Por Eduardo Maretti, na Rede Brasil Atual:
Os 100 dias de Michel Temer foram marcados politicamente por uma relação com o Congresso Nacional caracterizada pelo fisiologismo mais escancarado, pelo qual o governo interino condiciona a aprovação de matérias de interesse do Planalto à indisfarçada prática de concessão de vantagens, como cargos e liberação de emendas parlamentares em troca de voto. “Toda a ação governamental tem se voltado a esse propósito”, avalia o analista Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Claro que a agenda não é um simples projeto de governo no qual o fisiologismo é um fim em si mesmo. Ela está vinculada a interesses claramente identificados com o chamado mercado financeiro. Por outro lado, o afastamento de uma presidenta da República sem crime de responsabilidade, condição para o projeto Temer, só está sendo bem-sucedido, até aqui, graças a um cálculo político bem executado.
“Temer identificou que forças poderosas no parlamento, na mídia e no mercado estavam insatisfeitas com o modo como a presidente se relacionava com esses três segmentos. Então assume com o objetivo de agradar a esses setores pelo menos até que se concretize o processo de impeachment”, observa Toninho.
Para agradar principalmente o chamado mercado, Temer sinaliza uma agenda neoliberal e fiscalista, que tira recursos de políticas sociais para “agigantar ainda mais as despesas com juros e o principal da dívida”. O objetivo é gerar superávit primário. “O esforço se dá na direção do deslocamento dos recursos do orçamento com a transferência de renda às avessas, dos pobres para os ricos”, diz o analista.
A proposta econômica do governo interino, para dar certo, depende dessa equação de fácil entendimento, como disse o economista Guilherme Mello, da Unicamp, à RBA, recentemente. “É simples. Quando o governo fala em ‘medidas impopulares’, está falando em medidas que afetam 95% da população mais pobre do Brasil, as pessoas que dependem dos serviços públicos, para beneficiar os grupos que têm mais em detrimento do povo”.
Nesse contexto, a agenda de interesse do mercado consiste também em flexibilizar relações do trabalho, aprovar a terceirização e eliminar marcos regulatórios que protegem a indústria nacional e as empresas estatais. Além disso, o governo sinaliza com a reforma da Previdência, para fortalecer “duplamente” o mercado: “de um lado, com o objetivo de produzir ‘sobras’ de recursos para pagar juros, e, de outro, para abrir o mercado de previdência ao setor privado”.
Claro que a agenda não é um simples projeto de governo no qual o fisiologismo é um fim em si mesmo. Ela está vinculada a interesses claramente identificados com o chamado mercado financeiro. Por outro lado, o afastamento de uma presidenta da República sem crime de responsabilidade, condição para o projeto Temer, só está sendo bem-sucedido, até aqui, graças a um cálculo político bem executado.
“Temer identificou que forças poderosas no parlamento, na mídia e no mercado estavam insatisfeitas com o modo como a presidente se relacionava com esses três segmentos. Então assume com o objetivo de agradar a esses setores pelo menos até que se concretize o processo de impeachment”, observa Toninho.
Para agradar principalmente o chamado mercado, Temer sinaliza uma agenda neoliberal e fiscalista, que tira recursos de políticas sociais para “agigantar ainda mais as despesas com juros e o principal da dívida”. O objetivo é gerar superávit primário. “O esforço se dá na direção do deslocamento dos recursos do orçamento com a transferência de renda às avessas, dos pobres para os ricos”, diz o analista.
A proposta econômica do governo interino, para dar certo, depende dessa equação de fácil entendimento, como disse o economista Guilherme Mello, da Unicamp, à RBA, recentemente. “É simples. Quando o governo fala em ‘medidas impopulares’, está falando em medidas que afetam 95% da população mais pobre do Brasil, as pessoas que dependem dos serviços públicos, para beneficiar os grupos que têm mais em detrimento do povo”.
Nesse contexto, a agenda de interesse do mercado consiste também em flexibilizar relações do trabalho, aprovar a terceirização e eliminar marcos regulatórios que protegem a indústria nacional e as empresas estatais. Além disso, o governo sinaliza com a reforma da Previdência, para fortalecer “duplamente” o mercado: “de um lado, com o objetivo de produzir ‘sobras’ de recursos para pagar juros, e, de outro, para abrir o mercado de previdência ao setor privado”.
Eduardo Cunha e 'centrão'
O ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o peão do xadrez político que pôs em marcha o processo do impeachment de Dilma Rousseff em dezembro, continua a ter peso no governo. Mas, para o analista do Diap, “menos pelo poder objetivo ou pela perspectiva atual de poder, e mais pela ameaça que representa, absolutamente comprometedora, a várias autoridades e parlamentares com os quais fez negócios”.
Cunha foi o idealizador do chamado “centrão”, grupo sem definição ideológica formado por parlamentares do baixo clero, origem do próprio Cunha, dos partidos PP, PR, PSD, PRB, PSC, PTB, Solidariedade, PHS, Pros, PSL, PTN, PEN e PTdoB.
A alcunha é a reutilização do antigo conceito parlamentar do “centrão” da época de José Sarney, o primeiro presidente da República civil após a ditadura. Toninho considera, entretanto, que apesar de fisiológico “o centrão de Sarney era mais ideológico”. Ele estava em um contexto de redemocratização do país e queria mudanças reais na economia. Não à toa, por mais fisiológico que fosse, com o Plano Cruzado, a seu modo, o governo Sarney proporcionou aumento do poder de consumo e crescimento econômico, mesmo que à custa de posterior deterioração da economia e inflação galopante.
“O governo atual é muito mais fisiológico do que o daquele período. Está preocupado com concessões e vantagens, não com questões minimamente ideológicas e programáticas. O problema não é de pauta, mas de quem dá mais. Lembremos que, em dado momento, esse centrão de hoje abandonou a Dilma para se aliar a Eduardo Cunha”, diz Toninho.
Três semanas após Temer tomar posse, a professora Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), constatou: “O governo Temer só está aí porque é resultado de um pacto entre PMDB, centrão e a oposição tradicional, o PSDB”.
O ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o peão do xadrez político que pôs em marcha o processo do impeachment de Dilma Rousseff em dezembro, continua a ter peso no governo. Mas, para o analista do Diap, “menos pelo poder objetivo ou pela perspectiva atual de poder, e mais pela ameaça que representa, absolutamente comprometedora, a várias autoridades e parlamentares com os quais fez negócios”.
Cunha foi o idealizador do chamado “centrão”, grupo sem definição ideológica formado por parlamentares do baixo clero, origem do próprio Cunha, dos partidos PP, PR, PSD, PRB, PSC, PTB, Solidariedade, PHS, Pros, PSL, PTN, PEN e PTdoB.
A alcunha é a reutilização do antigo conceito parlamentar do “centrão” da época de José Sarney, o primeiro presidente da República civil após a ditadura. Toninho considera, entretanto, que apesar de fisiológico “o centrão de Sarney era mais ideológico”. Ele estava em um contexto de redemocratização do país e queria mudanças reais na economia. Não à toa, por mais fisiológico que fosse, com o Plano Cruzado, a seu modo, o governo Sarney proporcionou aumento do poder de consumo e crescimento econômico, mesmo que à custa de posterior deterioração da economia e inflação galopante.
“O governo atual é muito mais fisiológico do que o daquele período. Está preocupado com concessões e vantagens, não com questões minimamente ideológicas e programáticas. O problema não é de pauta, mas de quem dá mais. Lembremos que, em dado momento, esse centrão de hoje abandonou a Dilma para se aliar a Eduardo Cunha”, diz Toninho.
Três semanas após Temer tomar posse, a professora Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), constatou: “O governo Temer só está aí porque é resultado de um pacto entre PMDB, centrão e a oposição tradicional, o PSDB”.
Qual futuro?
Nesse cenário político, a questão é saber até onde pode chegar o governo Temer, se ele conseguir concretizar o impeachment definitivamente, nos próximos dez dias (o julgamento de Dilma está previsto para começar dia 25).
Temer não é onipotente, mesmo com o auxílio de um Congresso altamente fisiológico, a serviço de seus próprios interesses e, via governo, do mercado. Medidas como a PEC 241, o mais pesado golpe do governo interino contra direitos, congela gastos públicos por 20 anos e, se aprovada, provocará o sucateamento da saúde, da educação e da Previdência Social.
E é aí que, segundo Toninho, as coisas podem não dar tão certo como o projeto Temer prevê. Tanto a PEC 241, como o projeto de lei complementar 257 (que trata da renegociação da dívida dos estados) ou as mudanças na Previdência, entre outras propostas, trazem medidas “irreais”, na avaliação do analista.
“O governo está sendo pautado pela agenda de mercado, mas essa agenda não tem consonância com a realidade. É irreal. Quanto mais radical e irreal for essa agenda, mais dificuldade terá o governo de implementá-la no Congresso”, acredita.
No PLP 257, o governo teve que retirar do texto a exigência de que os estados e o Distrito Federal não concedam reajuste salarial durante dois anos aos servidores. "Se fizerem uma luta política com informações, dados e análises, os movimentos sociais e partidos de esquerda têm condições de brecar pelo menos parte das iniciativas", prevê Queiroz.
“Por mais que o parlamentar seja anti-PT, ele não vai apoiar algumas propostas. Nessa perspectiva, o governo pode aprovar menos do que aprovaria, porque não está calibrando suas propostas com razoabilidade. Está simplesmente empacotando aquilo que o mercado quer.”
Para Antonio Augusto de Queiroz, a terrível PEC 241, nos termos em que está, não passa no Congresso. “Pelo menos na questão de saúde o governo vai ter que fazer algum tipo de concessão. Está revogando o aumento dos gastos com saúde para os próximos 20 anos. É uma emenda à Constituição. É um retrocesso monumental impedir que, com as carências que existem, não apenas se congele, mas por uma emenda à Constituição se retirem recursos assegurados à população.”
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) observou que a PEC 241 fere inúmeros dispositivos constitucionais. Entre eles, o inciso IV, parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição, que proíbe emenda “tendente a abolir direitos e garantias individuais”. Ou o artigo 5°, do capítulo “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, que diz: “todos são iguais perante a lei”.
Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) precisa de três quintos de votos favoráveis na Câmara (308 votos) e no Senado (49) para ser aprovada. Os projetos de lei complementar (PLP), como o que trata da dívida dos estados, exigem maioria absoluta, ou 257 e 41 votos, respectivamente.
Nesse cenário político, a questão é saber até onde pode chegar o governo Temer, se ele conseguir concretizar o impeachment definitivamente, nos próximos dez dias (o julgamento de Dilma está previsto para começar dia 25).
Temer não é onipotente, mesmo com o auxílio de um Congresso altamente fisiológico, a serviço de seus próprios interesses e, via governo, do mercado. Medidas como a PEC 241, o mais pesado golpe do governo interino contra direitos, congela gastos públicos por 20 anos e, se aprovada, provocará o sucateamento da saúde, da educação e da Previdência Social.
E é aí que, segundo Toninho, as coisas podem não dar tão certo como o projeto Temer prevê. Tanto a PEC 241, como o projeto de lei complementar 257 (que trata da renegociação da dívida dos estados) ou as mudanças na Previdência, entre outras propostas, trazem medidas “irreais”, na avaliação do analista.
“O governo está sendo pautado pela agenda de mercado, mas essa agenda não tem consonância com a realidade. É irreal. Quanto mais radical e irreal for essa agenda, mais dificuldade terá o governo de implementá-la no Congresso”, acredita.
No PLP 257, o governo teve que retirar do texto a exigência de que os estados e o Distrito Federal não concedam reajuste salarial durante dois anos aos servidores. "Se fizerem uma luta política com informações, dados e análises, os movimentos sociais e partidos de esquerda têm condições de brecar pelo menos parte das iniciativas", prevê Queiroz.
“Por mais que o parlamentar seja anti-PT, ele não vai apoiar algumas propostas. Nessa perspectiva, o governo pode aprovar menos do que aprovaria, porque não está calibrando suas propostas com razoabilidade. Está simplesmente empacotando aquilo que o mercado quer.”
Para Antonio Augusto de Queiroz, a terrível PEC 241, nos termos em que está, não passa no Congresso. “Pelo menos na questão de saúde o governo vai ter que fazer algum tipo de concessão. Está revogando o aumento dos gastos com saúde para os próximos 20 anos. É uma emenda à Constituição. É um retrocesso monumental impedir que, com as carências que existem, não apenas se congele, mas por uma emenda à Constituição se retirem recursos assegurados à população.”
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) observou que a PEC 241 fere inúmeros dispositivos constitucionais. Entre eles, o inciso IV, parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição, que proíbe emenda “tendente a abolir direitos e garantias individuais”. Ou o artigo 5°, do capítulo “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, que diz: “todos são iguais perante a lei”.
Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) precisa de três quintos de votos favoráveis na Câmara (308 votos) e no Senado (49) para ser aprovada. Os projetos de lei complementar (PLP), como o que trata da dívida dos estados, exigem maioria absoluta, ou 257 e 41 votos, respectivamente.
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