sábado, 20 de agosto de 2016

Alckmin e a volta da 'reorganização escolar'

Por Salomão Barros Ximenes, no site Outras Palavras:

Um fato surpreendente aconteceu no último dia 16 de agosto, no antigo Colégio Caetano de Campos, hoje sede da secretaria de Educação de São Paulo. O governo estadual constituiu, enfim, a Frente de Instituições Públicas pela Educação do Estado de São Paulo (Fipesp). O grupo havia sido criado em maio, mas aguardava indicação de representantes e adesão das instituições envolvidas. A surpresa está na composição, agora revelada: todos os onze componentes do grupo são juristas. Vale a pena investigar por quê.

Caso cumpra seus propósitos, a Fipesp vai inaugurar uma nova modalidade de judicialização da Educação, a determinante influência de juízes, promotores e advogados na condução das políticas educacionais paulistas, em substituição ao que deveria ser uma gestão educacional democrática e pedagogicamente orientada. Sintomático é o eloquente silêncio sobre as demais instâncias que cuidam da gestão educacional no Estado, como os conselhos e o Fórum Estadual de Educação. Igualmente sintomático é que a Secretaria descreva a criação unilateral da Frente e outorga de poder aos juristas como um avanço na gestão democrática.

A Fipesp e a própria nomeação de Nalini por Alckmin compõem um plano de neutralização dos chamados órgãos de controle externo – sobretudo o Judiciário, poder que impôs sucessivas derrotas ao plano de reorganização escolar de Alckmin em 2015. Recorde-se que em novembro passado, quando as ocupações escolares ganhavam volume, o Tribunal de Justiça decidiu por unanimidade que não cabia a reintegração forçada dos imóveis pedida por Alckmin, pois estavam os estudantes meramente exercendo seu direito à manifestação. Além disso, não havia ameaça à posse pública das escolas. Esta decisão insuflou a luta estudantil: praticamente triplicaram as escolas ocupadas.

Várias ações foram propostas por Ministério Público, Defensoria e Apeoesp naquele período. Liminares foram concedidas suspendendo localmente o projeto e o Tribunal de Justiça confirmou as decisões dos juízes de primeira instância. Nesse contexto de fortalecimento do movimento estudantil e de críticas à repressão policial, caiu a popularidade de Alckimin. Este, acuado, decidiu demitir Herman Voorwald, secretário de então, e anunciar a suspensão da reorganização. Em 16 de dezembro veio nova vitória dos estudantes em luta: a juíza Carmen Cristina Teijeiro e Oliveira, da capital, decidiu em liminar que a reorganização proposta era abusiva e antidemocrática, e qualquer nova proposta deveria ser antecedida de amplo debate nas escolas e na sociedade.

Ficava assim evidente que o sucesso das medidas propostas, uma retomada da reorganização em 2016 ou nos anos seguintes, pressupunha tanto quebrar as resistências estudantis como o seu reflexo institucional na atuação do sistema de Justiça. Não à toa todos os membros da Fipesp são “do mundo do Direito”, sendo que 9 (nove) deles representam oficialmente algum órgão ou entidade do Sistema de Justiça, 2 representam do Legislativo, além do Secretário1.

Notáveis juristas para decidir os rumos da Educação?

Qualquer indivíduo medianamente informado sobre o funcionamento e os meandros do sistema de Justiça vai se espantar, de cara, com esse time formado por Nalini. Trata-se de uma seleção de peso, da reunião de praticamente todas as instituições relevantes para o exercício do controle judicial sobre as políticas educacionais no estado.

Segundo o Secretário, a iniciativa tem como objetivo “ampliar a gestão democrática nas cinco mil escolas estaduais do Estado de São Paulo, a Secretaria da Educação (…) É a primeira vez que a Secretaria do Estado da Educação apela para as instituições públicas para que formem uma frente de apreensão das reais necessidades pelas quais passa a educação paulista, num gesto simbólico para conclamar toda a sociedade para que ela se interesse por esse direito que é de todos e dever, que é do Estado, da família e da sociedade”.

Mas qual será à atuação da Fipesp? Segundo Nalini, “o principal objetivo da Frente será consolidar um canal permanente de diálogo com alunos, pais ou responsáveis e profissionais de educação para poder discutir soluções para a melhoria da educação do Estado de São Paulo. O grupo também terá atuação no planejamento de ações no caso das ocupações das escolas estaduais e em episódios de conflitos entre alunos, equipes escolares e a própria Educação. A ideia é que as instâncias parceiras participem da mediação e contribuam com a expertise de cada órgão na solução de problemas”.

É notório que Nalini não assumiu a pasta da Educação unicamente por seu conhecimento pedagógico ou ainda por sua experiência em gestão da educação básica. Indicado ao cargo em meio à crise provocada pela proposta de reorganização de Alckmin, na qual o Judiciário desempenhou o papel visto há pouco, não é exagero presumir a chegada de Nalini ao Palácio Caetano de Campos tem como objetivo não declarado recompor a interlocução do governo com o sistema de Justiça. Ou seja, quebrar as resistências ao projeto, para que possa ser retomado o mais brevemente possível.

A criação do Fipesp e a escolha de seus membros oficializa tal posição. Ainda mais porque um dos objetivos declarados é atuar nas ocupações escolares – que, o governo já sabe, ocorrerão em função das reformas burocráticas e autoritárias que pretende retomar.

Com o Fipesp em funcionamento, o governo Alckmin terá ao alcance das mãos uma ferramenta institucional poderosíssima. Poderá testar suas propostas antes de anunciá-las em definitivo; e obter daqueles órgãos, a quem cabe o controle externo independente, a prévia adesão aos projetos.

Muitas são as questões que se abrem a partir desse movimento tático de Nalini. A mais evidente é saber o quanto a Frente será capaz de influenciar ou mesmo de limitar a iniciativa e a autonomia funcional de juízes, desembargadores, promotores, defensores e advogados. Além disso, resta saber como se dará a interlocução dessa nova instância com o campo educacional propriamente dito – escolas, conselhos, movimentos, fóruns e sindicatos.

Um fato é certo, Nalini mudou a tática, aparentemente para preservar e retomar a proposta de fundo, o fechamento de escolas e o remanejamento forçado de centenas de milhares de estudantes. Cabe aos movimentos sociais e às organizações da sociedade civil seguir a mobilização e acompanhar de perto o Fipesp, cobrando transparência de suas reuniões e ações.

***

Vale a pena conhecer a lista de membros do Fipesp: Marcos da Costa, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP);Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo; Elival da Silva Ramos, Procurador Geral do Estado;Gianpaolo Poggio Smanio, Procurador Geral da Justiça do Ministério Público de São Paulo; Davi Eduardo Depiné, Defensor Público Geral;Antonio Carlos Ozório Nunes, promotor de Justiça, coordenador do Centro de Apoio Operacional – Educação; Alvimar Virgílio de Almeida, defensor público estadual; Maria Cristina de Oliveira Reali Espósito, advogada, presidenta da Comissão de Direitos à Educação e Informação da OAB-SP; Antonio Carlos Malheiros, desembargador do Tribunal de Justiça e ex-coordenador da Coordenadoria da Infância e Juventude do órgão e Patrícia Ulson Pizarro Werner, procuradora do Estado chefe da consultoria jurídica da Secretaria de Educação; Fernando Capez, promotor de justiça e presidente da Assembleia Legislativa, e Fátima Mônica Bragante Dinardi, também jurista, assessora legislativa lotada no gabinete do deputado. A presidência cabe ao secretário da Educação, também este notório jurista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente: