Por João Feres Júnior, no site Carta Maior:
A Latin American Studies Association (LASA) convidou para a mesa principal de seu próximo encontro, que ocorrerá de 26 a 31 maio, em Nova York, Fernando Henrique Cardoso e Ricardo Lagos, ex-presidente do Chile, para falarem sobre os caminhos da democracia na América Latina. O evento foi organizado por Maurício Font, amigo pessoal de FHC e organizador do livro “Charting a New Course”, uma coleção de textos mais ou menos acadêmicos antigos e muitos discursos políticos do senador e presidente, proferidos durante seus mandatos. O apresentador da sessão é nada menos que o próprio presidente da LASA, Gilbert Joseph. Em suma, o evento foi desenhado para ser a joia do congresso da associação.
Logo que a programação do congresso foi anunciada, começou a reação de acadêmicos filiados à LASA, brasileiros, norte-americanos e de outros países, que viam na participação de FHC em sessão tão importante do congresso para falar de democracia uma ofensa e um grave erro, pois ele e seu partido, o PSDB, lideram o movimento de ataque às instituições democráticas brasileiras com o objetivo de remover Dilma Rousseff da presidência conquistada nas urnas em 2014. Organizou-se um abaixo-assinado para pedir o cancelamento do convite, que obteve centenas de assinaturas. Os amigos de FHC, quase nenhum filiado à associação, revidaram com um outro abaixo-assinado que acusava o primeiro de promover a censura à liberdade de expressão. Perante tamanha grita, a LASA reagiu com uma solução de compromisso: trocaram o nome da sessão para “Fifty Years of Latin American Public Life: A Dialogue about the Challenges of Politics, Scholarship, and History”, e criaram uma mesa para acomodar gente crítica ao impeachment em outro slot da conferência, bem longe da Presidential Session.
Plus ça change plus c'est la même chose, diria a gente cheirosa de Higienópolis, pois, a despeito do novo nome da sessão, FHC terá garantido para si um microfone aberto para falar o que quiser sem qualquer contraditório, a não ser eventuais perguntas da audiência ao final, que ele pode responder se e como quiser. Será tratado como acadêmico e estadista, ainda que é na verdade seja ex-acadêmico e ex-estadista. Não produz texto verdadeiramente acadêmico há décadas e deixou a presidência há 14 anos.
Latin American public life! É exatamente a “vida pública” de FHC que o coloca em suspeição para desempenhar tal papel no encontro da LASA. Para provar o que estou dizendo, faço aqui uma análise rápida das colunas mensais publicadas pelo ex-presidente no jornal O Estado de S. Paulo e, eventualmente, replicadas em O Globo desde a campanha eleitoral de 2014. A seleção não tem nada de aleatória: compreende todos os textos do ex-sociólogo publicados durante este período nos jornais, listados na página do Instituto FHC.
A Latin American Studies Association (LASA) convidou para a mesa principal de seu próximo encontro, que ocorrerá de 26 a 31 maio, em Nova York, Fernando Henrique Cardoso e Ricardo Lagos, ex-presidente do Chile, para falarem sobre os caminhos da democracia na América Latina. O evento foi organizado por Maurício Font, amigo pessoal de FHC e organizador do livro “Charting a New Course”, uma coleção de textos mais ou menos acadêmicos antigos e muitos discursos políticos do senador e presidente, proferidos durante seus mandatos. O apresentador da sessão é nada menos que o próprio presidente da LASA, Gilbert Joseph. Em suma, o evento foi desenhado para ser a joia do congresso da associação.
Logo que a programação do congresso foi anunciada, começou a reação de acadêmicos filiados à LASA, brasileiros, norte-americanos e de outros países, que viam na participação de FHC em sessão tão importante do congresso para falar de democracia uma ofensa e um grave erro, pois ele e seu partido, o PSDB, lideram o movimento de ataque às instituições democráticas brasileiras com o objetivo de remover Dilma Rousseff da presidência conquistada nas urnas em 2014. Organizou-se um abaixo-assinado para pedir o cancelamento do convite, que obteve centenas de assinaturas. Os amigos de FHC, quase nenhum filiado à associação, revidaram com um outro abaixo-assinado que acusava o primeiro de promover a censura à liberdade de expressão. Perante tamanha grita, a LASA reagiu com uma solução de compromisso: trocaram o nome da sessão para “Fifty Years of Latin American Public Life: A Dialogue about the Challenges of Politics, Scholarship, and History”, e criaram uma mesa para acomodar gente crítica ao impeachment em outro slot da conferência, bem longe da Presidential Session.
Plus ça change plus c'est la même chose, diria a gente cheirosa de Higienópolis, pois, a despeito do novo nome da sessão, FHC terá garantido para si um microfone aberto para falar o que quiser sem qualquer contraditório, a não ser eventuais perguntas da audiência ao final, que ele pode responder se e como quiser. Será tratado como acadêmico e estadista, ainda que é na verdade seja ex-acadêmico e ex-estadista. Não produz texto verdadeiramente acadêmico há décadas e deixou a presidência há 14 anos.
Latin American public life! É exatamente a “vida pública” de FHC que o coloca em suspeição para desempenhar tal papel no encontro da LASA. Para provar o que estou dizendo, faço aqui uma análise rápida das colunas mensais publicadas pelo ex-presidente no jornal O Estado de S. Paulo e, eventualmente, replicadas em O Globo desde a campanha eleitoral de 2014. A seleção não tem nada de aleatória: compreende todos os textos do ex-sociólogo publicados durante este período nos jornais, listados na página do Instituto FHC.
Desde a derrota eleitoral, o PSDB e a grande mídia brasileira (principalmente Grupo Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e Grupo Abril) tentaram por vários canais reverter o resultado eleitoral: rejeição de contas de campanha no TSE, rejeição das contas do governo no TCU, mobilização de grupos de direita e extrema direita, aliança com os setores mais corruptos e reacionários do sistema político brasileiro, etc. O espetáculo da votação do impeachment da Câmara, que assombrou o mundo e cobriu a todos nós brasileiros de vergonha, foi só o ápice de um sem número de ações não menos vexatórias.
FHC foi protagonista neste processo. Presidente de honra do PSDB, ele usou seus artigos de jornal para dar o tom do ataque ao governo Dilma, feito pela via do esgarçamento das instituições democráticas do país: Judiciário, MP e PF manipulados politicamente e Câmara sob a batuta de um facínora, cooperando para que um processo sem base substantiva lograsse o feito de cancelar o resultado do voto popular. Vergonha é o termo aqui, ou decoro, seu sinônimo. Isso faltou a muita gente durante o processo: ao juiz Sergio Moro, cabeça da operação Lava Jato e violador contumaz do Estado de Direito, a ministros do Supremo como Gilmar Mendes e Celso Mello, que atacaram publicamente Lula e o Partido dos Trabalhadores, a Teori Zavascki que sentou em cima do processo contra Cunha até o último minuto, ao Procurador Geral da República, que também atacou publicamente o PT e permitiu que seus comandados cometessem todo tipo de abuso durantes as investigações da Lava Jato, e entre outros, a FHC, ex-Presidente da República, pelo conteúdo do que escreve e fala.
Comecemos pelos meios escolhidos pelo ex-presidente para se expressar. Os jornais O Globo e Estadão são dois dos órgãos de imprensa mais reacionários do Brasil, em toda sua história. Apoiaram com empenho o Golpe Militar de 1964 e depois o regime autoritário que se instaurou. Mais tarde, no período de redemocratização, aderiram de maneira recalcitrante à mudança política. Já no período democrático, eleição após eleição, têm apoiado os candidatos do PSDB à presidência da República, fazendo uma cobertura eleitoral escandalosamente tendenciosa, contra os candidatos da esquerda, mormente do PT.
FHC foi protagonista neste processo. Presidente de honra do PSDB, ele usou seus artigos de jornal para dar o tom do ataque ao governo Dilma, feito pela via do esgarçamento das instituições democráticas do país: Judiciário, MP e PF manipulados politicamente e Câmara sob a batuta de um facínora, cooperando para que um processo sem base substantiva lograsse o feito de cancelar o resultado do voto popular. Vergonha é o termo aqui, ou decoro, seu sinônimo. Isso faltou a muita gente durante o processo: ao juiz Sergio Moro, cabeça da operação Lava Jato e violador contumaz do Estado de Direito, a ministros do Supremo como Gilmar Mendes e Celso Mello, que atacaram publicamente Lula e o Partido dos Trabalhadores, a Teori Zavascki que sentou em cima do processo contra Cunha até o último minuto, ao Procurador Geral da República, que também atacou publicamente o PT e permitiu que seus comandados cometessem todo tipo de abuso durantes as investigações da Lava Jato, e entre outros, a FHC, ex-Presidente da República, pelo conteúdo do que escreve e fala.
