Por Altamiro Borges
O Senado Federal aprovou na última quarta (28) o PLC 101/15 que tipifica o crime de terrorismo na legislação brasileira.
O projeto, que agora volta à Câmara para aprovação final, abre uma alameda autoritária para a criminalização das lutas sociais. Aliás, a Câmara - logo ela! - havia incluído um parágrafo resguardando os movimentos sociais, que foi retirado na votação senatorial pelo relator Aloysio Nunes (PSDB).
Retirado pelo PSDB, mas com a bênção e encaminhamento favorável do líder do governo, senador Delcídio Amaral (PT): "Se há divergências ideológicas, de posicionamento, se há decisão do PT, isso não reflete o que o governo, através dos seus ministérios trabalhou para se chegar ao relatório do senador Aloysio Nunes", disse.
Não poderia ser diferente, já que o projeto foi de autoria do Executivo, da presidente Dilma Rousseff. A mesma que foi enquadrada como "terrorista" por lutar contra a ditadura militar, assim como o senador Aloysio Nunes. Vergonhoso, de caça a caçadores.
Ainda mais vergonhoso foi o argumento do governo: atender a uma exigência do Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), que impõe sanções que podem afetar o "grau de investimento" aos países que não tenham legislações contra o terrorismo.
Tamanho nível de submissão a instituições estrangeiras lembra o ministro de FHC que bovinamente tirou os sapatos para poder entrar nos Estados Unidos. É uma afronta à soberania nacional.
A consequência é preocupante. A partir da sanção desta lei haverá a brecha para enquadrar - por arbítrio de algum juiz - lutas legítimas por direitos sociais como crime de terrorismo, sujeito a pena de 16 a 24 anos de prisão.
É notório que no Brasil não há ações ou grupos terroristas que justifiquem tal lei. Ou melhor, há sim uma forma de terrorismo historicamente estabelecida por aqui: o terrorismo de Estado.
Um Estado que extermina milhares de jovens negros nas periferias todos os anos mereceria esta qualificação. No ano passado, as polícias brasileiras mataram pelo menos 3.022 pessoas, mais do que o ataque terrorista de 11 de Setembro nos Estados Unidos.
A cada ano as polícias fazem um novo 11 de Setembro. Mas a lei antiterrorismo não foi feita para elas. Foi feita para aprimorar ainda mais a capacidade de repressão deste Estado contra quem luta por mais direitos sociais. Esses agora serão os "terroristas".
* Guilherme Boulos é membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
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Os verdadeiros terroristas
Leia também:
Já aprovada e piorada no Senado, a chamada lei antiterrorismo deve ser votada na Câmara Federal na próxima semana. Ela representa uma grave ameaça aos movimentos sociais, podendo servir como instrumento legal para criminalizar as lutas dos trabalhadores. O projeto foi concedido pelo governo Dilma, a partir dos ministérios da Justiça e da Fazenda, sob o argumento de que era uma exigência de agências internacionais. Num típico terrorismo, os ministros argumentaram que sua rejeição poderia resultar em sanções contra a economia nacional. Após a primeira votação na Câmara Federal, ele foi remetido ao Senado e passou por mudanças que pioraram ainda mais seu conteúdo repressivo. Agora, ele ruma para o seu desfecho e pousara no colo da presidenta Dilma para a sua sanção.
Aproveitando-se do clima de pânico criado com os atentados na França e prevendo ações criminosas nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, os senadores pioraram ainda o projeto do governo. Entre outras alterações, eles retiraram do texto original o dispositivo que excluía do crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais e religiosos. O Senado também incluiu o termo "terrorismo por extremismo político", definido como "o ato que atentar gravemente contra a estabilidade do Estado Democrático, com o fim de subverter o funcionamento de suas instituições". Aloysio Nunes - vice na chapa derrotada do cambaleante Aécio Neves - foi o mais ativo nestas regressões, negando a sua própria história na luta armada.
Como afirma a deputada Jandira Feghali, líder do PCdoB na Câmara Federal, as mudanças tornaram ainda mais genérica a lei antiterror, o que pode resultar em interpretações contrárias aos movimentos sociais. "Com o nível de generalização deste texto, tudo cabe", alerta. As ocupações de escolas contra o projeto privatista do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), por exemplo, poderiam ser tratadas como "atos com o fim de subverter o funcionamento das instituições". Já uma greve dos petroleiros, como a que ocorreu na semana passada, poderia ser enquadrada como uma ação que "atenta contra a estabilidade do Estado de Direito". Isto para não citar as ocupações promovidas pelo MST, no campo, ou pelo MTST, nas cidades. Pela lei aprovada no Senado, os envolvidos nestes atos poderiam ser punidos com penas de 16 a 24 anos de reclusão.
Reproduzo abaixo dois artigos de opinião publicados na Folha que demonstram os perigos desta lei e a urgência da mobilização social para evitar a sua sanção pela presidenta Dilma Rousseff:
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Quem são os terroristas?
Por Guilherme Boulos - 30 de outubro de 2015
O Senado Federal aprovou na última quarta (28) o PLC 101/15 que tipifica o crime de terrorismo na legislação brasileira.
O projeto, que agora volta à Câmara para aprovação final, abre uma alameda autoritária para a criminalização das lutas sociais. Aliás, a Câmara - logo ela! - havia incluído um parágrafo resguardando os movimentos sociais, que foi retirado na votação senatorial pelo relator Aloysio Nunes (PSDB).
Retirado pelo PSDB, mas com a bênção e encaminhamento favorável do líder do governo, senador Delcídio Amaral (PT): "Se há divergências ideológicas, de posicionamento, se há decisão do PT, isso não reflete o que o governo, através dos seus ministérios trabalhou para se chegar ao relatório do senador Aloysio Nunes", disse.
Não poderia ser diferente, já que o projeto foi de autoria do Executivo, da presidente Dilma Rousseff. A mesma que foi enquadrada como "terrorista" por lutar contra a ditadura militar, assim como o senador Aloysio Nunes. Vergonhoso, de caça a caçadores.
Ainda mais vergonhoso foi o argumento do governo: atender a uma exigência do Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), que impõe sanções que podem afetar o "grau de investimento" aos países que não tenham legislações contra o terrorismo.
Tamanho nível de submissão a instituições estrangeiras lembra o ministro de FHC que bovinamente tirou os sapatos para poder entrar nos Estados Unidos. É uma afronta à soberania nacional.
A consequência é preocupante. A partir da sanção desta lei haverá a brecha para enquadrar - por arbítrio de algum juiz - lutas legítimas por direitos sociais como crime de terrorismo, sujeito a pena de 16 a 24 anos de prisão.
É notório que no Brasil não há ações ou grupos terroristas que justifiquem tal lei. Ou melhor, há sim uma forma de terrorismo historicamente estabelecida por aqui: o terrorismo de Estado.
Um Estado que extermina milhares de jovens negros nas periferias todos os anos mereceria esta qualificação. No ano passado, as polícias brasileiras mataram pelo menos 3.022 pessoas, mais do que o ataque terrorista de 11 de Setembro nos Estados Unidos.
A cada ano as polícias fazem um novo 11 de Setembro. Mas a lei antiterrorismo não foi feita para elas. Foi feita para aprimorar ainda mais a capacidade de repressão deste Estado contra quem luta por mais direitos sociais. Esses agora serão os "terroristas".
* Guilherme Boulos é membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
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Os verdadeiros terroristas
Por Maria Rita Kehl - 31 de outubro de 2015
O que justifica o projeto de lei antiterror enviado ao Congresso Nacional? Noves fora as denominadas pautas-bomba lançadas pelo presidente da Câmara em causa própria e/ou contra a legitimidade democrática, onde mais encontramos ações que lembrem crimes de terrorismo na sociedade brasileira?
Não, não me esqueci dos manifestantes presos em 2013 porque lançaram o rojão que matou um repórter da TV Bandeirantes. Mas eles foram julgados de acordo com a Constituição, sem necessidade de uma lei excepcional para tipificar o crime. Por outro lado, nada aconteceu aos sinistros black blocs que, de cabeça coberta, depredaram patrimônio público e privado e desmoralizaram o movimento popular.
No passado, mesmo entre os grupos que pegaram em armas para lutar contra o terrorismo de Estado implantado pelos governos militares no período 1964-1985, poucas ações poderiam ser qualificadas como atos terroristas, isto é: aqueles praticados não em enfrentamentos entre grupos armados, e sim contra a população indefesa.
Uma bomba acionada no aeroporto de Guararapes, em Recife, matou duas pessoas. O atentado não foi reivindicado por nenhuma organização armada. Outra bomba, contra o consulado americano em São Paulo, feriu três. Houve também os sequestros dos embaixadores dos Estados Unidos, Suíça e Alemanha - tratados com respeito pelos sequestradores, até serem trocados pela libertação de presos políticos.
Terrorismo de Estado houve, sim. Prisões ilegais, torturas, assassinatos de prisioneiros e de pessoas já rendidas. Muitos desses crimes foram camuflados com falsos laudos de suicídio ou de "resistência seguida de morte", artifício conservado em plena democracia pelos comandantes das Polícias Militares para justificar execuções de prisioneiros rendidos, ou mortos por torturas em dependências do Estado.
Os camponeses do Araguaia, presos ilegalmente e torturados de todas as formas, criaram uma resposta corajosa para responder à pergunta dos militares:"onde estão os terroristas?". "Não conheço nenhum terrorista", diziam. "Quem pratica o terror aqui são vocês."
A ousadia fazia recrudescer a violência dos agentes da repressão: afogamentos, choques elétricos, espancamentos, confinamento de um grande número de pessoas em um buraco exposto ao sol e à chuva, passando fome e sede, práticas consideradas como crimes hediondos pela Constituição de 1988.
Mas os crimes de Estado ficaram impunes, pois a Lei da Anistia, negociada com urgência entre governo e familiares de prisioneiros fragilizados, determinou igual perdão para os "dois lados". Ainda sofremos as consequências da equivalência jurídica entre crimes praticados por agentes do Estado e os cometidos por civis em luta contra aquele mesmo Estado fora da lei – como se fossem da mesma natureza.
Até hoje mais pessoas são mortas pelas PMs do que durante os 21 anos de ditadura. Aliás: nossas polícias continuam militares. Por que submeter a treinamento de guerra os futuros agentes de segurança encarregados de enfrentar compatriotas civis, ainda que fora da lei?
Se vivemos ainda algum resquício de terror no Brasil, isto se deve mais à ação de agentes do Estado que violam os direitos elementares do cidadão do que a abusos cometidos pela população ou por criminosos comuns – cujas punições estão previstas na Constituição.
Não me parece que o projeto de lei contra o terrorismo atenda a uma necessidade da sociedade brasileira. Vale lembrar que movimentos sociais – ocupações do MST ou de luta por moradia – são parte da dinâmica democrática. É preocupante que possam ser criminalizados, se predominar a pauta conservadora orquestrada pelo presidente da Câmara dos Deputados.
Tal projeto deveria nos aterrorizar, enquanto é tempo.
* Maria Rita Kehl é psicanalista e foi integrante da Comissão Nacional da Verdade. É autora "Processos Primários" (Estação Liberdade).
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O que justifica o projeto de lei antiterror enviado ao Congresso Nacional? Noves fora as denominadas pautas-bomba lançadas pelo presidente da Câmara em causa própria e/ou contra a legitimidade democrática, onde mais encontramos ações que lembrem crimes de terrorismo na sociedade brasileira?
Não, não me esqueci dos manifestantes presos em 2013 porque lançaram o rojão que matou um repórter da TV Bandeirantes. Mas eles foram julgados de acordo com a Constituição, sem necessidade de uma lei excepcional para tipificar o crime. Por outro lado, nada aconteceu aos sinistros black blocs que, de cabeça coberta, depredaram patrimônio público e privado e desmoralizaram o movimento popular.
No passado, mesmo entre os grupos que pegaram em armas para lutar contra o terrorismo de Estado implantado pelos governos militares no período 1964-1985, poucas ações poderiam ser qualificadas como atos terroristas, isto é: aqueles praticados não em enfrentamentos entre grupos armados, e sim contra a população indefesa.
Uma bomba acionada no aeroporto de Guararapes, em Recife, matou duas pessoas. O atentado não foi reivindicado por nenhuma organização armada. Outra bomba, contra o consulado americano em São Paulo, feriu três. Houve também os sequestros dos embaixadores dos Estados Unidos, Suíça e Alemanha - tratados com respeito pelos sequestradores, até serem trocados pela libertação de presos políticos.
Terrorismo de Estado houve, sim. Prisões ilegais, torturas, assassinatos de prisioneiros e de pessoas já rendidas. Muitos desses crimes foram camuflados com falsos laudos de suicídio ou de "resistência seguida de morte", artifício conservado em plena democracia pelos comandantes das Polícias Militares para justificar execuções de prisioneiros rendidos, ou mortos por torturas em dependências do Estado.
Os camponeses do Araguaia, presos ilegalmente e torturados de todas as formas, criaram uma resposta corajosa para responder à pergunta dos militares:"onde estão os terroristas?". "Não conheço nenhum terrorista", diziam. "Quem pratica o terror aqui são vocês."
A ousadia fazia recrudescer a violência dos agentes da repressão: afogamentos, choques elétricos, espancamentos, confinamento de um grande número de pessoas em um buraco exposto ao sol e à chuva, passando fome e sede, práticas consideradas como crimes hediondos pela Constituição de 1988.
Mas os crimes de Estado ficaram impunes, pois a Lei da Anistia, negociada com urgência entre governo e familiares de prisioneiros fragilizados, determinou igual perdão para os "dois lados". Ainda sofremos as consequências da equivalência jurídica entre crimes praticados por agentes do Estado e os cometidos por civis em luta contra aquele mesmo Estado fora da lei – como se fossem da mesma natureza.
Até hoje mais pessoas são mortas pelas PMs do que durante os 21 anos de ditadura. Aliás: nossas polícias continuam militares. Por que submeter a treinamento de guerra os futuros agentes de segurança encarregados de enfrentar compatriotas civis, ainda que fora da lei?
Se vivemos ainda algum resquício de terror no Brasil, isto se deve mais à ação de agentes do Estado que violam os direitos elementares do cidadão do que a abusos cometidos pela população ou por criminosos comuns – cujas punições estão previstas na Constituição.
Não me parece que o projeto de lei contra o terrorismo atenda a uma necessidade da sociedade brasileira. Vale lembrar que movimentos sociais – ocupações do MST ou de luta por moradia – são parte da dinâmica democrática. É preocupante que possam ser criminalizados, se predominar a pauta conservadora orquestrada pelo presidente da Câmara dos Deputados.
Tal projeto deveria nos aterrorizar, enquanto é tempo.
* Maria Rita Kehl é psicanalista e foi integrante da Comissão Nacional da Verdade. É autora "Processos Primários" (Estação Liberdade).
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