sábado, 17 de dezembro de 2016

Supremo investe, de novo, contra o Congresso

Por Haroldo Lima

O Estado de exceção que cresce no país tem tentáculos no Ministério Público Federal, na Polícia Federal, no Congresso, na grande mídia, no empresariado, mas se sustenta no Judiciário. É aí que está o Sergio Moro. E é aí que está o poder de deflagrar, sustar, deixar prosseguir desmandos, abusos e efetuar prisões.

No Judiciário, o Supremo Tribunal Federal é o grande guarda-chuva dessa turma toda. Tem setores e membros próximos dos ideais democráticos e nacionais, mas nem todos.

Tendo em vista que as batalhas mudam a cada hora, mudam também os posicionamentos dessas pessoas. Na batalha do impeachment, por exemplo, houve magistrados com posturas abertamente golpistas.

Como indivíduo, o alvo principal da sanha fascista que se espraia pelo país é o Lula, exposto ao maior linchamento político que já se viu no país, da parte dos que, com o apoio do Judiciário, querem sua prisão, a qualquer custo, para retirá-lo da cena política.

Como instituição, o alvo principal da sanha fascista que se espraia pelo país é o Congresso Nacional, eleito diretamente pelo povo. Em nossa história,sempre que uma ditadura emerge, golpeia o Congresso, fechando-o, ou cassando seus mais destacados membros.

O Congresso atual está extremamente desgastado e desprestigiado junto ao povo por duas razões básicas: pelo conservadorismo exacerbado que nele predomina, o que o faz votar as mais das vezes contra o povo, e por ser vítima da grande mídia que sempre descreve a chamada “classe política”, os deputados e senadores, com as feições mais cruéis, como se fossem os responsáveis por tudo de ruim que acontece.

Em contraposição, paira sobre os ombros togados dos membros do STF uma auréola de gente séria, de respeito, como se todos fossem de alta respeitabilidade, o que não é verdade.

Na batalha política que se trava hoje no Brasil, o Congresso foi freqüentemente pusilânime, sobretudo quando uma de suas Casas, a Câmara, esteve sob o tacão de um político da pior espécie.

Mas, apesar de tudo isso, não se deve perder de vista que um dos esteios do Estado de direito que ainda sobrevive no país, pilar essencial da Constituição em vigor, é a separação entre os Poderes, sua existência como “independentes e harmônicos” (Art 2º, CF), sem subordinação de nenhum a qualquer outro.

Este preceito é tão fundamental que a Constituição o relaciona como “cláusula pétrea” (Art. 60, parágrafo 4º, III).

Para evitar que algum Poder usurpe o Poder de outro e rompa com o Estado de direito democrático, a Constituição define a função e as prerrogativas de cada um, o que é conhecido como Sistema de Freios e Contrapesos. É para que nenhum interfira em nenhum outro.

Nesse período recente, em pouco mais de um ano, o Supremo atentou três vezes contra a independência dos Poderes, intervindo arbitrariamente contra o Legislativo, reinterpretando a letra da Constituição, que, assim, não foi por ele defendida mas conspurcada.

Primeiro. Em 25 de novembro de 2015, o senador Delcídio Amaral foi preso por ordem de um ministro do Supremo. Contra o senador, revelaram-se fatos altamente desabonadores, que chocaram a opinião pública, porque eram imorais. Mas o indecoroso político era senador, no pleno uso de suas funções, e como tal só poderia ser preso, com base na Constituição, “em flagrante de crime inafiançavel” e, mesmo nesse caso, caberia ao Senado “resolver” sobre a continuidade de sua prisão.

O fato é que não houve flagrante contra Delcídio, pelo que ele não poderia ter sido preso. Como o Supremo, através de um de seus membros, mandou prende-lo, teve que se contorcer para acobertar o arbítrio, criando o conceito de “estado de flagrância” e de “crime permanente”, inteiramente estranhos à Constituição, para driblar o límpido preceito constitucional que diz: “os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável” (Art. 53, prg 2º). O pleno do Senado acatou essa prisão arbitrária de um de seus membros, não defendendo as prerrogativas e direitos da Instituição. Poderia colocar o Delcídio em liberdade – fazendo-se respeitar – e, em seguida cassar seu mandato por quebra de decoro.

Segundo. O Supremo decidiu, através de liminar de um de seus membros, a 5 de outubro de 2016, afastar o senador Renan Calheiros do exercício da presidência do Senado, por entender que ele não poderia ter a expectativa de ocupar a presidência da República em caso de afastamento temporário do presidente efetivo. Pelo bom direito, uma decisão por liminar só deve ser expedida ante o “periculum in mora”, ou o perigo da demora, ou seja, ante o risco iminente de acontecer um prejuízo de impossível ou difícil reparação, se a decisão não for tomada.

 No caso, não estava em cogitação nenhum afastamento do presidente da República; se isto viesse a acontecer, não seria o Renan quem o substituiria, mas o Maia. Portanto, não havia risco algum de prejuízo iminente de difícil reparação. O magistrado que expediu a liminar, poderia aguardar o julgamento pelo pleno, em poucos dias. Ademais, a liminar baseava-se em uma decisão do Supremo, estribada em uma votação que não se completara, portanto a decisão não existia. Finalmente, afastava o presidente do Senado, prerrogativa exclusiva do pleno do Senado, podendo tê-lo proibido de assumir a presidência da República, se esta hipótese remota aparecesse, como aliás foi decidido pelo pleno do próprio Supremo.

Terceiro. O Supremo, sempre pela iniciativa isolada de um de seus membros, no dia 14 de dezembro de 2016, expediu liminar ordenando que um projeto a ser apreciado pelo Senado, já devidamente aprovado na Câmara, não mais o fosse, mas deveria retornar à Câmara para que esta anulasse tudo que fez, e votasse tudo de novo, de outra maneira, no suposto de que era uma proposição oriunda de iniciativa popular e que precisava de um rito próprio.

Das três ingerências feitas pelo Supremo no Congresso Nacional, parece-me esta a mais berrante. É “indefensável”, diz Renan, presidente do Senado. É “supressão de direito do parlamentar”, diz Maia, presidente da Câmara.

É minha opinião que todos os parlamentares e políticos contrários à emergência de um Estado de exceção, especialmente os de esquerda, devem se levantar com energia contra esse despautério e buscar resolver a questão sem ser às custas da desmoralização do Congresso.

* Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.

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