Comecemos pelos meios escolhidos pelo ex-presidente para se expressar. Os jornais O Globo e Estadão são dois dos órgãos de imprensa mais reacionários do Brasil, em toda sua história. Apoiaram com empenho o Golpe Militar de 1964 e depois o regime autoritário que se instaurou. Mais tarde, no período de redemocratização, aderiram de maneira recalcitrante à mudança política. Já no período democrático, eleição após eleição, têm apoiado os candidatos do PSDB à presidência da República, fazendo uma cobertura eleitoral escandalosamente tendenciosa, contra os candidatos da esquerda, mormente do PT.
Para quem não conhece os níveis absurdos de viés da cobertura eleitoral feita por O Globo, Estadão e Folha de S. Paulo, visitem o site Manchetômetro (www.manchetometro.com). Em uma palavra, são jornais de direita. Até aí, o PSDB é um partido que nasceu na centro-esquerda e foi migrando para a direita à medida que o PT ocupou a centro esquerda. Hoje é, sem sombra de dúvida, um partido de direita. Assim, é natural que seu presidente de honra publique nessas mídias, marcadamente neoliberais e avessas aos movimentos sociais, pois ideologicamente ele está em seu elemento.
Claro que é triste para quem é da esquerda democrática ver um herói da teoria da dependência, como foi FHC, que ajudou a desmascarar a mente colonialista das teses da teoria da modernização e inspirou um sem número de cientistas sociais progressistas, particularmente nos EUA, se transformar em um publicista reacionário. Mas o ex-presidente foi muito além. Ele assumiu o papel de arauto de um golpe contra a democracia brasileira.
Vejamos. De maio de 2014 até o presente são 22 artigos escritos por ele e publicados nos jornais citados, segundo as informações fornecidas por seu próprio Instituto. Já no primeiro artigo FHC começa diz que a corrupção política chegou a níveis alarmantes no Brasil porque o PT tem “vocação de hegemonia”, expressão que viria a repetir neste mesmo texto e em outros artigos inúmeras vezes. De passagem, alfineta o ex-presidente Lula, sugerindo que ele é responsável por esse “desvio de personalidade” do partido. O raciocínio é que para obter a hegemonia, o PT corrompeu o sistema político. A solução propugnada por nosso publicista, que aparecerá em quase todos os textos, é uma reforma política que redunde na diminuição do número de partidos e em maior fidelidade partidária. A solução faz sentido dentro do argumento, mas FHC termina o artigo em tom de ameaça: se o sistema político não for reformado por via democrática, o será pela “vontade férrea de um Salvador da Pátria”.
No artigo do mês seguinte, o ex-sociólogo volta à carga contra o PT, agora utilizando um bordão que reaparecerá em quase todos seus artigos subsequentes: lulopetismo. Trata-se não de um termo analítico, mas depreciativo, um tipo de xingamento, tão comum nas arengas públicas mas que cientistas sociais de verdade e estadistas devem evitar. Foi cunhado provavelmente por Demétrio Magnoli, publicista de direita que frequenta as páginas dos mesmos jornais. É também intensamente empregado por Merval Pereira, jornalista que é feroz detrator de Lula e do PT e porta-voz informal das organizações Globo, e pela editoria do jornal O Estado de São Paulo. Significa basicamente uma organização partidária encastelada no poder e manipulada por uma figura carismática, no caso Lula, que a utiliza para fins sempre viciosos e deletérios. Perfaz, ao mesmo tempo, ataque duplo: ao partido e à figura de Lula.
Até o final da eleição os artigos se resumem a ataques ferozes a Lula e ao PT. FHC trata o petista como um gênio do mal, que é “mestre” em agir como se “a melhor defesa fosse o ataque”. Vai além, e comete a extrema deselegância de escrever que Lula pronuncia “zelite”, ao invés de “as elites”, caricaturando o falar do político nordestino de origem popular. E além de outras tiradas preconceituosas e racistas que se permite publicar, como dizer que o PT no governo promove o “capitalismo da companheirada”, conclama seus leitores a “tirar o Pai%u001s do labirinto lulopetista”.
Em outubro, às vésperas do segundo turno publica outro artigo, talvez já pressentindo a derrota, no qual retoma a retórica a ameaça, dizendo que que a reeleição de Dilma representaria risco à economia e ao regime político.
