Por Tatiana Sampaio Ferraz, no site Outras Palavras:
O slogan do prefeito recém-eleito de São Paulo, João Doria (“não sou político, sou gestor”) vem dando o tom de suas intenções para o quadriênio 2017-2020 em São Paulo. Em 25 de outubro, as redes sociais acordaram com a notícia de que foi formalizado o convite a José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o “Boni” da TV Globo, para a pasta da Cultura. “Os planos do Doria são fascinantes e eu penso seriamente em aceitar”, declarou Boni ao jornal O Globo. Em 10/11, ele afirmou que não assumiria diretamente o posto, mas participaria intensamente dos planos do prefeito.
Conforme pontuou o sociólogo Gustavo Venturi no artigo “A indigestão da política”, publicado na Folha de S. Paulo, no dia 4 de outubro, Doria “se elegeu como um candidato independente, sem ‘conchavos político-partidários’, cuja garantia de uma boa gestão assentava-se nas promessas de uma administração enxuta, ocupada por especialistas (não por políticos apadrinhados), e de uma relação direta com os cidadãos-consumidores (dos quais, afinal, era defensor de longa data), sem mediação partidária.”
Of course my horse. Doria tem um currículo extenso nas redes de televisão brasileira: Tupi, Bandeirantes, Manchete, para citar algumas. Nos anos 1990, especializou-se em programas de show business e reality shows para o entretenimento das massas. Não deixa de lembrar o outro candidato apolítico das últimas eleições em São Paulo, o Celso Russomano, jornalista do ramo televisivo que se especializou em programas popularescos, como o Cidade Alerta. Mas este, sem o PSDB nas costas, não obteve sucesso em sua candidatura.
Três aspectos são notáveis na versão “moderna” (autodeclarada por Doria no último debate entre candidatos promovido pela TV Globo em 29 de setembro) de ser fazer política do psdbista. As famosas parcerias público-privadas foram transformadas em participação direta do empresariado nas instâncias executivas do governo. Os chamados especialistas apolíticos são na verdade os representantes dos grandes conglomerados – seja da grande mídia, na cultura; do mercado imobiliário, na habitação; ou dos planos privados, na saúde. E, por último, em decorrência dos anteriores, os cidadãos paulistanos foram definitivamente assumidos como reles consumidores.
A nova onda apolítica encobre o que há de mais perverso na gestão de uma cidade: a impregnação do mundo privado nas instâncias públicas. Ora, a Cultura é o terreno mais favorável para se privatizar a democracia e tudo o que está em jogo na esfera pública. Exemplo disso é o que acontece no universo das artes, onde tais instâncias sempre se misturaram: os museus paulistas estão cheios de coleções particulares sob sua guarda, na forma de comodato, com verbas públicas e incentivos para conservá-las; as figuras de diretores de instituições culturais coincidem muitas vezes com as de colecionador e dealer; promotores de venda se sobrepõem como conselheiros de museus públicos; institutos culturais de bancos são sustentados com verba pública via 100% de isenção fiscal; e assim vai…
Esta “confusão” de papeis e interesses infelizmente não é nova. O fenômeno tem nome e sobrenome: portas giratórias. É quando um importante funcionário do Estado – como por exemplo um diretor de museu – deixa seu posto no setor público para trabalhar para uma empresa privada obtendo desta forma benefícios de seu emprego público anterior e produzindo conflitos de interesses entre a esfera pública e privada. Igualmente grave e conflituoso é o sentido inverso: quando empresários e altos funcionários de empresas vão trabalhar no poder público para direcionar os gastos públicos sintonizados com os interesses de seus “antigos” empregadores.
