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Para tentar uma reflexão que incida mais sobre o médio prazo, tomado como os três anos de mandato que restam ao segundo governo da Presidenta Dilma, vamos considerar que aqueles quadros políticos dos diversos partidos, que ainda não foram julgados, são - por enquanto - “acusados”, independentemente do acúmulo de provas que existam contra os mesmos. Vamos lembrar, também, que as diversas investigações e processos penais em andamento, abrangem, indistintamente, nos Estados, no Governo Federal e nos Municípios, embora os destaques da mídia sejam sempre especialmente contra o PT, todos os partidos políticos. E vamos considerar, também, o fato político mais importante deste último período: que o chefe da oposição, que até ontem tinha toda a confiança e estímulo de Aécio, Fernando Henrique, Agripino, Bolsonaro, cultuado por vastos setores da classe média alta (somos todos Cunha!) e incensado pela mídia por ser um instrumento de combate ao PT e a Dilma - este personagem - “caiu”.
Como vamos sair da situação atual, onde a Presidenta perde o apoio popular, por aplicar um “ajuste” que rejeitara durante os debates eleitorais e onde a oposição “liberal” não apresenta nenhum projeto alternativo, a não ser aprofundar o ajuste que nos leva ladeira abaixo, para a recessão – como sair desta situação – é um teste de fundo para o nosso projeto democrático da Carta de 88. É um teste de fundo, porque um governo “estar mal” não é motivo para a sua deposição. E porque as lideranças que mobilizam a opinião pública contra o Governo apresentam, em conjunto com a mídia tradicional, as mesmas debilidades morais e políticas que – independentemente de serem verdadeiras para ambas as partes – atribuem ao Governo que pedem a deposição e ao partido que a Presidente está formalmente inscrita.
A capacidade política do Estado se origina, predominantemente de duas fontes: da força organizada da sua burocracia profissional estável, principalmente dos seus estamentos superiores; e da sua capacidade de captar e transformar, em ações de Governo, as energias da sociedade civil – dos partidos, das empresas, dos movimentos do mundo do trabalho, das organizações de “base” da sociedade – hierarquizando, segundo o seu programa de governo, a importância que outorga a estas fontes de poder, que vem de fora do Estado. O Estado moderno, na sua fase absolutista, mantinha a sua autoridade principalmente pela legitimidade, que derivava de uma revolução “justa”, em andamento contra os velhos regimes feudais. O Estado moderno de direito exerce a sua força, combinando a legitimidade com a legalidade, que prevê as liberdades políticas e a participação da sociedade na definição dos rumos a serem seguidos, em cada governo, porque embora seja um Estado moldado para responder aos interesses das classes que detém os poder econômico, foi aberto ao cidadão comum pela democracia política.
A deslegitimação dos partidos, a extinção da política como lugar legal e legítimo para solucionar as crises, o autismo estatal para ouvir a sociedade civil e o controle da difusão da informação por um número reduzido de pessoas – que a fazem circular de acordo com os seus interesses políticos, financeiros e econômicos imediatos – podem transformar um “impasse” político em crise de Estado. Chega-se a esta , quando nenhuma das forças em conflito, dentro e fora do Estado, tem condições de derrotar a outra pelos métodos democráticos, levando ao que vários autores já designaram como “putrefação” do Estado e, consequentemente, da sua capacidade política. Não chegamos a isso, ainda, nem queremos chegar. Então é preciso dar uma solução para a crise, porque nestas circunstâncias a saída sempre vem por uma tentação totalitária.
Socorro-me de duas entrevistas recentes, que tem visões diferentes do Brasil e mesmo recomendações diferentes sobre o país que querem no futuro, mas que manifestam as suas opiniões com uma sinceridade alarmante, no bom sentido da expressão. Ambos partem da suprema importância da política. Diz Maurice Obstfeld, economista-chefe do FMI: “Mas, fundamentalmente, até que a crise política seja resolvida, será difícil seguir em frente” (Valor, 7 out. 2015). O Comandante do Exército, General Eduardo Dias da Costa, defendendo uma visão de projeto nacional diz: “Nossa crise é de caráter, econômico, político e ético, mas as instituições funcionam, vamos sair da crise”, dizendo, na mesma entrevista (ao referir aos apelos a um “golpe militar” que alguns radicais de direita tornaram público recentemente): “Até queria saber como se faz uma intervenção militar constitucional”…”isso não existe” (ZH, 11 out, 2015).
Nosso país deve se orgulhar de ter um Comandante do Exército com esta cabeça e se envergonhar de ter recuperado a importância de “recomendações” do FMI, sobre o que fazer na política e na economia. São as ambiguidades de um país que amadurece na democracia – mesmo em crise – mas que ainda não consolidou – na economia e no senso comum das suas “elites” – um projeto de nação compatível com a nossa grandeza territorial e a nossa importância no cenário global. Desigualdades sociais brutais, privilégios burocráticos alarmantes e falta de controle completo sobre o território, persistem, apesar da grande evolução que tivemos no Brasil – com as suas idas e vindas – a partir da Revolução de 30.
A situação problemática que vivemos está assentada numa crise de hegemonia, pois o PMDB, que é praticamente quem ocupa o maior espaço no poder Estado, não só não tem um projeto unitário para governar, como também incrivelmente hesita entre ser governo e ser oposição. O partido hegemônico é um partido dividido e o PT, que emplacou a Presidenta duas vezes, é um partido fragilizado pelas vitórias que não soube dar consequência e por ser identificado, hoje, pela cidadania, como um partido “igual aos outros”. Creio que se este impasse não for resolvido nos próximos meses – e não o será sem o comando político da Presidenta ouvindo a sociedade, não apenas a mídia tradicional – a saída será uma Constituinte originária, para repactuar o país para mais um período de democracia e de construção da nação.
* Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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