sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O Pronatec e os cortes na educação

Por Lucas Barbosa Pelissari, no site Brasil Debate:

A educação profissional tem uma característica específica nos países da periferia do capitalismo: é a educação “para o filho dos outros”, como mostrou Candido Gomes em um belo livro sobre o ensino secundário no Brasil.

Uns jovens fazem o ensino médio com caráter científico e com o objetivo de entrar na universidade; outros o articulam, de alguma maneira, com a formação profissional, tentando qualificar-se para a vida adulta, que será no chão da fábrica ou nas lojas do comércio. Isso sem contar os quatro milhões de jovens que trabalham em empregos informais e os 46% da população até 19 anos com o ensino médio incompleto.

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pronatec) unificou, a partir de 2011, as políticas de educação profissional no Brasil. Já projetado ao longo dos anos 2000, o programa foi lançado como uma grande aposta para a expansão e democratização do ensino técnico no país e como uma esperança de enfretamento da dualidade da educação básica brasileira, que comentamos acima.

Após ter atingido todas as metas de abertura de vagas em sua primeira etapa de implantação (2011-2014), orçada em R$ 14 bilhões, foi o carro-chefe da campanha eleitoral de Dilma em 2014.

Dois aspectos são fundamentais para que se compreenda o conteúdo do Pronatec:

1. É uma política social que pretende expandir, democratizar e interiorizar a oferta de vagas para o ensino técnico, com mecanismos de facilitação do pagamento dos cursos e de forma articulada às demais políticas de enfrentamento à pobreza. O público-alvo é, portanto, o/a jovem de baixa renda que necessita qualificação para entrar no mercado de trabalho;

2. É dividido em seis iniciativas que preveem, dentre outras coisas, a forma de auxílio ao/à estudante (bolsa ou financiamento), a instituição ofertante (escolas privadas, “Sistema S”, rede federal a partir dos Institutos Federais, redes estaduais) e a metodologia de ensino (a distância, presencial, semi-presencial).

Quando detalhamos esses aspectos, as questões mais importantes vão aparecendo. Por exemplo, a expansão prevista e executada abriu 8 milhões de novas vagas no ensino técnico do Brasil, número equivalente às seis décadas anteriores de educação profissional.

De fato, uma expansão inédita e que abriu oportunidades a milhões de jovens trabalhadores. Entretanto, o “Sistema S” (principalmente SENAI e SESI) é responsável por mais de 70% dessa expansão; o restante é dividido em 14% para a rede federal, 6% para as escolas públicas estaduais, 5% para escolas públicas municipais e 5% para instituições privadas.

A forma de oferta varia desde cursos rápidos de 60 horas de capacitação profissional até cursos com o currículo integrado ao ensino médio, orientados por uma perspectiva politécnica crítica. Porém, mais de 70% da oferta concentram-se em cursos de formação inicial e continuada (cursos FIC), com carga horária de 60 a 300 horas; a efetividade ainda precisa ser pesquisada, mas é certo que cursos com essa característica não garantem a tão sonhada vaga em postos de trabalho formalizados na indústria ou no comércio, sobretudo numa conjuntura de aumento do desemprego.

Os demais 30% das vagas concentram-se em currículos de cursos técnicos propriamente ditos, o que já representa um importante avanço na política de educação profissional.

Enfim, o Pronatec é um programa típico do neodesenvolvimentismo dos anos 2000: contém inúmeras contradições, dá conta dos anseios tanto de setores populares quanto de setores do empresariado brasileiro e, principalmente, foi visto também com grande esperança pela indústria nacional, que reivindicava um programa com esse desenho desde a década de 1990.

Entretanto, CUT e UBES, entidades que representam nacionalmente trabalhadores e estudantes secundaristas, já produziram análises críticas do Pronatec mostrando que ele é insuficiente para o povo brasileiro.

Toda essa situação se agrava ainda mais quando os cortes anunciados recentemente pelo governo, mesmo sob o slogan de Pátria Educadora, contêm a redução de mais da metade do orçamento da segunda etapa do Pronatec (2015-2018).

Para 2016, o orçamento previsto era de R$ 4 bilhões e foi reduzido a R$ 1,6 bilhão, sob o pretexto de recuperação da economia e posterior investimento do previsto inicialmente. Porém, com esse orçamento, somente é possível a abertura de pouco mais de 1 milhão de vagas em 2016, tornando-se inviável atingir a meta de mais 12 milhões até 2018.

É ruim para o povo, que acaba sendo o grande prejudicado com os ajustes. Para o trabalhador, resta não só uma formação técnica rasa e perfeitamente adaptada aos anseios do mercado, mas também a frustração de ver aumentadas as dificuldades de ingresso em um curso técnico.

Já no lado da burguesia, o Pronatec sintetiza as contradições entre suas frações. Robson Andrade, presidente da CNI, por exemplo, ao comentar sobre a repercussão do Plano Levy na educação profissional, fez duras críticas ao governo, afirmando que os bancos estão sendo poupados e que Levy finge desconhecer os altos lucros do setor financeiro.

O corte de repasse de verbas para o “Sistema S” via Pronatec (com bolsas de estudo, crédito educativo e infraestrutura, previstos no programa) implicará no fechamento de 400 escolas do sistema em todo o país, impossibilitando, inclusive, que jovens concluam os cursos que já começaram.

Um projeto de desenvolvimento autônomo demanda o fortalecimento de programas como o Pronatec, transformando os cursos FIC em processos de formação de trabalhadores críticos, que se apropriem também do que foi historicamente produzido pela humanidade em termos de ciência. O governo vai à contra mão e o resumo é que o povo paga, também na educação, por uma crise que não foi ele que criou.

Referência

GOMES, Candido Alberto. O Ensino Médio no Brasil: ou a história do patinho feito recontada. Brasília-DF: Universa, 2000.

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