Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Considerando o currículo vergonhoso que o governo interino tem acumulado desde a posse, o ataque ao regime de cotas no serviço público até que estava demorando. Anunciado pelo Ministério do Planejamento, que responde pelo sistema de contratações da administração federal, é uma iniciativa que merece repulsa absoluta.
O esforço sem limites para garantir todo e qualquer apoio social para compensar sua fraqueza de origem levou o governo Temer a cortejar o eleitorado racista, habituado se esconder na teoria, muito conveniente para os brasileiros brancos, de que vivemos sob uma democracia racial.
Vamos combinar que era só uma questão de tempo.
Vitória histórica contra a discriminação e suas sequelas, admitidas por estudos acadêmicos de várias correntes de pensamento, a política de ação afirmativa sempre foi questionada por lideranças interessadas na manutenção de um sistema de privilégios apoiado na exclusão de mais de 50% dos brasileiros que trazem a descendência africana na pele, nos cabelos, nos olhos e, especialmente, em 400 anos de exclusão social, perseguição e violência.
A ideia de formar comissões que irão avaliar se uma pessoa tem descendentes negros - ou se está mentindo para obter vantagens - é ridícula como demonstração de ignorância sobre o conceito de "raça". Também é grotesca como projeto de Estado.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando a ONU realizou estudos sobre a origem do racismo, sabe-se que não há base científica para se definir raças humanas, como sintetizou o sábio Claude Levi Strauss, um dos gênios do século XX.
Isso porque os seres humanos tem uma formação genética diferente daquela que pode ser encontradas em cães - que podem ser pastores, boxers, labradores e até vira-latas - ou gatos, angorás ou siameses. Avaliando o horror do holocausto, que tinha no programa de extermínio de judeus seu maior instrumento ideológico, Levi Strauss explicou que raça é cultura. Partindo dessa lição do mestre, que seria confirmada décadas mais tarde pelo estudo de DNA das populações do planeta, pode-se entender que os cidadãos que forem escalados para dizer se determinado sujeito é branco, ou negro, ou não passa de uma fraude, estarão expressando, acima de tudo, seus próprios preconceitos e convicções. Imagino o dedo em riste. As sombrancelhas duras. A voz indignada. Tudo para tentar submeter e envergonhar. Nos tempos de Hitler, os suspeitos eram convidados a colocar o pinto para fora das calças, caso fosse necessário dirimir maiores dúvidas.
O grave é que a simples ideia de formar uma comissão para "investigar" um candidato a emprego público tem um ponto de partida racista. Sem dados científicos para sustentar seus trabalho, a única base de sua atividade será levar a sério, logo de saída, os estereótipos longamente cultivados por uma sociedade que jamais ajustou as contas com a escravidão, agindo de forma sistemática para manter nossos afrodescendentes como homens e mulheres de segunda classe. A humilhação, agora, é o pressuposto de que pode estar mentindo.
Sabemos do que estamos falando. Uma herança do velho negro fujão do século XIX, que tinha de provar que era um homem livre para não escravizado pelo sinhozinho que lhe deu voz de prisão quando o viu passar na rua e não podia acreditar que tivesse sido alforriado. Ou das "prisões para averiguações" de cidadãos negros, que a polícia coloca atrás das grades porque não o sujeito não tinha conseguido arrumar emprego com carteira assinada. Ou das execuções de madrugada, protegidas pelos macabros autos de resistência que acobertam assassinatos.
O projeto, claro, também é um instrumento óbvio de retrocesso político. As pesquisas sociológicas são unânimes em demonstrar que, entre os brasileiros que mais se beneficiaram dos programas sociais iniciados em 2003, ano em que Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao Planalto, encontra-se uma parcela significativa de afrodescentes. Isso aconteceu em grande parte em função de programas deliberados e necessários de combate ao racismo, mas também por uma razão até obvia. Ao focalizar as parcelas mais pobres da população, na fronteira da exclusão e da miséria, os programas sociais chegaram, naturalmente, aos brasileiros que sempre haviam sido esquecidos.
O movimento é este. Para enfraquecer a herança de Lula-Dilma as vésperas do impeachment, transforma-se a população afrodescendente em bucha de canhão. Típico. Não deixa de ser vergonhoso, concorda?
(Não por acaso, coube ao DEM do aliado Rodrigo Maia entrar no Supremo Federal para questionar a política de cotas para universidades públicas, confirmada pelos ministros num debate histórico pelo aspecto progressista. Até pela jurisprudência firmada, as universidades ficaram de fora do projeto do Ministério do Planejamento. Nada impede, contudo, que também possam ser questionadas no futuro).
Considerando o currículo vergonhoso que o governo interino tem acumulado desde a posse, o ataque ao regime de cotas no serviço público até que estava demorando. Anunciado pelo Ministério do Planejamento, que responde pelo sistema de contratações da administração federal, é uma iniciativa que merece repulsa absoluta.
O esforço sem limites para garantir todo e qualquer apoio social para compensar sua fraqueza de origem levou o governo Temer a cortejar o eleitorado racista, habituado se esconder na teoria, muito conveniente para os brasileiros brancos, de que vivemos sob uma democracia racial.
Vamos combinar que era só uma questão de tempo.
Vitória histórica contra a discriminação e suas sequelas, admitidas por estudos acadêmicos de várias correntes de pensamento, a política de ação afirmativa sempre foi questionada por lideranças interessadas na manutenção de um sistema de privilégios apoiado na exclusão de mais de 50% dos brasileiros que trazem a descendência africana na pele, nos cabelos, nos olhos e, especialmente, em 400 anos de exclusão social, perseguição e violência.
A ideia de formar comissões que irão avaliar se uma pessoa tem descendentes negros - ou se está mentindo para obter vantagens - é ridícula como demonstração de ignorância sobre o conceito de "raça". Também é grotesca como projeto de Estado.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando a ONU realizou estudos sobre a origem do racismo, sabe-se que não há base científica para se definir raças humanas, como sintetizou o sábio Claude Levi Strauss, um dos gênios do século XX.
Isso porque os seres humanos tem uma formação genética diferente daquela que pode ser encontradas em cães - que podem ser pastores, boxers, labradores e até vira-latas - ou gatos, angorás ou siameses. Avaliando o horror do holocausto, que tinha no programa de extermínio de judeus seu maior instrumento ideológico, Levi Strauss explicou que raça é cultura. Partindo dessa lição do mestre, que seria confirmada décadas mais tarde pelo estudo de DNA das populações do planeta, pode-se entender que os cidadãos que forem escalados para dizer se determinado sujeito é branco, ou negro, ou não passa de uma fraude, estarão expressando, acima de tudo, seus próprios preconceitos e convicções. Imagino o dedo em riste. As sombrancelhas duras. A voz indignada. Tudo para tentar submeter e envergonhar. Nos tempos de Hitler, os suspeitos eram convidados a colocar o pinto para fora das calças, caso fosse necessário dirimir maiores dúvidas.
O grave é que a simples ideia de formar uma comissão para "investigar" um candidato a emprego público tem um ponto de partida racista. Sem dados científicos para sustentar seus trabalho, a única base de sua atividade será levar a sério, logo de saída, os estereótipos longamente cultivados por uma sociedade que jamais ajustou as contas com a escravidão, agindo de forma sistemática para manter nossos afrodescendentes como homens e mulheres de segunda classe. A humilhação, agora, é o pressuposto de que pode estar mentindo.
Sabemos do que estamos falando. Uma herança do velho negro fujão do século XIX, que tinha de provar que era um homem livre para não escravizado pelo sinhozinho que lhe deu voz de prisão quando o viu passar na rua e não podia acreditar que tivesse sido alforriado. Ou das "prisões para averiguações" de cidadãos negros, que a polícia coloca atrás das grades porque não o sujeito não tinha conseguido arrumar emprego com carteira assinada. Ou das execuções de madrugada, protegidas pelos macabros autos de resistência que acobertam assassinatos.
O projeto, claro, também é um instrumento óbvio de retrocesso político. As pesquisas sociológicas são unânimes em demonstrar que, entre os brasileiros que mais se beneficiaram dos programas sociais iniciados em 2003, ano em que Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao Planalto, encontra-se uma parcela significativa de afrodescentes. Isso aconteceu em grande parte em função de programas deliberados e necessários de combate ao racismo, mas também por uma razão até obvia. Ao focalizar as parcelas mais pobres da população, na fronteira da exclusão e da miséria, os programas sociais chegaram, naturalmente, aos brasileiros que sempre haviam sido esquecidos.
O movimento é este. Para enfraquecer a herança de Lula-Dilma as vésperas do impeachment, transforma-se a população afrodescendente em bucha de canhão. Típico. Não deixa de ser vergonhoso, concorda?
(Não por acaso, coube ao DEM do aliado Rodrigo Maia entrar no Supremo Federal para questionar a política de cotas para universidades públicas, confirmada pelos ministros num debate histórico pelo aspecto progressista. Até pela jurisprudência firmada, as universidades ficaram de fora do projeto do Ministério do Planejamento. Nada impede, contudo, que também possam ser questionadas no futuro).
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