Por Piero Locatelli, no site Repórter Brasil:
Mais trabalhadores podem morrer em acidentes na construção civil em decorrência de decisões a serem tomadas nas próximas semanas pela Câmara dos Deputados. O presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou que votará até março um projeto que libera a terceirização, sem passar pelo senado. Ainda mais liberal do que os projetos em discussão há mais de dois anos no Congresso, o projeto em questão foi apresentado há 19 anos pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na prática o texto de FHC permite a liberação irrestrita terceirização, sem a maior parte das regras de proteção ao trabalhador que estão em debate.
A terceirização como já existe hoje está diretamente relacionada à maior ocorrência de acidentes fatais no trabalho, apontam estudos e especialistas. Isso ocorre porque grandes empresas subcontratam empresas menores, por sua vez menos capacitadas para garantir a proteção de seus funcionários. “A terceirização mata, discrimina, e desiguala os trabalhadores”, diz a desembargadora aposentada Magda Barros Biavaschi, que coordena projeto de pesquisa relacionado à prática no Instituto de Economia da Unicamp e é uma das coordenadoras do Fórum em Defesa dos Trabalhadores Atingidos pela Terceirização.
Se aprovada, a lei vai autorizar uma prática problemática que já existe, mas que é freada pelas contestações na justiça. Com a liberação, a tendência é que passe a ser disseminada, aumentando os casos de acidentes. A relação entre terceirização e a morte em serviço é clara em diversos setores, segundo estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) feito a partir de relatórios publicados por empresas. Na Petrobras, por exemplo, 85 dos 99 trabalhadores que morreram entre 2005 e 2012 eram terceirizados. O mesmo padrão é visto em empresas do setor elétrico e de celulose. Leia o estudo do Dieese.
A construção civil, o setor que mais mata no país, é uma das áreas que mais pode ser afetada pela liberação irrestrita da terceirização. Com menos estrutura que as empresas contratantes, as subcontratadas deixam os trabalhadores em condições mais frágeis nos canteiros de obras. Marcos Chaves, 20 anos, morreu ao cair de uma torre elétrica em 2013. O cabo que o segurava a dez metros do chão se rompeu, e ele não resistiu à queda. Chaves trabalhava para uma empresa terceirizada da Copel, a Companhia Paranaense de Energia.
A empresa terceirizada não havia previsto falhas no sistema, segundo concluiu decisão judicial deste ano. A juíza relatora do caso, Thereza Cristina Gosdal, afirmou que a companhia elétrica, de “grande poder econômico”, foi negligente, já que não havia feito a “supervisão correta e acorde com o perigo da tarefa realizada.” Leia a íntegra da decisão.
Por que os terceirizados morrem mais?
A liberação da prática dificultaria, em muito, identificar os verdadeiros responsáveis pelas mortes na construção civil, argumenta o auditor fiscal do trabalho Otávio Kolowski Rodrigues. responsável por investigar acidentes fatais na região de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Sem a devida punição, a falta de cuidado com segurança dentro do canteiro de obras tende a aumentar.
Dedicado a investigar as causas dos acidentes trabalhistas graves e fatais, Rodrigues argumenta que sua experiência prática não deixa dúvidas: o número de mortes na construção civil aumentaria com a terceirização liberada.
Para explicar os acidentes, o auditor divide a terceirização em dois grupos: a terceirização “legítima”, quando uma empresa realmente presta serviço à outra, e o que ele chama de “laranjização”, quando uma empresa é criada para simular uma contratação. No primeiro caso, uma grande construtora subcontrata uma empreiteira menor, e passa a ela uma parte do canteiro de obra ou um serviço específico. A empresa terceirizada nem sempre tem dinheiro em caixa ou qualificação técnica e, dessa forma, acaba aumentando os riscos ao trabalhador.
O segundo caso, a “laranjização”, acontece quando uma construtora simula a contratação de outra firma, que não passa de uma empresa de fachada. Essas seriam onde ocorrem os piores casos. “A empresa chama um mestre de obras e o obriga a montar uma empreiteira, que nada mais é do que ele mesmo,” diz Otávio. “Dessa forma, existe uma sonegação sistemática de direitos trabalhistas, e isso acaba inevitavelmente afetando as condições de segurança de trabalho.”
A maioria dessas empresas terceirizadas tampouco têm registro profissional no Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia). O exercício ilegal da profissão, típico das empresas menores e subcontratadas, traz mais riscos aos trabalhadores devido à falta de experiência dos profissionais e supervisão das atividades. “Quanto menos a gente vê planejamento técnico e a presença de engenheiro em obras, maiores são as condições de risco,” explica Rodrigues.
A terceirização como já existe hoje está diretamente relacionada à maior ocorrência de acidentes fatais no trabalho, apontam estudos e especialistas. Isso ocorre porque grandes empresas subcontratam empresas menores, por sua vez menos capacitadas para garantir a proteção de seus funcionários. “A terceirização mata, discrimina, e desiguala os trabalhadores”, diz a desembargadora aposentada Magda Barros Biavaschi, que coordena projeto de pesquisa relacionado à prática no Instituto de Economia da Unicamp e é uma das coordenadoras do Fórum em Defesa dos Trabalhadores Atingidos pela Terceirização.
Se aprovada, a lei vai autorizar uma prática problemática que já existe, mas que é freada pelas contestações na justiça. Com a liberação, a tendência é que passe a ser disseminada, aumentando os casos de acidentes. A relação entre terceirização e a morte em serviço é clara em diversos setores, segundo estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) feito a partir de relatórios publicados por empresas. Na Petrobras, por exemplo, 85 dos 99 trabalhadores que morreram entre 2005 e 2012 eram terceirizados. O mesmo padrão é visto em empresas do setor elétrico e de celulose. Leia o estudo do Dieese.
A construção civil, o setor que mais mata no país, é uma das áreas que mais pode ser afetada pela liberação irrestrita da terceirização. Com menos estrutura que as empresas contratantes, as subcontratadas deixam os trabalhadores em condições mais frágeis nos canteiros de obras. Marcos Chaves, 20 anos, morreu ao cair de uma torre elétrica em 2013. O cabo que o segurava a dez metros do chão se rompeu, e ele não resistiu à queda. Chaves trabalhava para uma empresa terceirizada da Copel, a Companhia Paranaense de Energia.
A empresa terceirizada não havia previsto falhas no sistema, segundo concluiu decisão judicial deste ano. A juíza relatora do caso, Thereza Cristina Gosdal, afirmou que a companhia elétrica, de “grande poder econômico”, foi negligente, já que não havia feito a “supervisão correta e acorde com o perigo da tarefa realizada.” Leia a íntegra da decisão.
Por que os terceirizados morrem mais?
A liberação da prática dificultaria, em muito, identificar os verdadeiros responsáveis pelas mortes na construção civil, argumenta o auditor fiscal do trabalho Otávio Kolowski Rodrigues. responsável por investigar acidentes fatais na região de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Sem a devida punição, a falta de cuidado com segurança dentro do canteiro de obras tende a aumentar.
Dedicado a investigar as causas dos acidentes trabalhistas graves e fatais, Rodrigues argumenta que sua experiência prática não deixa dúvidas: o número de mortes na construção civil aumentaria com a terceirização liberada.
Para explicar os acidentes, o auditor divide a terceirização em dois grupos: a terceirização “legítima”, quando uma empresa realmente presta serviço à outra, e o que ele chama de “laranjização”, quando uma empresa é criada para simular uma contratação. No primeiro caso, uma grande construtora subcontrata uma empreiteira menor, e passa a ela uma parte do canteiro de obra ou um serviço específico. A empresa terceirizada nem sempre tem dinheiro em caixa ou qualificação técnica e, dessa forma, acaba aumentando os riscos ao trabalhador.
O segundo caso, a “laranjização”, acontece quando uma construtora simula a contratação de outra firma, que não passa de uma empresa de fachada. Essas seriam onde ocorrem os piores casos. “A empresa chama um mestre de obras e o obriga a montar uma empreiteira, que nada mais é do que ele mesmo,” diz Otávio. “Dessa forma, existe uma sonegação sistemática de direitos trabalhistas, e isso acaba inevitavelmente afetando as condições de segurança de trabalho.”
A maioria dessas empresas terceirizadas tampouco têm registro profissional no Crea (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia). O exercício ilegal da profissão, típico das empresas menores e subcontratadas, traz mais riscos aos trabalhadores devido à falta de experiência dos profissionais e supervisão das atividades. “Quanto menos a gente vê planejamento técnico e a presença de engenheiro em obras, maiores são as condições de risco,” explica Rodrigues.
Corrida pela terceirização
Longe dos canteiros de obras onde morrem os trabalhadores terceirizados, deputados, senadores e ministros trabalham para liberar a prática. Sob a pressão do Planalto e de setores empresariais, os dois poderes voltaram a debater a legalidade da subcontratação.
A terceirização em “atividades fim”, quando uma empresa subcontrata outra para executar sua atividade principal, é proibida atualmente graças a uma regra do Tribunal Superior do Trabalho, a Súmula 331. O tribunal só permite a subcontratação de “atividades meio”, aquelas sem relação direta com o objetivo principal da empresa, como segurança e limpeza. Além disso, segundo o entendimento jurídico atual, o contratante deve responder pelos problemas trabalhistas da contratada, a chamada “responsabilidade solidária”.
Esse entendimento pode mudar quando o Supremo Tribunal Federal decidir, a partir do caso de uma empresa de celulose, se a Súmula 331 do TST continua ou não em vigor. Caso o tribunal derrube a súmula, a terceirização ficará completamente liberada e as pequenas empresas subcontratadas serão as únicas responsáveis pelos acidentes e demais violações de direitos trabalhistas.
Após o Supremo colocar a questão em pauta, em 9 de novembro, a Câmara dos Deputados resgatou o projeto de FHC ainda em seu primeiro mandato, em 1998. O projeto, que prevê o fim da responsabilização pelas empresas contratantes, já foi aprovado pela Câmara e pelo Senado, mas estava há oito anos parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara.
