Por Altamiro Borges
Repressores veem esperança de sair da prisão com fim da era Kirchner
Sylvia Colombo, enviada especial a Buenos Aires
No período kirchnerista, 622 pessoas foram condenadas por crimes de lesa-humanidade cometidos durante a última ditadura militar (1976-83), que deixou 20 mil mortos. Hoje, esses repressores, a maioria em idade avançada, cumprem pena em penitenciárias e hospitais militares por todo o país. Mais de cem morreram em cativeiro.
A perspectiva de que a oposição possa vencer a eleição neste domingo acendeu suas esperanças de passarem os últimos anos ou meses de vida livres, o que revolta associações de familiares de vítimas de seus crimes.
"Confiamos na mudança com o fim do kirchnerismo. Consideramos essas pessoas presos políticos deste governo, sua prisão não tem base jurídica. São homens que lutaram contra o terrorismo e o comunismo que ameaçava o Estado", disse à Folha Gerardo Palacios Hardy.
Hardy é vice-presidente da Justicia y Concordia, associação que reúne mais de 150 advogados que defendem repressores. Com representação em vários países da América Latina, a Justicia y Concordia pede anistia a militares condenados, interrupção de julgamentos em curso e o julgamento de juízes que tenham emitido sentença a repressores nos últimos anos.
Prestam assistência aos detentos e denunciam maus-tratos. "Precisamos refundar a Justiça, pois o que temos é uma Justiça assimétrica e persecutória, baseada em vingança política", diz Hardy.
Em reunião neste mês em Buenos Aires, membros da associação, com familiares de repressores, celebraram a possibilidade de uma derrota do governo. O secretário da associação, Carlos Bosch, celebrou "ventos de mudança".
Um dos principais nomes do grupo, o advogado Mariano Gradín, conhecido por puxar coro de apoio a repressores em salas de tribunal, assina a lista de intelectuais que apoiam o candidato opositor, Mauricio Macri.
Questionada sobre a inclusão de Gradín, a equipe de Macri respondeu que "não se responsabiliza por quem o apoia". A lista, porém, foi divulgada pelo candidato.
DIREITOS HUMANOS
Líderes de grupos de defesa dos direitos humanos vêm manifestando, nas últimas semanas, preocupação com um possível retrocesso nos julgamentos, caso Macri vença —ele lidera as pesquisas.
Estela de Carlotto, presidente da associação Avós da Praça de Maio, que busca filhos de militantes detidos ou mortos que foram sequestrados e entregues a outras famílias, disse que "está claro que alguns repressores vão recuperar a liberdade". "Macri pensa com o bolso e não quer olhar para trás."
Em seus discursos, o candidato evita o tema. Em declaração que causou polêmica, disse que acabaria com os "currais dos direitos humanos", referindo-se a privilégios a associações de vítimas que se alinharam ao governo.
Enquanto isso, estão na reta final os chamados "megacasos", processos abertos contra agentes e ex-militares que atuaram em conjunto.
O primeiro é relacionado a torturas e homicídios praticados na Esma (Escola de Mecânica da Armada), em que 59 repressores são acusados de 789 crimes.
O outro é o "caso Condor", no qual 18 pessoas respondem por associação ilícita e crimes no Chile, no Uruguai e na Argentina. Algumas condenações já foram emitidas.
"Não vamos desacelerar, independentemente de quem ganhe a eleição. Vamos levar esse caso até o fim", diz à Folha o promotor do caso Condor, Pablo Ouviña.
A política de direitos humanos argentina tem idas e vindas. Quando o país se redemocratizou, em 1983,houve julgamentos de repressores e de guerrilheiros. O presidente Raúl Alfonsín, porém, promulgou as leis de Ponto Final e Obediência Devida, que indultavam quem participou da repressão porque estava sob ordens de seus superiores.
Nos anos 1990, Carlos Menem distribuiu mais indultos, liberando inclusive cabeças do regime, como Emilio Massera e Jorge Rafael Videla.
Em 2003, ao assumir, Néstor Kirchner retomou os julgamentos, política mantida por sua sucessora, Cristina Kirchner. Videla voltou à cadeia, onde morreu, em 2013, cumprindo prisão perpétua.
No final da noite deste domingo, o candidato peronista Daniel Scioli, apoiado pela presidenta Cristina Kirchner, reconheceu oficialmente a derrota para o neoliberal Mauricio Macri no segundo turno das eleições da Argentina. Com 85% das urnas apuradas, o candidato da "Aliança Cambiemos" liderava com 52,57% dos votos, contra 47,43% do postulante da "Frente para a Vitória". Em um comunicado lacônico, Daniel Scioli saudou "o povo que com a vontade popular elegeu o seu novo presidente". A vitória de Mauricio Macri representa o fim de 12 anos de kirchnerismo e será festejada nas ruas dos bairros nobres de Buenos Aires - assim como será comemorada por toda a direita da América Latina.
Ainda é cedo para analisar os resultados do pleito no país vizinho. Alguns já se apressam em apontar os erros do governo de Cristina Kirchner, do seu moderado candidato Mauricio Macri e da esquerda da Argentina, menosprezando em suas análises a força da direita e do império em nosso continente. Uma coisa é certa: a direita tem muito o que comemorar. Os barões da mídia já sonham com o rápido arquivamento da "Ley de Medios", que visou democratizar os meios de comunicação no país. Já os barões do agronegócio, tão poderosos na nação irmã, almejam retomar o seu poder - enfraquecido nos anos de Néstor e Cristina Kirchner. Os EUA, com seus vassalos colonizados, torcem pela morte das iniciativas de integração soberana na América Latina.
Outro setor que, sem dúvida, irá comemorar a vitória de Mauricio Macri é o dos saudosos do regime militar na Argentina. Eles nunca aceitaram a lei da anistia e a condenação e a prisão dos torturadores e assassinos da sanguinária ditadura. Em matéria publicada na Folha deste domingo (21), esta cena triste e patética fica evidente. Vale conferir:
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Repressores veem esperança de sair da prisão com fim da era Kirchner
Sylvia Colombo, enviada especial a Buenos Aires
No período kirchnerista, 622 pessoas foram condenadas por crimes de lesa-humanidade cometidos durante a última ditadura militar (1976-83), que deixou 20 mil mortos. Hoje, esses repressores, a maioria em idade avançada, cumprem pena em penitenciárias e hospitais militares por todo o país. Mais de cem morreram em cativeiro.
A perspectiva de que a oposição possa vencer a eleição neste domingo acendeu suas esperanças de passarem os últimos anos ou meses de vida livres, o que revolta associações de familiares de vítimas de seus crimes.
"Confiamos na mudança com o fim do kirchnerismo. Consideramos essas pessoas presos políticos deste governo, sua prisão não tem base jurídica. São homens que lutaram contra o terrorismo e o comunismo que ameaçava o Estado", disse à Folha Gerardo Palacios Hardy.
Hardy é vice-presidente da Justicia y Concordia, associação que reúne mais de 150 advogados que defendem repressores. Com representação em vários países da América Latina, a Justicia y Concordia pede anistia a militares condenados, interrupção de julgamentos em curso e o julgamento de juízes que tenham emitido sentença a repressores nos últimos anos.
Prestam assistência aos detentos e denunciam maus-tratos. "Precisamos refundar a Justiça, pois o que temos é uma Justiça assimétrica e persecutória, baseada em vingança política", diz Hardy.
Em reunião neste mês em Buenos Aires, membros da associação, com familiares de repressores, celebraram a possibilidade de uma derrota do governo. O secretário da associação, Carlos Bosch, celebrou "ventos de mudança".
Um dos principais nomes do grupo, o advogado Mariano Gradín, conhecido por puxar coro de apoio a repressores em salas de tribunal, assina a lista de intelectuais que apoiam o candidato opositor, Mauricio Macri.
Questionada sobre a inclusão de Gradín, a equipe de Macri respondeu que "não se responsabiliza por quem o apoia". A lista, porém, foi divulgada pelo candidato.
DIREITOS HUMANOS
Líderes de grupos de defesa dos direitos humanos vêm manifestando, nas últimas semanas, preocupação com um possível retrocesso nos julgamentos, caso Macri vença —ele lidera as pesquisas.
Estela de Carlotto, presidente da associação Avós da Praça de Maio, que busca filhos de militantes detidos ou mortos que foram sequestrados e entregues a outras famílias, disse que "está claro que alguns repressores vão recuperar a liberdade". "Macri pensa com o bolso e não quer olhar para trás."
Em seus discursos, o candidato evita o tema. Em declaração que causou polêmica, disse que acabaria com os "currais dos direitos humanos", referindo-se a privilégios a associações de vítimas que se alinharam ao governo.
Enquanto isso, estão na reta final os chamados "megacasos", processos abertos contra agentes e ex-militares que atuaram em conjunto.
O primeiro é relacionado a torturas e homicídios praticados na Esma (Escola de Mecânica da Armada), em que 59 repressores são acusados de 789 crimes.
O outro é o "caso Condor", no qual 18 pessoas respondem por associação ilícita e crimes no Chile, no Uruguai e na Argentina. Algumas condenações já foram emitidas.
"Não vamos desacelerar, independentemente de quem ganhe a eleição. Vamos levar esse caso até o fim", diz à Folha o promotor do caso Condor, Pablo Ouviña.
A política de direitos humanos argentina tem idas e vindas. Quando o país se redemocratizou, em 1983,houve julgamentos de repressores e de guerrilheiros. O presidente Raúl Alfonsín, porém, promulgou as leis de Ponto Final e Obediência Devida, que indultavam quem participou da repressão porque estava sob ordens de seus superiores.
Nos anos 1990, Carlos Menem distribuiu mais indultos, liberando inclusive cabeças do regime, como Emilio Massera e Jorge Rafael Videla.
Em 2003, ao assumir, Néstor Kirchner retomou os julgamentos, política mantida por sua sucessora, Cristina Kirchner. Videla voltou à cadeia, onde morreu, em 2013, cumprindo prisão perpétua.
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