sábado, 13 de agosto de 2016

O país que não pode votar

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Ninguém precisa ficar surpreso com a insistência exibida por Michel Temer para dizer que não é candidato à eleição presidencial de 2018. Não é esperteza nem fingimento. É uma questão de sobrevivência.

No Brasil de hoje, a única certeza duradoura é a desvalorização do voto popular. Tornou-se uma mercadoria de alto risco.

Querer ocupar o poder através das urnas, método banal de toda democracia digna deste nome, tornou-se sinônimo de oportunismo e irresponsabilidade. Sinaliza falta de compromisso real com as reformas estruturais que foram cozinhadas pelo empresariado que bancou Eduardo Cunha e seus aliados na campanha de 2014 e anunciadas por Temer quando tomou posse de sua interinidade e agora são apontadas como caminho indispensável para a redenção do país.

Pela mesma razão, Henrique Meirelles tem sido aconselhado a anunciar publicamente que não pretende candidatar-se ao Planalto em 2018. Isso porque o simples desejo de conquistar a simpatia da maioria do eleitorado é uma vontade suspeita, um risco inaceitável de contaminação por males indesejáveis.

É um processo que carrega mercadorias vistas necessariamente como maléficas, inevitavelmente prejudiciais ao país - como demagogia, populismo e outras doenças contagiosas e incuráveis.

Fala-se disso como se fosse uma verdade científica que explica as coisas do mundo e da política.

Esse comportamento está no inicio e no final do golpe de abril-maio, que revelou a imensa fragilidade de nossas lideranças democráticas para resistir a uma investida descarada contra o Estado Democrático de Direito.

A postura de quem rejeita o voto popular é uma confissão silenciosa, também. Revela o temor que esse instrumento de resistência da maioria da população desperta no bloco de empresários e políticos alinhados com um projeto de regressão histórica sabidamente incapaz de contar com apoio popular para alcançar as metas propostas.

Num resumo realista, que só parece chocante: o país está diante de um ajuste extremo e radical, um Pinochet sem ditadura, incompatível com eleições e democracia, pois atinge interesses imensos, representativos.

As dezenas de milhões de vítimas do golpe - assalariados, aposentados, afrodescendentes, mulheres, usuários de serviços público, famílias carentes - precisam ser destituídas de todos os meios de defesa, a começar daquele que tem uma influência direta sobre o universo político - o voto. Podem até resistir nas ruas e de vez em quando fazer passeatas, atos públicos e até greves, como fazem gregos, espanhóis, franceses. Mas devem ser mantidos numa posição de impotência absoluta pois toda oposição com força real é vista como obstáculo às mudanças. Por essa razão, é preciso inutilizar as lideranças que carregam, em si mesmas, grande possibilidade de contestação política. Isso explica a perseguição a Lula e tudo o que simboliza. Tornou-se perigoso porque tem muito voto.

Além dos adversários óbvios, a originalidade dessa situação é que ela também inclui os políticos que passaram a ocupar o aparelho de Estado após o afastamento de Dilma. Estes não têm força própria. Só estarão autorizados a permanecer em seus cargos enquanto se mostrarem fiéis ao projeto anti-Brasil em curso. Não podem sequer cogitar medidas fora de tom. Qualquer iniciativa que possa ser aplaudida pela população é suspeita e vista como ameaça.

Na dúvida, consulte-se o TSE, que a todo momento pode mandar a equipe interina para o chuveiro. Não por acaso, todos os seus atos são monitorados com severidade.

Este é o país de hoje. O Estado encontra-se submetido aos verdadeiros patrões do golpe. O governo é ocupado por meninos que precisam se comportar direito, caso contrário perdem os cargos e serão expulsos de cena.

Numa nação que assistiu a destituição de uma presidente eleita por mais de 54 milhões de brasileiros, a janela democrática se fecha em dezembro. Até lá, caso Michel Temer venha a ser afastado, também, a lei prevê a escolha do novo presidente pelo voto em urna.

Depois disso, a escolha caberá ao Congresso, transformado em colégio eleitoral, com poderes semelhantes aqueles que possuía nos tempos da ditadura.

Como se vê, a desvalorização do voto é uma postura teórica com imensas consequências práticas. Tudo será feito para que o povo não possa votar. Esta é a mensagem.

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