Durante as eleições de 2010, um nome até então desconhecido ganhou notoriedade por conta de um debate entre os candidatos Dilma Rousseff e José Serra. Na ocasião, a petista perguntou ao tucano sobre sua relação com Paulo Vieira de Souza, vulgo Paulo Preto.
Dilma queria saber a respeito de um suposto desaparecimento de 4 milhões de reais da campanha de Serra por obra do correligionário.
Serra “tergiversou”, nas palavras de Dilma. Primeiro disse que não conhecia Souza. Depois valeu-se de um contra-ataque pífio: acusou a adversária de racismo por chamá-lo de Paulo Preto no debate.
O próprio Paulo Preto parece ter se incomodado menos com a menção a seu apelido do que com o descaso de Serra. Em entrevista à Folha de S.Paulo, fez uma ameaça velada. “Não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada. Não cometam esse erro.”
Cinco anos depois, Souza volta aos holofotes por conta de uma investigação do Ministério Público de São Paulo. Seu nome é vinculado pelos promotores a uma farra de desapropriações realizada durante as obras do Trecho Sul do Rodoanel em São Paulo.
A obra viária tem 61,4 quilômetros de extensão e custo total de 5 bilhões de reais. Liga Mauá, no ABC paulista, ao Trecho Oeste do anel viário e corta Anchieta e Imigrantes, rumo ao litoral sul.
Um empreendimento grandioso inaugurado com glória e pompa, mas que não teve os bastidores de sua construção até então revelado. Para se concluírem as obras, cerca de 40 mil habitantes tiveram de ser removidos de suas casas. Documentos anexados à investigação mostram que os reassentamentos e indenizações custaram cerca de 90 milhões de reais. A Dersa, empresa pública responsável pelo gerenciamento de obras viárias, deu início a um programa de realocação desses moradores em unidades da CDHU. Foram contratados dois consórcios para gerenciar os cadastramentos.
Durante as fiscalizações, ao inspecionar a regularidade de pagamento aos beneficiários, um funcionário da Dersa identificou que Mércia Ferreira Gomes, uma das responsáveis pelo programa, teria incluído ilegalmente nomes de familiares entre os indenizados. Ao descobrir que o servidor identificara as fraudes, Mércia teria dito. “Melhor esquecer tudo. Você não tem ideia do tamanho disso.”
Em depoimento ao Ministério Público, o funcionário disse ter se tornado vítima de perseguições após descobrir as irregularidades. O assédio o teria levado a pedir demissão.
Uma auditoria da própria Dersa apontou que cerca de 800 mil reais teriam sido pagos irregularmente a pessoas próximas de Mércia. Convocada a depor no MP, a funcionária disse ser o bode expiatório de um esquema muito maior.
Segundo ela, quem tinha muito a esclarecer seria o diretor de engenharia da Dersa: Paulo Preto. Seriam listas e mais listas de indivíduos que nunca moraram nas regiões afetadas, afirmou. Enviavam a seu setor para serem incluídos nos benefícios.
Algumas famílias chegavam a receber a indenização duas ou três vezes. Ao menos 500 cidadãos teriam recebido os pagamentos mais de uma vez. Tudo autorizado por Paulo Preto. Como prova do envolvimento do superior, Mércia afirmou que a babá, a filha dela e outras empregadas do diretor da Dersa foram incluídas na lista.
Em um dos depoimentos, uma babá que trabalhou para uma filha de Paulo Preto contou que a patroa a orientou a se dirigir a um conjunto habitacional onde eram feitos os cadastramentos. Lá, entregou os documentos e foi incluída no programa sem nunca ter morado na área a ser desapropriada. Acabou presenteada com um imóvel da CDHU, que cerca de um ano depois vendeu por 80 mil reais.
Outros nomes ligados a políticos também teriam participado da organização das listas frias. Segundo Mércia, um funcionário de nome Hamilton Clemente Alves se apresentava como assessor da deputada estadual Vanessa Damo (PMDB), da vereadora paulistana Juliana Cardoso (PT) e do ex-deputado estadual Adriano Diogo (PT).
Ainda segundo Mércia, as listagens encaminhadas pelo assessor chegavam por e-mail e muitos dos beneficiários tinham CPF suspenso, pendente ou eram foragidos da Justiça. Dessas listas foram pagas quantias individuais que variavam entre 1,6 mil até 11 mil reais por CPF em auxílio aluguel.
A depoente conta que após uma reunião entre Paulo Preto e Alves, o diretor da Dersa deixou claro: “Pague todas as pessoas indicadas por Hamilton”. Pagamentos, segundo ela, muitas vezes feito em dinheiro vivo.
Em parte, era sacado em uma conta do Banco do Brasil e transportado em mochilas até os beneficiários. Algumas pessoas que receberam o dinheiro seriam ligadas a facções criminosas e chegariam aos locais armados para apanhar a quantia.
A festa com dinheiro público envolveu outra assessora parlamentar. No depoimento, Mércia conta que Cristiane Zaiatz Monteiro recebeu mais de 100 mil reais, embora não fizesse jus à indenização. Cristiane, dizem os promotores, se apresentaria como assessora da deputada Vanessa Damo.
No inquérito, há fotos que mostram a vereadora Juliana Cardoso, Clemente Alves e o deputado Adriano Diogo no local do qual as famílias foram removidas. A investigação possui oito apensos e inclui trocas de e-mails, que são apurados. Um relatório detalhado com as supostas fraudes também foi elaborado pela Dersa.
No âmbito criminal, Paulo Preto deve ser ouvido na próxima semana. A investigação apura indícios de falsidade ideológica, desvios de dinheiro público e quadrilha.
Em relação à inclusão de nomes de seus familiares, Mércia se defende. Muitos CPFs foram colocados aleatoriamente no sistema para gerarem créditos de pagamentos. Entre esses, os de sua mãe e irmã. Ela nega ter se apropriado dos repasses. A manipulação dos dados fazia parte de um esquema contábil, afirma Mércia.
Como os valores eram reservados por trecho, o crédito gerado era separado em espécie e ficava guardado em um cofre na Dersa para pagamentos de outros supostos beneficiários em outros trechos.
Na auditoria realizada pela Dersa, os nomes de familiares e conhecidos de Mércia aparecem em uma tabela. Logo abaixo, Paulo Preto figura entre os diretores responsáveis pela aprovação.
Mércia afirmou sentir-se intimidada pelo ex-diretor da Dersa e por isso teria mantido segredo sobre o esquema. Seu chefe imediato, José Geraldo, teria dito, segundo ela, que tudo era de conhecimento de Paulo Preto.
O ex-diretor da Dersa se valia de um velho bordão: “Manda quem pode. Obedece quem tem juízo”. Após a auditoria da empresa pública, Mércia acabou desligada da companhia no início deste ano.
Quando Alberto Goldman substituiu José Serra, candidato à Presidência em 2010, chegou a dizer que o diretor era “incontrolável, arrogante e vaidoso”. Paulo Preto apareceu nos relatórios da Operação Castelo de Areia. Manuscritos revelariam quatro pagamentos de 416 mil reais da Camargo Corrêa por conta das obras do Rodoanel.
O ex-diretor da Dersa também se envolveu em outra polêmica em 2010. Ao chegar com um amigo em uma joalheria para avaliar o preço de um bracelete, acabaram presos. A joia foi furtada da mesma loja algumas semanas antes.
Paulo Preto, à época, disse ter ido ao local com o amigo para avaliar a joia antes de comprá-la. Já o amigo, o comerciante Musab Fatayer, alegou ter adquirido o bracelete de um desconhecido.
O inquérito sobre a Dersa está a cargo dos promotores Otávio Garcia, Augusto Rossini e Cássio Conserino. O MP quer saber de Paulo Preto como todo esse dinheiro foi movimentado.
A reportagem entrou em contato com um advogado do ex-diretor da Dersa, mas foi informado de que não poderiam se manifestar, pois não teriam tomado conhecimento do inquérito.
Alves, que trabalha atualmente como assessor do vereador Alessandro Guedes, do PT, disse que nunca mandou qualquer lista para a delatora e negou ter participação no suposto esquema.
Alves também nega ter se identificado como assessor de qualquer político e afirma ser um histórico opositor das administrações tucanas em São Paulo, não tendo nenhum contato com Paulo Preto. “Tudo teve critério. Não teve nenhuma intervenção minha.”
A vereadora Juliana Cardoso sustenta que não atuou nas desapropriações do Trecho Sul. Alves, diz, não era seu assessor, mas um militante da região. A parlamentar nega ter solicitado a inclusão de nome nas listagens de indenizações.
O ex-deputado Adriano Diogo afirmou que Alves não trabalha com ele há pelo menos dez anos e que não tem mais nenhuma ligação com o assessor. Igualmente nega ter solicitado a inclusão de nomes na lista. “Nem fui ouvido nessa investigação. Hamilton é uma pessoa muito proba e honesta. É isso que eu sei dele.”
A assessoria da deputada estadual Vanessa Damo informou que Alves e Cristiane Zaiatz Monteiro nunca foram seus assessores. Mércia foi procurada pela reportagem para comentar as denúncias, mas não foi localizada.
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