Aqui em casa, a estratégia é mirar as causas e amenizar os efeitos, mas o projeto Carrossel é de massa e contínuo.
Percebi que ficar no silêncio é pior, pois tudo indica que se a gente continuar embarcando nesse Carrossel, o dado da diversidade vai estacionar no “ande uma casa e volte mais dez”, e vai ser difícil nossa mulecada sair ilesa desse atraso.
* Michel Yakini é escritor e produtor cultural | www.michelyakini.com.
Quem tem um curumim em casa, na faixa dos três aos oito anos, sabe bem qual é a intensidade que nossos miúdos sofrem por conta da telenovela Carrossel do SBT, que atinge picos de audiência e boas doses de racismo.
Carrossel é a versão brasileira de uma novela mexicana exibida no Brasil nos anos 90, e apresenta o cotidiano da Escola Mundial, em que contracenam 16 crianças e alguns adultos. E mesmo sendo fraca de roteiro, trama, atores, de servir como propaganda dos produtos da emissora, confirmar preconceitos e pouco contribuir pra reflexão, a produção brilha aos olhos pequeninos.
É um bombardeio, seja de manhãzinha, com o apresentador-mirim da telenovela, a tarde no programa com o elenco da telenovela, a noite com a telenovela, no cinema da telenovela, no outdoor e na lanchonete com a promoção do filme. Ufa!
Quando Carrossel, na versão brasileira, foi exibida pela primeira vez, minha filha tinha três anos, e foi possível evitar o contato, mas o SBT insiste em formar gerações e me pegou no pulo três anos depois.
Continuo na insistência de apresentar outros repertórios, questionar e não deixar o deslumbre prevalecer, mas no tempo da pequena, na troca, senão, vira o mesmo bombardeio, e aí que mora a sensatez e o perigo.
E dá-lhe estereótipo, preconceito e racismo em HD!
Na Escola Mundial, transitam dezenas de pessoas e somente três são negras: a faxineira Graça (Márcia de Oliveira), que representa uma nordestina caricata, subalterna e atrapalhada; a pequena Laura (Aysha Benelli), ridicularizada por ser gordinha e comilona, que interpreta o estereótipo da negra/boazinha/iludida; e o famoso Cirilo (Jean Paulo Campos), apelido pejorativo de muitos meninos negros, que faz o tipo do negro/inocente/ingênuo.
Cirilo é apaixonado por Maria Joaquina (Larissa Manoela), garota rica, soberba e preconceituosa, e é chamado de “Chocolate” por Paulo (Lucas Santos), menino branco e malicioso. Além disso, Cirilo sempre cai nas armadilhas porque tem o “coração puro” e vê bondade em tudo, como se estivesse num mundo amável e sem conflitos.
Esse tocante poderia ser positivo, já que é uma discussão pertinente no universo infantil, mas o que incomoda é a constância de racismo e estereótipos, confirmando o padrão de comportamento e direcionando o desfecho pra teoria do sangue vermelho. Ou seja, somos ofendidos na telenovela inteira e depois, “deixa pra lá…”, “que besteira…”, “somos todos humanos…”.
Já pesquisei e é assim que a telenovela termina, prevalecendo o discurso da democracia racial, mantendo esse tipo de produção ilesa e ainda ganhando moral por discutir temas tabus na televisão, vai vendo!
E aí mora o desserviço. Assim, não há lei obrigatória pra contribuir na superação do racismo e do preconceito na educação que aguente. Já não basta a escola real, a falta de material, de formação, a meritocracia, o individualismo, a estrutura quadrada, não poder sentar no chão, fazer roda, abrir a boca, e ainda vem esse rolo compressor em HD destruindo qualquer avanço.
Não basta desligar a televisão ou não ter televisão, o bombardeio é extenso e eficaz, pois imagine o racismo diário, com mais de 250 episódios, exibido nacionalmente em horário nobre pra mulecada que só tem como lazer a telinha e sem ninguém em casa pra discutir e dar uma invertida, aí o efeito é voraz.
Lembro bem, já na versão mexicana dos anos 90, o quanto esses apelidos e estereótipos influenciavam na escola, onde Cirilos e Lauras eram inferiorizados e Marias Joaquinas desfilavam beleza e poder, e olha que em casa a gente nem assistia Carrossel, pois meus pais chegavam do trabalho pra jantar, descansar e assistir a outra emissora, no único aparelho da casa.
Preocupante camará! Sou de uma geração formada nesse exemplo e a geração da minha pequena segue os passos. Aqui em casa, a estratégia é mirar as causas e amenizar os efeitos, mas o projeto Carrossel é de massa e contínuo.
Percebi que ficar no silêncio é pior, pois tudo indica que se a gente continuar embarcando nesse Carrossel, o dado da diversidade vai estacionar no “ande uma casa e volte mais dez”, e vai ser difícil nossa mulecada sair ilesa desse atraso.
* Michel Yakini é escritor e produtor cultural | www.michelyakini.com.
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