Para piorar o quadro, além do senso comum considerar os artistas como “não-trabalhadores”, a produção artística vem sendo reduzida cada vez mais ao seu caráter mercadológico, frequentemente sobreposto às suas capacidades crítica, experimental e transformadora. Neste cenário, proliferam-se “exposições blockbuster” país afora (entenda-se por elas um pacote pronto, geralmente internacional, ancorado em grandes nomes, cujos exemplares se limitam a uma parcela mediana da produção do artista, e que se reserva ao deliverydas itinerâncias, sem perceber os diferentes públicos locais). Constroem-se “museus-eventos” como como cartão-postal da cidade para “bombar” o valor simbólico das grandes capitais (mesmo que eles não possuam nem conteúdo nem acervo que os justifique). E para aquilo que não foi capitalizado pelos megaeventos, a orientação é que aconteça necessariamente na chave do empreendedorismo, do selfmade man.
Na perspectiva do entretenimento, a cultura foi eleita o principal nicho de investimento desde meados dos anos 1990, e hoje parece ter se tornado o remédio para todos os males da sociedade. Não seria de se estranhar que o futuro prefeito da maior cidade brasileira tomasse a secretaria de cultura como órgão estratégico para difundir sua ideologia neoliberal apolítica. A nomeação de Boni, um dos maiores agentes da imprensa (a mais privada imprensa) no Brasil, escancara o jogo de troca de favores entre governo e a grande mídia nacional. O que implica trocar a implementação de programas públicos por gestão de projetos de caráter midiático, que priorizam os interesses particulares e corporativos.
Ao convidar o empresário da grande mídia televisiva (o mesmo cara que em 2011 admitiu ter editado criminosamente, com mentiras sobre Lula, o debate presidencial que elegeu Fernando Collor de Melo), Doria garante a sua aprovação globeleza: substituir os políticos por empresários; privatizar os equipamentos culturais públicos da cidade; fechar a Paulista aos domingos e devolvê-la aos carros; entre outras ambições.
Dos cinco eixos que fundamentam o seu programa de governo na área de cultura, o fortalecimento das parcerias entre setores públicos e privados já está garantido. Resta saber se o 4º item “Ética – cultura como valor de natureza ética” será garantido pelo nosso futuro Secretário de Cultura.
O slogan do prefeito recém-eleito de São Paulo, João Doria (“não sou político, sou gestor”) vem dando o tom de suas intenções para o quadriênio 2017-2020 em São Paulo. Em 25 de outubro, as redes sociais acordaram com a notícia de que foi formalizado o convite a José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o “Boni” da TV Globo, para a pasta da Cultura. “Os planos do Doria são fascinantes e eu penso seriamente em aceitar”, declarou Boni ao jornal O Globo. Em 10/11, ele afirmou que não assumiria diretamente o posto, mas participaria intensamente dos planos do prefeito.
Conforme pontuou o sociólogo Gustavo Venturi no artigo “A indigestão da política”, publicado na Folha de S. Paulo, no dia 4 de outubro, Doria “se elegeu como um candidato independente, sem ‘conchavos político-partidários’, cuja garantia de uma boa gestão assentava-se nas promessas de uma administração enxuta, ocupada por especialistas (não por políticos apadrinhados), e de uma relação direta com os cidadãos-consumidores (dos quais, afinal, era defensor de longa data), sem mediação partidária.”
Of course my horse. Doria tem um currículo extenso nas redes de televisão brasileira: Tupi, Bandeirantes, Manchete, para citar algumas. Nos anos 1990, especializou-se em programas de show business e reality shows para o entretenimento das massas. Não deixa de lembrar o outro candidato apolítico das últimas eleições em São Paulo, o Celso Russomano, jornalista do ramo televisivo que se especializou em programas popularescos, como o Cidade Alerta. Mas este, sem o PSDB nas costas, não obteve sucesso em sua candidatura.
Três aspectos são notáveis na versão “moderna” (autodeclarada por Doria no último debate entre candidatos promovido pela TV Globo em 29 de setembro) de ser fazer política do psdbista. As famosas parcerias público-privadas foram transformadas em participação direta do empresariado nas instâncias executivas do governo. Os chamados especialistas apolíticos são na verdade os representantes dos grandes conglomerados – seja da grande mídia, na cultura; do mercado imobiliário, na habitação; ou dos planos privados, na saúde. E, por último, em decorrência dos anteriores, os cidadãos paulistanos foram definitivamente assumidos como reles consumidores.
