Foto: Roberto Stuckert Filho/PR |
Apurada pelo Ibope e publicada na coluna de Maurício Dias, na Carta Capital, a recuperação política de Dilma Rousseff é o principal fato político dos dias atuais e representa uma virada essencial na crise política.
Mostra que Dilma está no jogo e que aliados do governo cometeriam um erro político lamentável caso descartassem a possibilidade de que seu retorno à Presidência.
Embora se possa, sempre, colocar em dúvida os acertos em pesquisas de opinião, cabe considerar um dado essencial.
A recuperação da presidente não pode ser descrita como um inesperado raio em céu azul. É um dado coerente com o conjunto da situação política.
O ponto essencial envolve a atitude da própria Dilma. Rompendo a postura de silêncio olímpico que se impôs desde que as denúncias se aproximaram do Planalto, Dilma assumiu a defesa de um mandato legítimo. Abandonou a noção de que poderia manter-se no cargo apoiada exclusivamente no reconhecimento de sua honestidade pessoal para entrar na luta política direta, que obedece a outros critérios e valores, a começar pela relação de forças entre aliados e adversários.
A nova postura trouxe uma novidade fundamental ao debate, reforçando o argumento de que a tentativa de impeachment não envolvia o destino pessoal de uma presidente, nem o futuro do PT, mas ameaçava uma conquista maior, a democracia.
Realizada pela instituição que é vista pelos brasileiros como a mais corrupta entre tantas, me parece difícil negar que os números expressam o reconhecimento do logro, a confirmação o começo de uma desilusão mais do que compreensível, confirmada pelo ministro que, em março, ao pronunciar uma afirmação histórica ("Michel é Cunha") deixou uma gravação que desde a semana passada colocou Michel Temer em estado de fraqueza precoce, sem remédio a vista.
Apoiando-se em Eduardo Cunha, personagem cujo desembaraço a população considera um insulto à sua dignidade, Temer e outras lideranças interessadas em construir uma nova ordem foram além do que seria possível imaginar em decisões erradas e condenáveis.
A brutal intervenção na EBC, afastando um diretor presidente com um mandato legal de quatro anos para ser cumprido, mostrou-se reveladora da recusa em aceitar qualquer tipo de debate democrático, mesmo a partir de uma emissora pública, normalmente classificada em último lugar nas pesquisas de audiência. Raríssimas vezes em oito anos de história a EBC recebeu tanta atenção dos grandes veículos de comunicação, num episódio onde o caráter autoritário da intervenção do Planalto contra o jornalismo da TV Brasil dificilmente poderia ser escondido.
Liderando os primeiros protestos contra o presidente interino, o movimento de mulheres expôs o desprezo do governo temporário por direitos obtidos na última década e meia, quando questões de gênero receberam um merecido destaque. Por fim, a equipe econômica mostrou-se incapaz de apontar qualquer perspectiva para tirar o país de uma crise profunda, comprometendo-se com medidas clássicas de austeridade que costumam agravar o sofrimento dos mais pobres e menos protegidos.
Outro aspecto envolve a visão cada vez mais desconfiada de uma instituição que desde o período da ditadura militar muitos brasileiros costumam levar em conta em caso de dúvida - a imprensa internacional.
Uma verdade me parece óbvia. Se a maioria da população julgasse o afastamento de Dilma como um processo legítimo e transparente, com provas robustas e revelações inquestionáveis, teria aplaudido a decisão dos senadores e só estaria aguardando que fosse confirmada pela sentença final. Em vez de subir, a confiança em Dilma, teria se reduzido, traduzindo a aprovação da população, reconfortada diante do espetáculo de seu afastamento e a posse de Michel Temer.
Neste ambiente, a luta em defesa do mandato de Dilma ocorre em sob novas condições, mais favoráveis.
Não vamos nos iludir com os efeitos das pesquisas de opinião sobre o conjunto da situação política, em particular sobre os movimentos das lideranças que tentam promover uma ruptura institucional para dar posse a um governo sem legitimidade, comprometido com um programa que contraria o voto da maioria do eleitorado nas últimas quatro eleições presidenciais.
É bom recordar. Às vésperas do 31 de março de 1964, o mesmo Ibope possuía uma pesquisa que mostrava o amplo apoio popular a João Goulart. Ponto central da luta política do período, o programa de reformas de base tinha boa aceitação mesmo em regiões do país que não apoiavam o presidente, como São Paulo. Mas isso não impediu que os tanques e e baionetas derrubassem um presidente constitucional, numa época em que os vices eram escolhidos em urna, pelo voto popular.
A questão é que temos um golpe em dois turnos, no qual o afastamento da presidente, pelo Senado, precisa ser confirmado numa decisão, por maioria de dois terços, que deve ser tomada até agosto. Ao conquistar a confiança de 36% dos brasileiros, patamar tradicional do Partido dos Trabalhadores antes da chegada de Lula ao Planalto, Dilma deu um passo importante para recuperar a autoridade política e derrotar um pesadelo anti-democrático.
A disputa está longe de resolvida. A maioria democrática dos brasileiros ainda não deu sua palavra final.
O Ibope demonstra a crescente dificuldade dos golpistas em impor sua versão ao país. Como sempre acontece, os números devem dar novo ânimo a resistência, em particular dos trabalhadores, dos movimentos sociais e da juventude. Este é o ponto essencial.
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