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No fim do ano, sem entrevista coletiva ou anúncio no Palácio do Planalto, o presidente Michel Temer fixou em 937 reais o salário mínimo para 2017. O valor é menor do que os 946 reais propostos anteriormente na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no Congresso e, pela primeira vez desde 2003, não terá aumento real, ou seja, correção acima da inflação registrada no período.
Apesar da pouca repercussão, essa decisão é um dos eixos fundamentais da política econômica do governo peemedebista. Com a PEC 55 e a reforma da Previdência, o salário mínimo forma uma trinca de ações que coloca nas costas do trabalhador a conta da crise econômica.
Ao contrário da reforma da Previdência, que ainda precisa ser aprovada no Congresso, e da PEC 55, cujos efeitos começarão a ser sentidos somente em 2018, o reajuste do salário mínimo sem ganho real é o primeiro impacto direto das ações de ajuste estabelecidas pela equipe do ministro Henrique Meirelles, da Fazenda, sobre o bolso do trabalhador.
A conta que levou o governo a definir o mínimo em 937 reais é baseada na estimativa da inflação para 2016, calculada pelo Ministério da Fazenda em 6,74% por meio do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Esse reajuste é menor do que o esperado, porque, anteriormente, a inflação era projetada em 7,5%, o que resultaria no valor de 946 reais. Em justificativa, por meio de nota à imprensa, o governo explicou que apenas aplicou as regras previstas na legislação.
Pela legislação, o reajuste do salário mínimo é feito com base no crescimento econômico de dois anos antes, mais a inflação acumulada do ano anterior. Como não houve crescimento econômico, Temer não deixou de cumprir, de fato, a regra aprovada pelo Congresso Nacional durante a gestão Dilma Rousseff. Quebrou, no entanto, o ciclo de ganhos reais do salário mínimo iniciado há 14 anos pelo governo Lula.
“O que tem por trás disso, na verdade, é uma disposição do governo de, mesmo com a economia crescendo no futuro, limitar os aumentos do salário mínimo à inflação do ano anterior, o que na verdade é um retrocesso”, critica o presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Júlio Miragaya.
Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), de 2003 a 2017, mostram que o salário mínimo foi incrementado em 77% somente com ganhos reais. Para se ter uma ideia, quando esse ciclo começou, o valor nominal do benefício era de 240 reais.
Quando questionado sobre esse tipo de medidas, o governo federal tem repetido o discurso de “sacrifício” e da austeridade para superar o desarranjo das contas públicas. Mas, no mesmo dia em que fixou o valor do mínimo, Temer concedeu um bondoso reajuste para oito categorias de servidores públicos. O impacto estimado é de quase 4 bilhões de reais já neste ano e 11,2 bilhões até 2019.
A austeridade de Michel Temer garantiu, por exemplo, que o salário inicial de diplomata passe de 15.005 reais para 16.935 reais, algo irreal para a maioria da população. Em julho, Temer já havia sancionado reajuste de 41% nos salários dos servidores do Judiciário e aumento salarial de 12% para analistas e técnicos do Ministério Público da União. Um rombo de quase 2 bilhões de reais nos cofres públicos ainda em 2016.
A contradição não constrange apoiadores do governo e o mercado financeiro a propagandearem na mídia o “peso” do mínimo para os gastos da União. O argumento comum é de que 1 real a mais no mínimo representa impacto de 300 milhões de reais ao ano sobre a folha de benefícios da Previdência Social. A conta é correta, mas ignora, porém, os diversos aspectos positivos do benefício, reconhecidos mundialmente.
De acordo com o próprio governo federal, o reajuste do mínimo representa uma injeção na economia de 38,6 bilhões de reais no próximo ano. Para o Dieese, a atualização no valor do salário também é responsável por um aumento de 18 bilhões de reais na arrecadação tributária.