Da derrota eleitoral em diante, as colunas de FHC tornam-se uma vitriólica campanha para deslegitimar o governo Dilma, o PT e Lula, e clamar para que as oposições, o Judiciário e o MP não sosseguem enquanto não a destituírem da presidência. Seus artigos adquirem aspecto ainda mais formulaico e inflamado; tornam-se verdadeiros panfletos de agitação golpista.
A fórmula é repetida à exaustão, com algumas variações de ênfase: começa com a leitura economicista da situação nacional, culpa Lula, o PT e Dilma, tratando-os de maneira extremamente violenta, sugere como remédio a reforma política, e às vezes outras reformas, como previdência, leis trabalhistas e impostos, e fecha conclamando as oposições, o Judiciário e o Ministério Público a apearem Dilma do cargo.
O ressentimento contra Lula que transpira nestas colunas é assustador. O ex-professor dedica textos inteiros para atacar o ex-metalúrgico, como o de agosto de 2015 e o de fevereiro de 2016. Chama-o de “língua solta”, entre outros impropérios e utiliza o termo ofensivo lulopetismo abundantemente.
Como bom publicista conservador, as reformas propugnadas são ou neoliberais (flexibilização das leis trabalhistas, diminuição do gasto público) ou focadas na diminuição da influência popular por meio do voto (sistema semiparlamentarista e voto distrital misto).
Em meados de 2015, o colunista introduz uma inovação: passa a cobrar de Dilma a renúncia, para que o impeachment seja evitado. As palavras escolhidas são dramáticas: ou Dilma “abre mão voluntariamente do poder pela renúncia” ou só “sobra o remédio do impedimento, uma espécie de morte assistida”. Essa chantagem será repetida em praticamente todos seus textos, até a votação do impeachment em abril de 2016. Na coluna publicada às vésperas da votação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, ele, depois de malhar o PT e o “lulopetismo” por vários parágrafos, declara que uma vez que Dilma não aceitou a renúncia, só lhe sobrará o impeachment.
FHC é tratado por muita gente, inclusive por instituições como a LASA, como se fosse um grande acadêmico, coisa que deixou de ser há muito tempo. Logo a LASA, que se consolidou ao final da década de 1960 sob a direção de pesquisadores progressistas. Muitos deles foram críticos acerbos do intervencionismo norte-americano na América Latina durante a Guerra Fria, que patrocinou tantos golpes militares, inclusive o nosso. Essa geração de latino-americanistas progressistas foi influenciada pela teoria da dependência, que lhes dava uma narrativa contra a lógica intervencionista. E Fernando Henrique Cardoso foi o autor que mais teve sucesso no “consumo da teoria da independência nos EUA”, título de um artigo de sua própria lavra.
Claro que é triste para quem é da esquerda democrática ver um herói da teoria da dependência, como foi FHC, que ajudou a desmascarar a mente colonialista das teses da teoria da modernização e inspirou um sem número de cientistas sociais progressistas, particularmente nos EUA, se transformar em um publicista reacionário. Mas o ex-presidente foi muito além. Ele assumiu o papel de arauto de um golpe contra a democracia brasileira.
Vejamos. De maio de 2014 até o presente são 22 artigos escritos por ele e publicados nos jornais citados, segundo as informações fornecidas por seu próprio Instituto. Já no primeiro artigo FHC começa diz que a corrupção política chegou a níveis alarmantes no Brasil porque o PT tem “vocação de hegemonia”, expressão que viria a repetir neste mesmo texto e em outros artigos inúmeras vezes. De passagem, alfineta o ex-presidente Lula, sugerindo que ele é responsável por esse “desvio de personalidade” do partido. O raciocínio é que para obter a hegemonia, o PT corrompeu o sistema político. A solução propugnada por nosso publicista, que aparecerá em quase todos os textos, é uma reforma política que redunde na diminuição do número de partidos e em maior fidelidade partidária. A solução faz sentido dentro do argumento, mas FHC termina o artigo em tom de ameaça: se o sistema político não for reformado por via democrática, o será pela “vontade férrea de um Salvador da Pátria”.
No artigo do mês seguinte, o ex-sociólogo volta à carga contra o PT, agora utilizando um bordão que reaparecerá em quase todos seus artigos subsequentes: lulopetismo. Trata-se não de um termo analítico, mas depreciativo, um tipo de xingamento, tão comum nas arengas públicas mas que cientistas sociais de verdade e estadistas devem evitar. Foi cunhado provavelmente por Demétrio Magnoli, publicista de direita que frequenta as páginas dos mesmos jornais. É também intensamente empregado por Merval Pereira, jornalista que é feroz detrator de Lula e do PT e porta-voz informal das organizações Globo, e pela editoria do jornal O Estado de São Paulo. Significa basicamente uma organização partidária encastelada no poder e manipulada por uma figura carismática, no caso Lula, que a utiliza para fins sempre viciosos e deletérios. Perfaz, ao mesmo tempo, ataque duplo: ao partido e à figura de Lula.
Até o final da eleição os artigos se resumem a ataques ferozes a Lula e ao PT. FHC trata o petista como um gênio do mal, que é “mestre” em agir como se “a melhor defesa fosse o ataque”. Vai além, e comete a extrema deselegância de escrever que Lula pronuncia “zelite”, ao invés de “as elites”, caricaturando o falar do político nordestino de origem popular. E além de outras tiradas preconceituosas e racistas que se permite publicar, como dizer que o PT no governo promove o “capitalismo da companheirada”, conclama seus leitores a “tirar o Pai%u001s do labirinto lulopetista”.
Em outubro, às vésperas do segundo turno publica outro artigo, talvez já pressentindo a derrota, no qual retoma a retórica a ameaça, dizendo que que a reeleição de Dilma representaria risco à economia e ao regime político.
Da derrota eleitoral em diante, as colunas de FHC tornam-se uma vitriólica campanha para deslegitimar o governo Dilma, o PT e Lula, e clamar para que as oposições, o Judiciário e o MP não sosseguem enquanto não a destituírem da presidência. Seus artigos adquirem aspecto ainda mais formulaico e inflamado; tornam-se verdadeiros panfletos de agitação golpista.
A fórmula é repetida à exaustão, com algumas variações de ênfase: começa com a leitura economicista da situação nacional, culpa Lula, o PT e Dilma, tratando-os de maneira extremamente violenta, sugere como remédio a reforma política, e às vezes outras reformas, como previdência, leis trabalhistas e impostos, e fecha conclamando as oposições, o Judiciário e o Ministério Público a apearem Dilma do cargo.
O ressentimento contra Lula que transpira nestas colunas é assustador. O ex-professor dedica textos inteiros para atacar o ex-metalúrgico, como o de agosto de 2015 e o de fevereiro de 2016. Chama-o de “língua solta”, entre outros impropérios e utiliza o termo ofensivo lulopetismo abundantemente.
Como bom publicista conservador, as reformas propugnadas são ou neoliberais (flexibilização das leis trabalhistas, diminuição do gasto público) ou focadas na diminuição da influência popular por meio do voto (sistema semiparlamentarista e voto distrital misto).
Em meados de 2015, o colunista introduz uma inovação: passa a cobrar de Dilma a renúncia, para que o impeachment seja evitado. As palavras escolhidas são dramáticas: ou Dilma “abre mão voluntariamente do poder pela renúncia” ou só “sobra o remédio do impedimento, uma espécie de morte assistida”. Essa chantagem será repetida em praticamente todos seus textos, até a votação do impeachment em abril de 2016. Na coluna publicada às vésperas da votação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, ele, depois de malhar o PT e o “lulopetismo” por vários parágrafos, declara que uma vez que Dilma não aceitou a renúncia, só lhe sobrará o impeachment.
FHC é tratado por muita gente, inclusive por instituições como a LASA, como se fosse um grande acadêmico, coisa que deixou de ser há muito tempo. Logo a LASA, que se consolidou ao final da década de 1960 sob a direção de pesquisadores progressistas. Muitos deles foram críticos acerbos do intervencionismo norte-americano na América Latina durante a Guerra Fria, que patrocinou tantos golpes militares, inclusive o nosso. Essa geração de latino-americanistas progressistas foi influenciada pela teoria da dependência, que lhes dava uma narrativa contra a lógica intervencionista. E Fernando Henrique Cardoso foi o autor que mais teve sucesso no “consumo da teoria da independência nos EUA”, título de um artigo de sua própria lavra.
Mas assim como o professor da década de 60 não era o presidente entusiasta do neoliberalismo privatizante dos anos 90, que uma vez declarou ser o Estado incapaz de diminuir a desigualdade social – coisa que Lula provou ser uma falácia -, o publicista que hoje prega o golpe contra Dilma Rousseff não é o presidente de ontem. O PSDB caminhou muito para a direita e FHC o liderou por esse caminho. Nessa marcha para a direita acabou por cruzar os limites do decoro que se espera de um ex-presidente e do que é aceitável dentro do jogo democrático.