O relator, deputado federal Laercio Oliveira (SD-SE), argumenta que a terceirização deve ser liberada “prezando pela clareza e pela preservação máxima da livre iniciativa”. Segundo o seu relatório, as empresas necessitam da terceirização para “a formação de redes de produção, uso intensivo de tecnologia da informação, e ganhos de produtividade.” Leia a íntegra do projeto
Em ambos os casos, Câmara ou STF, a subcontratação de qualquer atividade pode ser liberada e não haveria responsabilização direta pelos problemas nas terceirizadas. Uma mudança que está em sintonia com reivindicações feitas pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e outras entidades empresariais.
A organização que representa a indústria também pressiona para que a mesma mudança ocorra em outro projeto de lei, em discussão no Senado. Aprovado na Câmara dos Deputados em abril do ano passado, o Projeto de Lei da Câmara nº 30 de 2015 liberava qualquer tipo de terceirização, mas responsabilizava a empresa contratante pelos problemas trabalhistas da subcontratada.
As diversas esferas onde o debate ocorre refletem a mesma disputa entre empregados e empregadores, argumenta Magda Barros Biavaschi, que é coordenadora do Fórum em Defesa dos Trabalhadores Atingidos pela Terceirização. Entidades sindicais, associações de magistrados e de procuradores, que fazem parte do fórum, argumentam que o direito à livre iniciativa não pode prevalecer sobre os direitos dos trabalhadores.
As diversas esferas onde o debate ocorre refletem a mesma disputa entre empregados e empregadores, argumenta Magda Barros Biavaschi, que é coordenadora do Fórum em Defesa dos Trabalhadores Atingidos pela Terceirização. Entidades sindicais, associações de magistrados e de procuradores, que fazem parte do fórum, argumentam que o direito à livre iniciativa não pode prevalecer sobre os direitos dos trabalhadores.
Longe dos canteiros de obras onde morrem os trabalhadores terceirizados, deputados, senadores e ministros trabalham para liberar a prática. Sob a pressão do Planalto e de setores empresariais, os dois poderes voltaram a debater a legalidade da subcontratação.
A terceirização em “atividades fim”, quando uma empresa subcontrata outra para executar sua atividade principal, é proibida atualmente graças a uma regra do Tribunal Superior do Trabalho, a Súmula 331. O tribunal só permite a subcontratação de “atividades meio”, aquelas sem relação direta com o objetivo principal da empresa, como segurança e limpeza. Além disso, segundo o entendimento jurídico atual, o contratante deve responder pelos problemas trabalhistas da contratada, a chamada “responsabilidade solidária”.
Esse entendimento pode mudar quando o Supremo Tribunal Federal decidir, a partir do caso de uma empresa de celulose, se a Súmula 331 do TST continua ou não em vigor. Caso o tribunal derrube a súmula, a terceirização ficará completamente liberada e as pequenas empresas subcontratadas serão as únicas responsáveis pelos acidentes e demais violações de direitos trabalhistas.
Após o Supremo colocar a questão em pauta, em 9 de novembro, a Câmara dos Deputados resgatou o projeto de FHC ainda em seu primeiro mandato, em 1998. O projeto, que prevê o fim da responsabilização pelas empresas contratantes, já foi aprovado pela Câmara e pelo Senado, mas estava há oito anos parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara.
O relator, deputado federal Laercio Oliveira (SD-SE), argumenta que a terceirização deve ser liberada “prezando pela clareza e pela preservação máxima da livre iniciativa”. Segundo o seu relatório, as empresas necessitam da terceirização para “a formação de redes de produção, uso intensivo de tecnologia da informação, e ganhos de produtividade.” Leia a íntegra do projeto
Em ambos os casos, Câmara ou STF, a subcontratação de qualquer atividade pode ser liberada e não haveria responsabilização direta pelos problemas nas terceirizadas. Uma mudança que está em sintonia com reivindicações feitas pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e outras entidades empresariais.
A organização que representa a indústria também pressiona para que a mesma mudança ocorra em outro projeto de lei, em discussão no Senado. Aprovado na Câmara dos Deputados em abril do ano passado, o Projeto de Lei da Câmara nº 30 de 2015 liberava qualquer tipo de terceirização, mas responsabilizava a empresa contratante pelos problemas trabalhistas da subcontratada.
As diversas esferas onde o debate ocorre refletem a mesma disputa entre empregados e empregadores, argumenta Magda Barros Biavaschi, que é coordenadora do Fórum em Defesa dos Trabalhadores Atingidos pela Terceirização. Entidades sindicais, associações de magistrados e de procuradores, que fazem parte do fórum, argumentam que o direito à livre iniciativa não pode prevalecer sobre os direitos dos trabalhadores.
As diversas esferas onde o debate ocorre refletem a mesma disputa entre empregados e empregadores, argumenta Magda Barros Biavaschi, que é coordenadora do Fórum em Defesa dos Trabalhadores Atingidos pela Terceirização. Entidades sindicais, associações de magistrados e de procuradores, que fazem parte do fórum, argumentam que o direito à livre iniciativa não pode prevalecer sobre os direitos dos trabalhadores.
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