Por Aldo Fornazieri, no Jornal GGN:
Com a consumação do impeachment de Dilma sem crime de responsabilidade e com a violação da Constituição, o que caracteriza o golpe, o país se encaminha para uma perigosa e irresponsável aventura política cuja desfecho é imprevisível. Mesmo que a democracia brasileira seja jovem, padecendo de enfermidades de nascença e muito imperfeita, não se pode brincar de democracia violentando a soberania popular e caçando 54 milhões de votos.
Nos Estados Unidos da América, país onde o instrumento do impeachment foi criado no sistema presidencialista, após de 230 anos, nenhum presidente foi afastado em definitivo por esse mecanismo, pois, para levar a democracia a sério é preciso um ato muito grave do mandatário supremo da nação para que se justifique tão drástica medida. A exigência da gravidade do ato de afastamento de um presidente está diretamente ligada ao fato de que seu mandato é expressão da vontade soberana do povo. Não é por acaso que, em editorial, o New York Times, a exemplo de outros jornais da grande imprensa dos EUA e da Europa, afirmou que os deputados e senadores não têm moral para afastar Dilma.
Nos Estados Unidos existiram presidentes com baixa popularidade, como aqui no Brasil e em outros países presidencialistas também. No seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso, tinha uma popularidade semelhante à de Dilma e as condições econômicas e sociais eram piores do que as de 2015 e 2016. Nem por isso se abriu o processo de impeachment. O próprio PT, em decisão de Congresso Nacional, barrou o “Fora FHC”, desobstruindo um estorvo político que poderia inviabilizar aquele governo.
Fernando Henrique afirmou, em artigo publicado no domingo, que o melhor seria que Dilma tivesse chegado ao fim do seu mandato em 2018. Mas o que o ex-presidente tem a dizer acerca do fato de que, desde o término das eleições em 2014, o PSDB desestabilizou o governo Dilma e se aliou a toda sorte de conspiradores, incluindo Cunha e a extrema direita de Bolsonaro? A crise política foi fator fundamental de agravamento da crise econômica e de criação das condições de ingovernabilidade. Evidentemente, Dilma e o PT contribuíram para que esse curso dos acontecimentos se agravasse. Mas jogar a responsabilidade apenas sobre Dilma, escamoteando a conspiração do PSDB e de Cunha e as traições de Temer e de outros partidos que faziam parte do governo, é incorrer naquele crime político assinalado por Max Weber, que consiste em colocar sempre a culpa nos outros.
O golpe é inaceitável pela consciência democrática e progressista porque é uma violência contra a democracia e contra a soberania popular. Acresce-se a isso que o golpe é inaceitável pelos trabalhadores e pelos movimentos sociais porque o programa do governo ilegítimo consiste em jogar todo o peso da crise nos ombros dos assalariados, dos mais pobres e das políticas sociais.
Elites aventureiras e um governo sem futuro
Olhando mesmo do ponto de vista dos interesses das elites, o golpe foi uma aventura. Aventura que se explica pela endógena vocação golpista dessas elites, que nunca se preocuparam em construir um projeto de país, tomando dos outros o que está ao alcance de suas mãos e se servindo do Estado para subtrair riqueza. É aventura porque o capitalismo precisa de segurança jurídica e de ambiente de regulação do conflito social para prosperar. Mas como as elites estão menos preocupadas com um capitalismo competitivo e mais em subtrair sem esforço, o que elas querem é viabilizar um capitalismo aventureiro e predador.
A aventura consiste em que, se Dilma era impopular, Temer é tão ou mais impopular do que Dilma. Dilma, reconhecidamente honesta, foi derrubada com o pretexto de combater a corrupção. Temer, que tem várias citações na Lava Jato, integra um partido cujo comando central é um comitê de corruptos. Aqui há um curto circuito com a opinião pública: não se convocam milhões de pessoas às ruas para combater a corrupção entregando-lhes como recompensa um governo constituído por corruptos. É por isso que o governo Temer não terá o beneplácito da sociedade. Afinal de contas, a própria manipulação da opinião pública tem seus limites.
Os analistas mais sensatos já sabem que Temer não conseguirá fazer as reformas e que a presença do PSDB e do DEM no governo tem prazo de validade. Sabem também que o próprio PMDB está trincado e que o centrão se guia por interesses próprios. Assim, Temer não conseguirá governar no sentido dos compromissos que ele mesmo se propôs. E na medida em que as propostas de arrocho dos trabalhadores e das políticas sociais se explicitarem, crescerão as mobilizações e as manifestações contra o governo usurpador.
Um governo ilegítimo, fraco, impopular tenderá a perder base de apoio no próprio conglomerado golpista da Câmara e do Senado. Esse governo, para se manter, buscará implementar a repressão política e policial, como ficou evidente nos primeiros dias do pós impeachment. A radicalização política, de desfecho imprevisível, é o cenário da aventura em que os golpistas e as elites encaminharam o país. Trata-se de um governo sem futuro: ou se arrastará penosamente até 2018 ou será derrubado pela força da democracia.
Mas os movimentos democráticos e progressistas e as esquerdas também têm seus dilemas. Um dos principais consiste em conter os provocadores e controlar as próprias manifestações, impedido os quebra-quebras que favorecem a repressão. Convocar manifestações aos domingos, à luz do dia, sob o sol do final das manhãs, parece ser uma condição preliminar para impedir que as mesmas descambem para a violência e para o esvaziamento. Mas é preciso também se opor à violência desmedida das polícias politicamente orientada pelo ministro da Justiça. A grande imprensa está assumindo a lógica da radicalização do golpe estimulando a repressão fascista. A intervenção das Forçar Armadas nas ruas e para arbitram o conflito político é inaceitável e caso isto ocorra será preciso promover uma campanha internacional de denúncias.
Se “Fora Temer” e “Diretas Já” é o mote mobilizador, será preciso politizar este embate com uma plataforma que se oponha ao programa conservador e antipopular do governo. As duas frentes – Povo Sem Medo e Brasil Popular – devem comandar esse movimento. O PT não deve ser excluído, mas ao mesmo tempo não se deve aceitar que ele pretenda assumir uma condição de hegemonia desse novo processo que se abre. Uma plataforma de construção democrática do país também deve ser debatida ao mesmo tempo em que os movimentos sociais e populares se reorganizam com novos paradigmas e novos princípios. O ideal seria que se buscasse uma unidade com pluralidade, sob os auspícios de uma frente política nos moldes da Frente Ampla do Uruguai.
Nenhum reconhecimento ao governo Temer e oposição sistemática devem ser orientadores da conduta política da oposição. As elites econômicas e políticas devem aprender que os golpes e a ilegitimidade custam caro. Devem aprender que a democracia deve ser respeitada. O jogo da conciliação acabou. A natureza própria da democracia, desde os antigos, é o dissenso. É o dissenso dentro das regras do jogo. Mas, desta vez, como em outras, as regras do jogo foram violadas. A violação da soberania popular e da democracia não pode ser recompensada pela mansuetude da cidadania, pela paz dos cemitérios, pela desigualdade ignominiosa e pela injustiça que se pretende perpetuar.
* Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Com a consumação do impeachment de Dilma sem crime de responsabilidade e com a violação da Constituição, o que caracteriza o golpe, o país se encaminha para uma perigosa e irresponsável aventura política cuja desfecho é imprevisível. Mesmo que a democracia brasileira seja jovem, padecendo de enfermidades de nascença e muito imperfeita, não se pode brincar de democracia violentando a soberania popular e caçando 54 milhões de votos.
Nos Estados Unidos da América, país onde o instrumento do impeachment foi criado no sistema presidencialista, após de 230 anos, nenhum presidente foi afastado em definitivo por esse mecanismo, pois, para levar a democracia a sério é preciso um ato muito grave do mandatário supremo da nação para que se justifique tão drástica medida. A exigência da gravidade do ato de afastamento de um presidente está diretamente ligada ao fato de que seu mandato é expressão da vontade soberana do povo. Não é por acaso que, em editorial, o New York Times, a exemplo de outros jornais da grande imprensa dos EUA e da Europa, afirmou que os deputados e senadores não têm moral para afastar Dilma.
Nos Estados Unidos existiram presidentes com baixa popularidade, como aqui no Brasil e em outros países presidencialistas também. No seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso, tinha uma popularidade semelhante à de Dilma e as condições econômicas e sociais eram piores do que as de 2015 e 2016. Nem por isso se abriu o processo de impeachment. O próprio PT, em decisão de Congresso Nacional, barrou o “Fora FHC”, desobstruindo um estorvo político que poderia inviabilizar aquele governo.
Fernando Henrique afirmou, em artigo publicado no domingo, que o melhor seria que Dilma tivesse chegado ao fim do seu mandato em 2018. Mas o que o ex-presidente tem a dizer acerca do fato de que, desde o término das eleições em 2014, o PSDB desestabilizou o governo Dilma e se aliou a toda sorte de conspiradores, incluindo Cunha e a extrema direita de Bolsonaro? A crise política foi fator fundamental de agravamento da crise econômica e de criação das condições de ingovernabilidade. Evidentemente, Dilma e o PT contribuíram para que esse curso dos acontecimentos se agravasse. Mas jogar a responsabilidade apenas sobre Dilma, escamoteando a conspiração do PSDB e de Cunha e as traições de Temer e de outros partidos que faziam parte do governo, é incorrer naquele crime político assinalado por Max Weber, que consiste em colocar sempre a culpa nos outros.
O golpe é inaceitável pela consciência democrática e progressista porque é uma violência contra a democracia e contra a soberania popular. Acresce-se a isso que o golpe é inaceitável pelos trabalhadores e pelos movimentos sociais porque o programa do governo ilegítimo consiste em jogar todo o peso da crise nos ombros dos assalariados, dos mais pobres e das políticas sociais.
Elites aventureiras e um governo sem futuro
Olhando mesmo do ponto de vista dos interesses das elites, o golpe foi uma aventura. Aventura que se explica pela endógena vocação golpista dessas elites, que nunca se preocuparam em construir um projeto de país, tomando dos outros o que está ao alcance de suas mãos e se servindo do Estado para subtrair riqueza. É aventura porque o capitalismo precisa de segurança jurídica e de ambiente de regulação do conflito social para prosperar. Mas como as elites estão menos preocupadas com um capitalismo competitivo e mais em subtrair sem esforço, o que elas querem é viabilizar um capitalismo aventureiro e predador.
A aventura consiste em que, se Dilma era impopular, Temer é tão ou mais impopular do que Dilma. Dilma, reconhecidamente honesta, foi derrubada com o pretexto de combater a corrupção. Temer, que tem várias citações na Lava Jato, integra um partido cujo comando central é um comitê de corruptos. Aqui há um curto circuito com a opinião pública: não se convocam milhões de pessoas às ruas para combater a corrupção entregando-lhes como recompensa um governo constituído por corruptos. É por isso que o governo Temer não terá o beneplácito da sociedade. Afinal de contas, a própria manipulação da opinião pública tem seus limites.
Os analistas mais sensatos já sabem que Temer não conseguirá fazer as reformas e que a presença do PSDB e do DEM no governo tem prazo de validade. Sabem também que o próprio PMDB está trincado e que o centrão se guia por interesses próprios. Assim, Temer não conseguirá governar no sentido dos compromissos que ele mesmo se propôs. E na medida em que as propostas de arrocho dos trabalhadores e das políticas sociais se explicitarem, crescerão as mobilizações e as manifestações contra o governo usurpador.
Um governo ilegítimo, fraco, impopular tenderá a perder base de apoio no próprio conglomerado golpista da Câmara e do Senado. Esse governo, para se manter, buscará implementar a repressão política e policial, como ficou evidente nos primeiros dias do pós impeachment. A radicalização política, de desfecho imprevisível, é o cenário da aventura em que os golpistas e as elites encaminharam o país. Trata-se de um governo sem futuro: ou se arrastará penosamente até 2018 ou será derrubado pela força da democracia.
Mas os movimentos democráticos e progressistas e as esquerdas também têm seus dilemas. Um dos principais consiste em conter os provocadores e controlar as próprias manifestações, impedido os quebra-quebras que favorecem a repressão. Convocar manifestações aos domingos, à luz do dia, sob o sol do final das manhãs, parece ser uma condição preliminar para impedir que as mesmas descambem para a violência e para o esvaziamento. Mas é preciso também se opor à violência desmedida das polícias politicamente orientada pelo ministro da Justiça. A grande imprensa está assumindo a lógica da radicalização do golpe estimulando a repressão fascista. A intervenção das Forçar Armadas nas ruas e para arbitram o conflito político é inaceitável e caso isto ocorra será preciso promover uma campanha internacional de denúncias.
Se “Fora Temer” e “Diretas Já” é o mote mobilizador, será preciso politizar este embate com uma plataforma que se oponha ao programa conservador e antipopular do governo. As duas frentes – Povo Sem Medo e Brasil Popular – devem comandar esse movimento. O PT não deve ser excluído, mas ao mesmo tempo não se deve aceitar que ele pretenda assumir uma condição de hegemonia desse novo processo que se abre. Uma plataforma de construção democrática do país também deve ser debatida ao mesmo tempo em que os movimentos sociais e populares se reorganizam com novos paradigmas e novos princípios. O ideal seria que se buscasse uma unidade com pluralidade, sob os auspícios de uma frente política nos moldes da Frente Ampla do Uruguai.
Nenhum reconhecimento ao governo Temer e oposição sistemática devem ser orientadores da conduta política da oposição. As elites econômicas e políticas devem aprender que os golpes e a ilegitimidade custam caro. Devem aprender que a democracia deve ser respeitada. O jogo da conciliação acabou. A natureza própria da democracia, desde os antigos, é o dissenso. É o dissenso dentro das regras do jogo. Mas, desta vez, como em outras, as regras do jogo foram violadas. A violação da soberania popular e da democracia não pode ser recompensada pela mansuetude da cidadania, pela paz dos cemitérios, pela desigualdade ignominiosa e pela injustiça que se pretende perpetuar.
* Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
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