terça-feira, 15 de setembro de 2015

Europa entre o oportunismo e a xenofobia

Por Gianni Carta, na revista CartaCapital:

Na maior crise de refugiados a assolar o Velho Continente desde a Segunda Guerra Mundial, sobressaem-se dois líderes e adversários caricaturais, ambos onipresentes em filmes norte-americanos.

A chanceler alemã Angela Merkel faz o papel da samaritana. Aparente farol da solidariedade, Merkel ofereceu 13 bilhões de euros em um programa federal para acolher 80 mil exilados políticos na Alemanha até 2016.

E, assim, a chanceler alemã mostra o caminho humanitário das pedras à maioria dos países a compor a União Europeia, os quais, com raras exceções como a Suécia e a Itália, aceitam as cotas de refugiados estabelecidas pela União Europeia.

Vale exprimir: a Europa é o continente mais rico e estável do mundo, graças, em grande parte, às suas intervenções colonialistas nos países dos refugiados que agora pedem ajuda para sobreviver.

Por sua vez, no atual quadro, o papel do protagonista maldoso é interpretado por Viktor Orbán, o premier húngaro. Interpretação mais fácil, diga-se: Orbán encarna o reacionário, e não o personagem ambíguo, para não dizer hipócrita, como Merkel.Orbán culpa a UE, e principalmente a Alemanha de Merkel, por ter aderido à formulação das tais cotas para imigrantes. Assim, alega Orbán, mais imigrantes serão atraídos pela UE.

O premier húngaro, fundador e líder da Federação de Jovens Democratas, a legenda Fidesz, decisiva para torná-lo premier pela primeira vez em 1993, com meros 35 anos, se diz um defensor contra a invasão de muçulmanos na Europa. A proposta, é claro, reforça a narrativa xenofóbica a reinar na Hungria.

Reeleito com vasta maioria em 2010 e 2014, Orbán mandou erguer uma barreira de arame farpado de 175 quilômetros para cobrir em toda a sua extensão a fronteira da Hungria com a Sérvia. Orbán a designa como a fronteira da Otan. Objetivo: proteger a Europa dos muçulmanos. Ele é também antissemita. Ironicamente, os refugiados que passam a barreira de arame farpado, simbólica, pois facilmente penetrável, não podem tomar trens, já por eles pagos, para Viena, rumo à Alemanha, a suposta terra prometida.

Orbán diz à chamada“comunidade internacional” que esses muçulmanos oriundos da Síria e de outros países do Norte da África e dos Bálcãs são potenciais terroristas. Ele usa teorias de conspiração para justificar seus argumentos: esses supostos exilados políticos seriam financiados pela esquerda europeia e por multinacionais interessadas em mão de obra barata. Mais: eles, refugiados, “nos detestam”, diz Orbán. Motivo do ódio: a Hungria não adere ao neoliberalismo e ao multiculturalismo.

Orbán foi além. Criou uma polícia fronteiriça, os hatásvadászok. Trata-se de caçadores de fronteiras, força militar que remete à Segunda Guerra Mundial, destinada à captura dos insurgentes sérvios. Desta feita, muçulmanos. Orbán faz o discurso que seu povo quer ouvir: o da defesa do território. Discurso nacionalista, claro. Para o premier, o multiculturalismo inexiste. É uma farsa, e inclui as cotas de Merkel, na UE.

Assim, diz Orbán, povos de diferentes religiões não podem se integrar. No fim das contas, Orbán precisa é de um inimigo, para desviar alegações de corrupção de seu governo. E mais os avanços do Jobbik, a segunda legenda da Hungria, de extrema-direita. Na verdade, nenhum refugiado parece querer ficar na Hungria. Uma decisão compreensível. Diríamos louvável.

A partir de setembro deste ano, atravessar a fronteira húngara sem permissão será crime: três anos de prisão. Trata-se de manipulação da legislação europeia por parte de Budapeste. Isto é, uma inversão da diretiva de direitos humanos de Genebra, que em absoluto não proíbe o movimento livre de refugiados.

No entanto, Budapeste pretende demonstrar que um refugiado é criminoso. Criminoso pode ser preso por qualquer país. Orbán se esbalda. Militares e policiais podem adentrar, sem mandado, casas para averiguar se cidadãos húngaros escondem refugiados. Aqueles sem direito de ficar no país serão deportados.

O premier Orbán é uma pedra no sapato da UE. Certo é que não parece entender a essência da democracia. E, por tabela, o povo húngaro, após anos de comunismo e de equivocados e nebulosos políticos como seu atual premier, não pode evoluir. Um fato parece límpido: a União Europeia carece de líderes capazes de confrontar Orbán.

Todos condenam as ações do premier húngaro, mas a cabo, não agem. Por exemplo, o polonês Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, que teve de aprender o inglês às pressas para assumir o cargo, condenou Orbán por não representar a fé cristã quando o premier húngaro falou de um conflito entre o Ocidente e o Islã. No entanto, a Polônia, país onde a imigração é pífia em comparação com o resto da Europa, é de um reacionarismo atroz. Tusk não fica atrás de Orbán.

Da mesma forma porta-se Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia. Idem Martin Schulz, chefe do Parlamento Europeu, que criticou Orbán. Mas quem é Juncker? Um ex-premier com carisma de tabelião do Luxemburgo, espécie de país, ou “no man’s land”, onde tudo é possível em matéria de ações financeiras, uma farsa que a UE aceita de bom grado.

A UE precisaria escolher seus líderes com maior cuidado. Quanto a Schulz, ele já foi ridicularizado até por Silvio Berlusconi, o premier italiano que, apesar de corrupto até as orelhas, caçoou de Schulz com grandes repercussões.

De qualquer forma, Orbán destaca-se dos modelos democráticos do Ocidente. Ele prefere associar-se ao modelo da Rússia de Vladimir Putin, e da China. A questão é: de que maneira Orbán e Merkel diferem? Como dito acima, o papel de Merkel é mais difícil do que o de Orbán porque ela é líder na Europa Ocidental, uma Europa que busca ser um continente democrático.

Merkel, às vezes, parece fazer jogo duplo. Meses atrás, era a mais ácida oponente do plano antiausteridade da Grécia. Além disso, a Alemanha, segundo experts, teria um déficit de 2 milhões de trabalhadores até 2020. Faz 50 anos, a Alemanha precisava da mão de obra húngara. Da mesma forma, precisou da mão de obra turca nos anos 50.

Política confiável a chanceler? Semanários como o britânico The Economist a definem como “corajosa”, mas seria esse o adjetivo certo para qualificá-la? A célebre revista parece apreciar uma nova Dama de Ferro europeia, dura, inflexível em termos econômicos.

Talvez valha a pena a esta altura voltarmos ao início. Por que há quem encare dona Angela como heroína por receber os refugiados sírios de braços abertos? Em boa parte, a mídia internacional dominada pelos interesses neoliberais anglo-saxônicos da chamada globalização aplaude e reproduz roteiros onde predominam os protagonistas bons e maus, isto é, vencedores e vencidos. E a narrativa é digerida de forma acrítica pela vasta maioria da população mundo afora, e até pelas plataformas midiáticas de países em desenvolvimento, inclusive o Brasil.

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