Mas os aspectos mais importantes do mínimo são os saldos sociais gerados pela evolução do valor. Mais do que o Bolsa Família e outros programas de transferência de renda, a política de valorização do salário mínimo é tida como medida fundamental para a redução da desigualdade no Brasil nos últimos anos. É o que afirma, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU) em relatório de 2014, intitulado Humanidade Dividida: Confrontando a Desigualdade nos Países em Desenvolvimento.
Ainda que não seja dito claramente pelo governo, há uma relação clara entre a opção por negar ganho real no benefício em 2017 e as suas políticas econômicas, representadas pela PEC 55 e a reforma da Previdência.
Um cálculo feito pela Fundação Getulio Vargas revela que o mínimo em vigor hoje não seria superior a 400 reais se a PEC 55 tivesse sido aprovada em 1998. A análise é do economista Bráulio Borges, pesquisador associado do Departamento de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
Mais que isso: o Palácio do Planalto confirmou oficialmente, em setembro de 2016, que estuda desvincular o ajuste do salário mínimo da correção nos valores de benefícios como pensão por morte e Benefício de Prestação Continuada, o BPC, destinado a idosos e pessoas impossibilitadas de trabalhar por conta de deficiências.
Isso significa que, num cenário de inflação alta, beneficiários desses programas teriam uma remuneração defasada. Há também a possibilidade de isso se estender para a aposentadoria.
Com esses indícios, o governo sinaliza a disposição de endossar as teses de empresários e do mercado. Essa escolha não é novidade na história econômica brasileira.
A pedido da reportagem de CartaCapital, o Dieese atualizou a evolução do salário mínimo desde 1940, ano em que foi criado, e corrigiu os valores em reais com base no Índice do Custo de Vida (ICV) para a capital paulista em dezembro de 2016, conforme o gráfico que ilustra esta página.
Quando foi instituído por Getúlio Vargas, em 1940, o mínimo equivalia a 1.770,60 pelo atual real e manteve-se nesse patamar até o governo de Eurico Gaspar Dutra, marcado por uma política econômica liberal e de severo arrocho salarial, quando o salário foi reduzido para o equivalente a 761 reais.
“Ao mesmo tempo que cuidou da industrialização e do empresariado, Getúlio também cuidou do trabalhador. Isso é inspirado em políticas da época, o Roosevelt fez isso no New Deal e tem essa ideia de complementaridade entre o capital e o trabalho.
Não adianta você só incentivar o capital, você precisa também incentivar o trabalho”, diz Maria Antonieta Leopoldi, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O valor mais alto do salário mínimo em 1940, em comparação aos padrões atuais, explica-se também porque, na época, era comum que apenas o homem trabalhasse. Isso quer dizer que o salário precisava sustentar uma família inteira.
Durante a ditadura, entre 1960 e 1980, o salário mínimo passa por um período estável, mas com valores mais próximos dos atuais por conta da inserção de outros membros da família no mercado de trabalho.
Nessa época, filhos e mulheres também passam a ter rendimento financeiro. Somente entre 1980 e 1990 que o mínimo sofre uma brutal desvalorização, sendo recuperado então a partir do governo Fernando Henrique Cardoso e, principalmente, no governo Lula.
“Fernando Henrique não tinha uma política salarial, mas, como não havia inflação, o salário valia mais do que nos anos anteriores. Dava a sensação para o trabalhador de que o salário estava valendo mais. Isso até Lula vir com uma política salarial de novo”, observa a professora Maria Antonieta. “Talvez essa tenha sido a melhor época (governo Lula) do valor dos salários, só comparável com o início da história do salário mínimo.”
Ainda que o Brasil tenha experimentado uma valorização exponencial do salário mínimo nos últimos 14 anos, o Dieese estima que o valor esteja longe de satisfazer todas as necessidades do trabalhador. A entidade sindical calcula que, atualmente, seria necessário um rendimento de 3.856,23 reais para que uma pessoa consiga suprir todas as suas necessidades no Brasil.
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