A nova onda apolítica encobre o que há de mais perverso na gestão de uma cidade: a impregnação do mundo privado nas instâncias públicas. Ora, a Cultura é o terreno mais favorável para se privatizar a democracia e tudo o que está em jogo na esfera pública. Exemplo disso é o que acontece no universo das artes, onde tais instâncias sempre se misturaram: os museus paulistas estão cheios de coleções particulares sob sua guarda, na forma de comodato, com verbas públicas e incentivos para conservá-las; as figuras de diretores de instituições culturais coincidem muitas vezes com as de colecionador e dealer; promotores de venda se sobrepõem como conselheiros de museus públicos; institutos culturais de bancos são sustentados com verba pública via 100% de isenção fiscal; e assim vai…
Esta “confusão” de papeis e interesses infelizmente não é nova. O fenômeno tem nome e sobrenome: portas giratórias. É quando um importante funcionário do Estado – como por exemplo um diretor de museu – deixa seu posto no setor público para trabalhar para uma empresa privada obtendo desta forma benefícios de seu emprego público anterior e produzindo conflitos de interesses entre a esfera pública e privada. Igualmente grave e conflituoso é o sentido inverso: quando empresários e altos funcionários de empresas vão trabalhar no poder público para direcionar os gastos públicos sintonizados com os interesses de seus “antigos” empregadores.
Para piorar o quadro, além do senso comum considerar os artistas como “não-trabalhadores”, a produção artística vem sendo reduzida cada vez mais ao seu caráter mercadológico, frequentemente sobreposto às suas capacidades crítica, experimental e transformadora. Neste cenário, proliferam-se “exposições blockbuster” país afora (entenda-se por elas um pacote pronto, geralmente internacional, ancorado em grandes nomes, cujos exemplares se limitam a uma parcela mediana da produção do artista, e que se reserva ao deliverydas itinerâncias, sem perceber os diferentes públicos locais). Constroem-se “museus-eventos” como como cartão-postal da cidade para “bombar” o valor simbólico das grandes capitais (mesmo que eles não possuam nem conteúdo nem acervo que os justifique). E para aquilo que não foi capitalizado pelos megaeventos, a orientação é que aconteça necessariamente na chave do empreendedorismo, do selfmade man.
Na perspectiva do entretenimento, a cultura foi eleita o principal nicho de investimento desde meados dos anos 1990, e hoje parece ter se tornado o remédio para todos os males da sociedade. Não seria de se estranhar que o futuro prefeito da maior cidade brasileira tomasse a secretaria de cultura como órgão estratégico para difundir sua ideologia neoliberal apolítica. A nomeação de Boni, um dos maiores agentes da imprensa (a mais privada imprensa) no Brasil, escancara o jogo de troca de favores entre governo e a grande mídia nacional. O que implica trocar a implementação de programas públicos por gestão de projetos de caráter midiático, que priorizam os interesses particulares e corporativos.
Ao convidar o empresário da grande mídia televisiva (o mesmo cara que em 2011 admitiu ter editado criminosamente, com mentiras sobre Lula, o debate presidencial que elegeu Fernando Collor de Melo), Doria garante a sua aprovação globeleza: substituir os políticos por empresários; privatizar os equipamentos culturais públicos da cidade; fechar a Paulista aos domingos e devolvê-la aos carros; entre outras ambições.
Dos cinco eixos que fundamentam o seu programa de governo na área de cultura, o fortalecimento das parcerias entre setores públicos e privados já está garantido. Resta saber se o 4º item “Ética – cultura como valor de natureza ética” será garantido pelo nosso futuro Secretário de Cultura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente: