domingo, 1 de maio de 2016

Um país, dois pesadelos

Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:

Você acabou de acordar e se depara com o seguinte horizonte embaçado: fim dos direitos trabalhistas em favor da negociação direta; diminuição dos investimentos em programas sociais; contingenciamento de recursos para serviços públicos essenciais em nome do pagamento de juros a banqueiros internacionais. É só o começo. Privatização da Petrobras e de outras empresas públicas estratégicas, Ministério Público e Polícia Federal manietados, reforma da Previdência contra direitos adquiridos depois de décadas de suor na lida.

O seu pior pesadelo pode ser questão de dias.

É claro que tudo foi feito dentro da lei. Afinal, medidas tão profundas não precisam do voto popular, da construção política responsável, do funcionamento das instituições democráticas e nem mesmo da participação popular. Basta um golpe. E não é um golpe qualquer. Começa com um julgamento comandado por um réu, que passa o bastão para outro condenado, que terá como relator um senador que usou dos mesmos expedientes que quer cobrar com retórica moralista, enquanto recebe afagos patéticos de seu mentor e patrono-mor do golpe.

Da Lava Jato apenas notícias de festas, máscaras velhas e premiações aos seus heróis de fancaria. Da imprensa, sobra o ressaibo de sentir na carne a crítica de seus modelos internacionais, tão incensados. Os jornalões brasileiros, que fizeram do padrão liberal americano seu espelho, sofrem a crítica acerba e irônica de seus “pares” estrangeiros. E só habitam, como espaço de lamento, a seção de cartas. Os mais ricos empresários de comunicação do planeta entram na história pela porta dos fundos.

Para piorar ainda mais o sonho ruim que parece nos mirar de perto, há a lista dos possíveis ministros que deverão assumir a gestão política e a condução administrativa do país. São nomes medíocres, com história apequenada e candidatos a manchar a biografia para sempre pela ambição que pode durar seis meses. O que há de notável neles é apenas a falta de substância de seus conhecimentos e compromissos com a democracia. Sabujos de projetos neoliberais, lambe-botas de empresários conservadores, aceitam cumprir a pauta do grande capital rentista, vociferando contra impostos e chamando de moderna a retirada de direitos.

Completando o panorama, a própria figura de Michel Temer sintetiza, em seu vazio ético de traidor, o que se dispõe ao futuro imediato do país. Sem votos, julga poder afrontar o desejo popular; mancomunado com bandidos, pode deixar a legalidade em segundo plano; sem projetos, pode suportar a caução que lhe jogam nos ombros por ter amparado o propósito de operar contra as instituições. O pouco tempo de que dispõe não é um limite, mas uma ameaça para que seja um homem ainda pior do que tem sido ao longo de décadas de desserviço à política brasileira. Ele tem pressa em ser canalha.

Mas há algo faltando nessa história aparentemente tão pessimista. Nada vai ser assim tão fácil. O brasileiro não lutou por mais de cinco séculos para entregar tão facilmente sua dignidade duramente construída. O que vem por aí pode ser um pesadelo no primeiro momento, mas vai ter troco rápido. É preciso devolver noites mal dormidas. O pior pesadelo, na verdade, é o que espera os golpistas. A vida deles, podem ter certeza, há de ser um inferno. Para cada direito ameaçado, uma manifestação iracunda; para cada centavo tirado dos programas sociais, uma mobilização nacional; para cada supressão de conquistas trabalhistas, greve geral. Para cada afronta à liberdade, uma cusparada.

Antes de o sorriso dos golpistas se desmanchar no ar da comemoração, a máscara horrível da afronta contra o povo vai se transformar numa carranca de pavor. Nessa hora, depois de muito tempo, eles finalmente estarão certos. É bom ter medo.

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