Por Rubens Diniz, no site Carta Maior:
Prestes a completar um ano, o governo Temer sobrevive às fortes turbulências políticas e econômicas, levantando o estandarte das reformas neoliberais. Refém do PSDB, Temer implementa o programa dos tucanos derrotado nas últimas quatro eleições. Sem projeto estratégico claro, a política externa brasileira sofre com o resgate de antigas propostas, como a retomada das negociações para o uso da base de Alcântara pelos EUA. Além de ultraliberal, o governo tucano de Temer guarda traços da conhecida ideologia do “complexo de vira-latas”, que insiste em negar o papel do Brasil e de sua gente no mundo.
A política externa, longe de ser tratada como assunto de Estado, é vista como moeda de troca de apoio político. O Itamaraty é cota do PSDB, seu feudo. Após a saída do breve chanceler José Serra, entra em seu lugar, o Senador Aloysio Nunes (PSDB/SP), também identificado com as tratativas de desnacionalizar o pré-sal a partir do fim do regime de partilha.
Sob a batuta de Serra, o Brasil se orientou por uma visão anacrônica do mundo, um liberalismo fora de época, por critérios ideológicos e atitude hostil no relacionamento com os países da América do Sul. Confundem política de relação permanente com os EUA com ação de subordinação. O único feito, até então, da diplomacia tucana no governo Temer foi suspender a Venezuela do Mercosul, atitude pouco inteligente que ocorre justamente quando os blocos regionais realizam todo tipo de esforço para manter seus membros.
Ao Brasil falta uma orientação clara para sua política externa. A busca por prover resultados rápidos e visíveis, que possam ser capitalizados eleitoralmente, reforça o perfil voluntarista e entreguista de setores nacionais estratégicos. Dentro desta chave, podemos analisar a tentativa de retomada do acordo com os EUA em torno do uso da base de Alcântara.
Alcântara: projeto próprio ou desnacionalização?
Em busca de uma agenda que conseguisse atrair a atenção do governo Trump, o governo Temer, na curta e inócua gestão de José Serra no Itamaraty, vinha tentando discutir com os EUA um novo Acordo de Salvaguardas Tecnológico para usar o Centro de Lançamentos de Alcântara.
A Base de Alcântara, com 620 km2, localiza-se no Maranhão, é o sonho de consumo do setor aeroespacial. Com sua posição equatorial (dois minutos e 18 segundos de latitude sul), oferecendo-lhe vantagem em relação ao movimento de rotação da Terra – facilitando o impulso dos foguetes, menor uso de combustível, o tempo estável torna plausível a realização de lançamentos durante o ano.
O mercado de lançamento de satélites comerciais move bilhões de dólares ao ano. De acordo com a CNI, em 2016, com o lançamento de 21 satélites comerciais se movimentou US$ 2,5 bilhões. A grande maioria deles utiliza órbitas paralelas à linha do Equador. Hoje o principal concorrente do Brasil é o Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, um dos últimos resquícios de colonialismo no continente.
As bases da negociação retomada no governo Temer são desconhecidas, mas se tomarmos como referência a antiga proposta de cooperação, podemos afirmar serem profundamente assimétricas, afetando o Programa Espacial Brasileiro, a soberania e os interesses nacionais. Nela o Brasil deveria assumir compromissos que proibissem a entrada de brasileiros nas áreas de lançamento; a proibição de financiar seu programa espacial com recursos adquiridos com os lançamentos; além de estabelecer restrições para cooperação com outros países.
Os EUA sempre adotaram uma postura obstrucionista frente o desejo do Brasil de desenvolver autonomamente seu programa espacial. Exemplo explícito disto é o telegrama diplomático do embaixador dos EUA no Brasil, tornado público pelo Wikileaks onde afirma categoricamente que “os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”.
É muito difícil que, no governo Trump, os EUA aceitem uma proposta com menor grau de restrições e concessões por parte do Brasil e sua soberania. No entanto ela é ilustrativa da agenda de desnacionalização do governo tucano de Temer; hoje é pré-sal, satélites, amanhã, programa nuclear. O Brasil fica diante da possibilidade de ganhar uns trocados e transformar Alcântara em um enclave neocolonial, uma espécie de Kourou; ou aproveitar a vantagem comparativa que possui e fazer avançar seu Programa Espacial.
Limites e incompreensões em torno dos projetos mobilizadores
Claro, nem todos os problemas referentes ao nosso programa espacial se devem ao acordo com os EUA. Ao longo dos anos o programa espacial brasileiro sofreu grandes embates externos e internos. Sofreu com: a descontinuidade e a falta de recursos financeiros; a espionagem por parte de outros governos (noticiados na FSP em 2013); um acidente nunca esclarecido que ceivou a vida de 21 técnicos e engenheiros; e até mesmo demandas de comunidades quilombolas que reivindicavam a localidade do Centro de Lançamentos.
Não podemos depender de dados de outros países para estabelecer o controle sobre nossas fronteiras, segurança cibernética, ou mesmo de dados sobre o clima para nossa agricultura. O programa espacial é um daqueles projetos mobilizadores, nos quais o país produz grandes saltos, científicos e tecnológicos, com grandes repercussões na economia e na vida das pessoas.
A ideologia do complexo de vira-latas
A reflexão seja sobre nossa atual política externa como no caso em específico do acordo em torno do uso da base de Alcântara nos remetem a uma máxima do escritor Nelson Rodrigues – o complexo de vira-latas –, síntese com a qual o também jornalista descrevia a insistência de certos setores em falar da baixa auto-estima do brasileiro.
Em certa medida tal complexo de vira-latas pode ser interpretado como uma ideologia difusa que permeia parcela de certa elite brasileira, rentista, que, maravilhada com as luzes do cosmopolitismo, só vê aspectos negativos no Brasil, menosprezando a capacidade de realização de sua gente.
Essa ideologia insiste por diversos meios em afirmar que não há possibilidade de desenvolvimento autônomo para uma nação tropical como a nossa. Não há lugar ao sol para a realização nacional, para uma posição proativa do Brasil no mundo. Ela fica explicita na síntese do embaixador do Brasil em Washington, Sergio Amaral: “o Brasil precisa ter uma política externa de resultados modestos”.
Levar um objeto ao espaço, colocar o homem em órbita, estudar o universo é um sonho que persegue o homem. O Brasil tem possibilidades de contribuir para os avanços desta conquista da humanidade. Do mesmo modo tem o que dizer sobre os grandes temas do cenário internacional. No entanto, dois velhos conhecidos, a agenda neoliberal e o complexo de vira-latas, insistem em afirmar que isto é delírio de grandeza. Cabe ao povo fazer valer seus interesses e aspirações, criar meios e materializar suas potencialidades.
* Rubens Diniz é mestre em Relações Internacionais e Integração Regional pela Universidade de São Paulo, diretor da Fundação Mauricio Grabois, e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/ GR-RI.
Prestes a completar um ano, o governo Temer sobrevive às fortes turbulências políticas e econômicas, levantando o estandarte das reformas neoliberais. Refém do PSDB, Temer implementa o programa dos tucanos derrotado nas últimas quatro eleições. Sem projeto estratégico claro, a política externa brasileira sofre com o resgate de antigas propostas, como a retomada das negociações para o uso da base de Alcântara pelos EUA. Além de ultraliberal, o governo tucano de Temer guarda traços da conhecida ideologia do “complexo de vira-latas”, que insiste em negar o papel do Brasil e de sua gente no mundo.
A política externa, longe de ser tratada como assunto de Estado, é vista como moeda de troca de apoio político. O Itamaraty é cota do PSDB, seu feudo. Após a saída do breve chanceler José Serra, entra em seu lugar, o Senador Aloysio Nunes (PSDB/SP), também identificado com as tratativas de desnacionalizar o pré-sal a partir do fim do regime de partilha.
Sob a batuta de Serra, o Brasil se orientou por uma visão anacrônica do mundo, um liberalismo fora de época, por critérios ideológicos e atitude hostil no relacionamento com os países da América do Sul. Confundem política de relação permanente com os EUA com ação de subordinação. O único feito, até então, da diplomacia tucana no governo Temer foi suspender a Venezuela do Mercosul, atitude pouco inteligente que ocorre justamente quando os blocos regionais realizam todo tipo de esforço para manter seus membros.
Ao Brasil falta uma orientação clara para sua política externa. A busca por prover resultados rápidos e visíveis, que possam ser capitalizados eleitoralmente, reforça o perfil voluntarista e entreguista de setores nacionais estratégicos. Dentro desta chave, podemos analisar a tentativa de retomada do acordo com os EUA em torno do uso da base de Alcântara.
Alcântara: projeto próprio ou desnacionalização?
Em busca de uma agenda que conseguisse atrair a atenção do governo Trump, o governo Temer, na curta e inócua gestão de José Serra no Itamaraty, vinha tentando discutir com os EUA um novo Acordo de Salvaguardas Tecnológico para usar o Centro de Lançamentos de Alcântara.
A Base de Alcântara, com 620 km2, localiza-se no Maranhão, é o sonho de consumo do setor aeroespacial. Com sua posição equatorial (dois minutos e 18 segundos de latitude sul), oferecendo-lhe vantagem em relação ao movimento de rotação da Terra – facilitando o impulso dos foguetes, menor uso de combustível, o tempo estável torna plausível a realização de lançamentos durante o ano.
O mercado de lançamento de satélites comerciais move bilhões de dólares ao ano. De acordo com a CNI, em 2016, com o lançamento de 21 satélites comerciais se movimentou US$ 2,5 bilhões. A grande maioria deles utiliza órbitas paralelas à linha do Equador. Hoje o principal concorrente do Brasil é o Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, um dos últimos resquícios de colonialismo no continente.
As bases da negociação retomada no governo Temer são desconhecidas, mas se tomarmos como referência a antiga proposta de cooperação, podemos afirmar serem profundamente assimétricas, afetando o Programa Espacial Brasileiro, a soberania e os interesses nacionais. Nela o Brasil deveria assumir compromissos que proibissem a entrada de brasileiros nas áreas de lançamento; a proibição de financiar seu programa espacial com recursos adquiridos com os lançamentos; além de estabelecer restrições para cooperação com outros países.
Os EUA sempre adotaram uma postura obstrucionista frente o desejo do Brasil de desenvolver autonomamente seu programa espacial. Exemplo explícito disto é o telegrama diplomático do embaixador dos EUA no Brasil, tornado público pelo Wikileaks onde afirma categoricamente que “os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”.
É muito difícil que, no governo Trump, os EUA aceitem uma proposta com menor grau de restrições e concessões por parte do Brasil e sua soberania. No entanto ela é ilustrativa da agenda de desnacionalização do governo tucano de Temer; hoje é pré-sal, satélites, amanhã, programa nuclear. O Brasil fica diante da possibilidade de ganhar uns trocados e transformar Alcântara em um enclave neocolonial, uma espécie de Kourou; ou aproveitar a vantagem comparativa que possui e fazer avançar seu Programa Espacial.
Limites e incompreensões em torno dos projetos mobilizadores
Claro, nem todos os problemas referentes ao nosso programa espacial se devem ao acordo com os EUA. Ao longo dos anos o programa espacial brasileiro sofreu grandes embates externos e internos. Sofreu com: a descontinuidade e a falta de recursos financeiros; a espionagem por parte de outros governos (noticiados na FSP em 2013); um acidente nunca esclarecido que ceivou a vida de 21 técnicos e engenheiros; e até mesmo demandas de comunidades quilombolas que reivindicavam a localidade do Centro de Lançamentos.
Não podemos depender de dados de outros países para estabelecer o controle sobre nossas fronteiras, segurança cibernética, ou mesmo de dados sobre o clima para nossa agricultura. O programa espacial é um daqueles projetos mobilizadores, nos quais o país produz grandes saltos, científicos e tecnológicos, com grandes repercussões na economia e na vida das pessoas.
A ideologia do complexo de vira-latas
A reflexão seja sobre nossa atual política externa como no caso em específico do acordo em torno do uso da base de Alcântara nos remetem a uma máxima do escritor Nelson Rodrigues – o complexo de vira-latas –, síntese com a qual o também jornalista descrevia a insistência de certos setores em falar da baixa auto-estima do brasileiro.
Em certa medida tal complexo de vira-latas pode ser interpretado como uma ideologia difusa que permeia parcela de certa elite brasileira, rentista, que, maravilhada com as luzes do cosmopolitismo, só vê aspectos negativos no Brasil, menosprezando a capacidade de realização de sua gente.
Essa ideologia insiste por diversos meios em afirmar que não há possibilidade de desenvolvimento autônomo para uma nação tropical como a nossa. Não há lugar ao sol para a realização nacional, para uma posição proativa do Brasil no mundo. Ela fica explicita na síntese do embaixador do Brasil em Washington, Sergio Amaral: “o Brasil precisa ter uma política externa de resultados modestos”.
Levar um objeto ao espaço, colocar o homem em órbita, estudar o universo é um sonho que persegue o homem. O Brasil tem possibilidades de contribuir para os avanços desta conquista da humanidade. Do mesmo modo tem o que dizer sobre os grandes temas do cenário internacional. No entanto, dois velhos conhecidos, a agenda neoliberal e o complexo de vira-latas, insistem em afirmar que isto é delírio de grandeza. Cabe ao povo fazer valer seus interesses e aspirações, criar meios e materializar suas potencialidades.
* Rubens Diniz é mestre em Relações Internacionais e Integração Regional pela Universidade de São Paulo, diretor da Fundação Mauricio Grabois, e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/ GR-RI.
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