Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Já era possível desconfiar que havia algo de muito suspeito no balanço triunfal dos analistas conservadores após a contagem dos votos das eleições municipais.
O mistério se desfez na manhã de hoje, quando o economista Xico Graziano, um dos principais assessores de Fernando Henrique Cardoso ainda no Planalto, lançou a candidatura de FHC à presidência, através do artigo "Volta, FHC", publicado na página 3 da Folha.
Não estamos falando de eleições diretas, que sempre fizeram parte do figurino da democracia no Brasil, e representam, hoje, a solução legítima para o impasse político do país.
Estamos falando do golpe dentro do golpe, numa eleição indireta.
Assim: já assumindo que Michel Temer não poderá segurar-se no cargo, por razões tão óbvias que é cansativo mencionar aqui, Graziano está na luta para emplacar FHC, armado de elogios enormes, de causar constrangimento. Escreve como um assessor fiel de muitos anos, dentro e fora do Planalto.
Caso a ideia venha a se transformar em realidade, o golpe (parlamentar) de 31 de agosto de 2016 ficará um pouquinho mais parecido com o golpe (militar) de 31 de março de 1964. Depois de dar posse a um político que pelo menos era vice na mesma chapa, pretende-se abrir lugar para um candidato que nem isso é, o que só reforça amplia a tentativa de esmagar a vontade popular.
Na distribuição de papéis para um enredo que começa a exibir traços de espantosa semelhança, o roteiro de Graziano reserva a FHC o lugar que foi de Arthur da Costa e Silva, principal chefe militar do golpe e segundo ditador na cronologia de generais presidentes.
Não custa lembrar. Depois de enfrentar protestos heroicos de uma juventude inconformada com uma reforma educacional elaborada sob encomenda da Casa Branca -- e que ocupava praças e avenidas, em vez de escolas universidades, como hoje -- Costa e Silva entrou para a história como o responsável pelo AI-5, decreto que inaugurou o período mais violento da ditadura.
Foi no governo Costa e Silva que Fernando Henrique acabou afastado da Universidade, através de uma aposentadoria compulsória aos 37 anos de idade. Muitos amigos recentes de FHC denunciam a pensão como alta mordomia. Não há como negar sua legitimidade e recordar sua origem num ato de ditadura, que envolveu muitos intelectuais, na época.
A opção indireta por FHC terá base legal se a queda de Temer for cronometrada minuto a minuto para ocorrer depois de 31 de dezembro. Este é o prazo da Constituição para que o sucessor do vice transformado em titular seja escolhido pelas urnas, como determina a tradição presidencialista brasileira.
Mas é claro que o calendário indireto obedece a outro cálculo político, que envolve as urgências de uma nova ordem que precisa consolidar-se. Há muitas conquistas a serem eliminados, muitos avanços que precisam ser revertidos. Não é uma tarefa fácil para Temer & amigos-ministros, enrolados na Lava Jato e em dificuldades para atuar num momento político que exige mais do que cumpridores de ordem.
O momento atual representa uma oportunidade única para uma restauração conservadora após 13 anos de avanços em direção a um país menos desigual e mais inclusivo.
A prioridade é evitar as incertezas e possibilidades naturais a todo processo democrático, em urna, ainda mais quando um cidadão chamado Luiz Inácio Lula da Silva mantém-se, apesar de tudo, na liderança das pesquisas presidenciais.
Adam Prezevolrski, intelectual polonês que foi lançado no Brasil pelo PSDB, no período em que o partido tentava levar a sério o nome "social-democrata," cunhou uma frase que vem a calhar. "Amas a incerteza e serás democrata," escreveu num de seus artigos mais conhecidos.
Este é a situação que a candidatura indireta quer evitar, a origem do golpe pelo golpe -- em vez de uma saída pela eleição e pela democracia. Ao colocar-se como candidato indireto, ignorando as lutas democráticas de sua geração, que abriram caminho para que fosse eleito duas vezes presidente entre 1994 e 1998, algo impensável no momento em que foi aposentado da USP, FHC assume o lugar preconizado pelo coronel-ministro Jarbas Passarinho, aquele que deu uma contribuição inesquecível para jogar o país na treva da ditadura com um apelo antológico: "às favas com todos os escrúpulos de consciência."
Em dezembro de 1968, ou outubro de 2016, esta é a discussão.
Já era possível desconfiar que havia algo de muito suspeito no balanço triunfal dos analistas conservadores após a contagem dos votos das eleições municipais.
O mistério se desfez na manhã de hoje, quando o economista Xico Graziano, um dos principais assessores de Fernando Henrique Cardoso ainda no Planalto, lançou a candidatura de FHC à presidência, através do artigo "Volta, FHC", publicado na página 3 da Folha.
Não estamos falando de eleições diretas, que sempre fizeram parte do figurino da democracia no Brasil, e representam, hoje, a solução legítima para o impasse político do país.
Estamos falando do golpe dentro do golpe, numa eleição indireta.
Assim: já assumindo que Michel Temer não poderá segurar-se no cargo, por razões tão óbvias que é cansativo mencionar aqui, Graziano está na luta para emplacar FHC, armado de elogios enormes, de causar constrangimento. Escreve como um assessor fiel de muitos anos, dentro e fora do Planalto.
Caso a ideia venha a se transformar em realidade, o golpe (parlamentar) de 31 de agosto de 2016 ficará um pouquinho mais parecido com o golpe (militar) de 31 de março de 1964. Depois de dar posse a um político que pelo menos era vice na mesma chapa, pretende-se abrir lugar para um candidato que nem isso é, o que só reforça amplia a tentativa de esmagar a vontade popular.
Na distribuição de papéis para um enredo que começa a exibir traços de espantosa semelhança, o roteiro de Graziano reserva a FHC o lugar que foi de Arthur da Costa e Silva, principal chefe militar do golpe e segundo ditador na cronologia de generais presidentes.
Não custa lembrar. Depois de enfrentar protestos heroicos de uma juventude inconformada com uma reforma educacional elaborada sob encomenda da Casa Branca -- e que ocupava praças e avenidas, em vez de escolas universidades, como hoje -- Costa e Silva entrou para a história como o responsável pelo AI-5, decreto que inaugurou o período mais violento da ditadura.
Foi no governo Costa e Silva que Fernando Henrique acabou afastado da Universidade, através de uma aposentadoria compulsória aos 37 anos de idade. Muitos amigos recentes de FHC denunciam a pensão como alta mordomia. Não há como negar sua legitimidade e recordar sua origem num ato de ditadura, que envolveu muitos intelectuais, na época.
A opção indireta por FHC terá base legal se a queda de Temer for cronometrada minuto a minuto para ocorrer depois de 31 de dezembro. Este é o prazo da Constituição para que o sucessor do vice transformado em titular seja escolhido pelas urnas, como determina a tradição presidencialista brasileira.
Mas é claro que o calendário indireto obedece a outro cálculo político, que envolve as urgências de uma nova ordem que precisa consolidar-se. Há muitas conquistas a serem eliminados, muitos avanços que precisam ser revertidos. Não é uma tarefa fácil para Temer & amigos-ministros, enrolados na Lava Jato e em dificuldades para atuar num momento político que exige mais do que cumpridores de ordem.
O momento atual representa uma oportunidade única para uma restauração conservadora após 13 anos de avanços em direção a um país menos desigual e mais inclusivo.
A prioridade é evitar as incertezas e possibilidades naturais a todo processo democrático, em urna, ainda mais quando um cidadão chamado Luiz Inácio Lula da Silva mantém-se, apesar de tudo, na liderança das pesquisas presidenciais.
Adam Prezevolrski, intelectual polonês que foi lançado no Brasil pelo PSDB, no período em que o partido tentava levar a sério o nome "social-democrata," cunhou uma frase que vem a calhar. "Amas a incerteza e serás democrata," escreveu num de seus artigos mais conhecidos.
Este é a situação que a candidatura indireta quer evitar, a origem do golpe pelo golpe -- em vez de uma saída pela eleição e pela democracia. Ao colocar-se como candidato indireto, ignorando as lutas democráticas de sua geração, que abriram caminho para que fosse eleito duas vezes presidente entre 1994 e 1998, algo impensável no momento em que foi aposentado da USP, FHC assume o lugar preconizado pelo coronel-ministro Jarbas Passarinho, aquele que deu uma contribuição inesquecível para jogar o país na treva da ditadura com um apelo antológico: "às favas com todos os escrúpulos de consciência."
Em dezembro de 1968, ou outubro de 2016, esta é a discussão.
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