Não há um pingo de sociologia no que escreve FHC, quanto mais rigor acadêmico, mesmo para o nível intelectual médio dos leitores dos jornais nos quais publica seus textos. Há sim uma sanha de atingir seus inimigos políticos a cada parágrafo com todo tipo de imprecações. Há sim uma tentativa de propagandear mais reformas neoliberais e uma reforma política que mistura boas medidas, como o fim da coligação para eleições proporcionais, com medidas que vão em detrimento do poder do voto popular, como a volta do financiamento privado de campanha e a adoção do parlamentarismo no país. Há sim um ódio profundo de Lula: dos 22 artigos, somente três não destilam tal sentimento.
Não há um pingo de sociologia no que escreve FHC, quanto mais rigor acadêmico, mesmo para o nível intelectual médio dos leitores dos jornais nos quais publica seus textos. Há sim uma sanha de atingir seus inimigos políticos a cada parágrafo com todo tipo de imprecações. Há sim uma tentativa de propagandear mais reformas neoliberais e uma reforma política que mistura boas medidas, como o fim da coligação para eleições proporcionais, com medidas que vão em detrimento do poder do voto popular, como a volta do financiamento privado de campanha e a adoção do parlamentarismo no país. Há sim um ódio profundo de Lula: dos 22 artigos, somente três não destilam tal sentimento.
Se não bastasse essa campanha de difamação que move contra Lula, ao saber da nomeação deste para o Ministério da Casa Civil de Dilma, FHC reagiu ferozmente chamando-o de “analfabeto” e conclamando a sociedade a reagir energicamente contra sua nomeação. E por fim, há sim uma devoção de cristão novo à causa da derrubada da Presidente Dilma Rousseff. FHC sequer se dedica a discutir em qualquer dos artigos se houve ou não crime de responsabilidade de Dilma.
A partir da derrota eleitoral de seu candidato, o ex-presidente começou uma campanha renhida. Dos dezessete artigos publicados desde então, somente quatro não tratam do assunto. Em setembro de 2015, ele inovou o argumento, adicionando uma retórica que mistura ameaça e chantagem: ou renúncia ou “morte assistida”, isto é, impeachment.
Aliado a empresas de mídia de tradição antidemocrática e elitista, que defende repetidamente em seus textos, Fernando Henrique Cardoso tem exercido desde a eleição passada o papel vexatório de arauto de um golpe político que fragilizou as instituições da democracia brasileira a ponto de tornar incerto o futuro do regime inaugurado pela Nova República com a Constituição de 1988. Agora, de arauto quer se converter em embaixador do golpe e usar o encontro da Latin America Studies Association para tal. Pela sua tradição de apoio incondicional à democracia e em respeito aos milhares de associados brasileiros, norte-americanos e estrangeiros que estão profundamente preocupados com o golpe nas instituições democráticas ora em curso no Brasil, a LASA não pode tomar o partido de FHC, permitindo que ele faça do Congresso mais um palanque na sua sombria campanha política.
* João Feres Júnior é professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
A partir da derrota eleitoral de seu candidato, o ex-presidente começou uma campanha renhida. Dos dezessete artigos publicados desde então, somente quatro não tratam do assunto. Em setembro de 2015, ele inovou o argumento, adicionando uma retórica que mistura ameaça e chantagem: ou renúncia ou “morte assistida”, isto é, impeachment.
Aliado a empresas de mídia de tradição antidemocrática e elitista, que defende repetidamente em seus textos, Fernando Henrique Cardoso tem exercido desde a eleição passada o papel vexatório de arauto de um golpe político que fragilizou as instituições da democracia brasileira a ponto de tornar incerto o futuro do regime inaugurado pela Nova República com a Constituição de 1988. Agora, de arauto quer se converter em embaixador do golpe e usar o encontro da Latin America Studies Association para tal. Pela sua tradição de apoio incondicional à democracia e em respeito aos milhares de associados brasileiros, norte-americanos e estrangeiros que estão profundamente preocupados com o golpe nas instituições democráticas ora em curso no Brasil, a LASA não pode tomar o partido de FHC, permitindo que ele faça do Congresso mais um palanque na sua sombria campanha política.
* João Feres Júnior é professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ.
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