Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Se a luta contra a opressão da mulher é uma das causas mais nobres da existência humana, o sempre catastrófico governo de Michel Temer produziu um motivo especial para que brasileiras e brasileiros participem dos protestos convocados para esta quarta-feira, Dia Internacional da Mulher.
No esforço máximo para reduzir direitos mínimos, cortar benefícios e engordar os cofres de seus patrões do mercado financeiro – o único setor que este governo teme desagradar, apesar do peso social ínfimo – a reforma da Previdência 'em debate' (as aspas aqui são indispensáveis) no Congresso inclui um ponto que parecia fora de cogitação do ponto de vista da proteção social e dos direitos básicos da maioria.
Estou falando da ideia de obrigar as mulheres a trabalhar o mesmo período do que os homens para ter direito a aposentadoria. Como se sabe, caso a reforma seja aprovada, elas terão de trabalhar cinco a mais do que hoje.
A proposta de reforma reúne diversas mudanças nefastas em nosso sistema público de aposentadorias, uma conquista histórica que funciona de forma equilibrada, coerente com um país de renda média como o Brasil. Salvo aberrações oferecidas a setores tratados a pão de ló, que a covardia de nosso sistema político não ousa enquadrar com o devido espírito igualitário, a Previdência consegue garantir à maioria da população uma existência num patamar mínimo de dignidade no fim da vida.
Nesta situação, pela perversidade intrínseca, poucas iniciativas podem ser comparadas à tentativa de ampliar o tempo de contribuição das mulheres, para que se torne igual ao dos homens. Num projeto onde o tempo de contribuição salta de 35 para 49 anos, no caso das mulheres estamos falando de cinco anos a mais.
É aquela iniciativa que, pelo barbarismo, costuma ser impensável em tempos políticos normais, quando os mais fracos têm direito a uma dose mínima de respeito, pois penaliza quem já sofre mais, e os governantes evitam avançar o sinal sob o risco de apertar demais o parafuso social e político.
Para começar, vivemos num país onde a dupla jornada de trabalho da mulher é uma realidade nua, crua e sofrida – como qualquer olhar honesto sobre nossa vida doméstica pode constatar sem dificuldade, inclusive com a memória da infância.
As assalariadas brasileiras têm oportunidades menores de ocupar postos de chefia, enfrentam maiores dificuldades de ascensão e já ingressam no mercado de trabalho para receber salários inferiores. Contando os anos de trabalho informal, algumas vezes na pré-adolescência e até antes, as meninas costumam ser obrigadas a ajudar no orçamento da casa – mesmo na forma de serviço doméstico gratuito – muito mais cedo do que os meninos.
Nesta situação, as mulheres podem até acumular anos melhores de estudo, mas têm uma renda que equivale à 70% daquilo que os homens recebem para exercer funções equivalentes. É uma diferença grave do ponto de vista da igualdade entre cidadãos. Mas não só.
Mesmo examinada dentro da lógica geral das mudanças que o governo anuncia que pretende implementar na Previdência o resultado é danoso. A essência do projeto Temer-Meirelles consiste em reanimar o velho conto da Carochinha do individualismo em direitos sociais: anunciar que será possível substituir as perdas que cada pessoa terá no sistema público pelo reforço nos ganhos com a poupança privada, onde cada um cuida do que é seu. Menos Estado, mais indivíduos.
Ocorre que, como o próprio nome diz, a matéria-prima de um sistema privado são rendas privadas – e aqui estamos falando de quem recebe 30% a menos, num país onde a renda geral, mesmo da maioria dos homens e mulheres, já é muito baixa, o que explica a baixa poupança do país.
Além de envolver a reprise de um filme que deu errado duas décadas atrás, quando inventou-se uma previdência complementar que só atraiu os fregueses de sempre – a turma da alta renda – no caso da clientela feminina a ideia está condenada por falta de proteína básica para participar do jogo.
Depois de articular o golpe que derrubou a primeira mulher a ocupar a presidência da República, fato que obrigatoriamente será lembrado no dia de hoje, o governo Temer chega ao 8 de março com uma proposta especialmente perversa voltada para a população feminina do país. Não quer negociar, não tem benefícios a oferecer, nem barganhas a realizar. Quer derrotar e humilhar, atitude que equivale a produzir dor e sofrimento sem admitir qualquer responsabilidade, sequer solidária, jogando nas costas das mulheres a conta mais salgada da reforma da Previdência.
Se a luta contra a opressão da mulher é uma das causas mais nobres da existência humana, o sempre catastrófico governo de Michel Temer produziu um motivo especial para que brasileiras e brasileiros participem dos protestos convocados para esta quarta-feira, Dia Internacional da Mulher.
No esforço máximo para reduzir direitos mínimos, cortar benefícios e engordar os cofres de seus patrões do mercado financeiro – o único setor que este governo teme desagradar, apesar do peso social ínfimo – a reforma da Previdência 'em debate' (as aspas aqui são indispensáveis) no Congresso inclui um ponto que parecia fora de cogitação do ponto de vista da proteção social e dos direitos básicos da maioria.
Estou falando da ideia de obrigar as mulheres a trabalhar o mesmo período do que os homens para ter direito a aposentadoria. Como se sabe, caso a reforma seja aprovada, elas terão de trabalhar cinco a mais do que hoje.
A proposta de reforma reúne diversas mudanças nefastas em nosso sistema público de aposentadorias, uma conquista histórica que funciona de forma equilibrada, coerente com um país de renda média como o Brasil. Salvo aberrações oferecidas a setores tratados a pão de ló, que a covardia de nosso sistema político não ousa enquadrar com o devido espírito igualitário, a Previdência consegue garantir à maioria da população uma existência num patamar mínimo de dignidade no fim da vida.
Nesta situação, pela perversidade intrínseca, poucas iniciativas podem ser comparadas à tentativa de ampliar o tempo de contribuição das mulheres, para que se torne igual ao dos homens. Num projeto onde o tempo de contribuição salta de 35 para 49 anos, no caso das mulheres estamos falando de cinco anos a mais.
É aquela iniciativa que, pelo barbarismo, costuma ser impensável em tempos políticos normais, quando os mais fracos têm direito a uma dose mínima de respeito, pois penaliza quem já sofre mais, e os governantes evitam avançar o sinal sob o risco de apertar demais o parafuso social e político.
Para começar, vivemos num país onde a dupla jornada de trabalho da mulher é uma realidade nua, crua e sofrida – como qualquer olhar honesto sobre nossa vida doméstica pode constatar sem dificuldade, inclusive com a memória da infância.
As assalariadas brasileiras têm oportunidades menores de ocupar postos de chefia, enfrentam maiores dificuldades de ascensão e já ingressam no mercado de trabalho para receber salários inferiores. Contando os anos de trabalho informal, algumas vezes na pré-adolescência e até antes, as meninas costumam ser obrigadas a ajudar no orçamento da casa – mesmo na forma de serviço doméstico gratuito – muito mais cedo do que os meninos.
Nesta situação, as mulheres podem até acumular anos melhores de estudo, mas têm uma renda que equivale à 70% daquilo que os homens recebem para exercer funções equivalentes. É uma diferença grave do ponto de vista da igualdade entre cidadãos. Mas não só.
Mesmo examinada dentro da lógica geral das mudanças que o governo anuncia que pretende implementar na Previdência o resultado é danoso. A essência do projeto Temer-Meirelles consiste em reanimar o velho conto da Carochinha do individualismo em direitos sociais: anunciar que será possível substituir as perdas que cada pessoa terá no sistema público pelo reforço nos ganhos com a poupança privada, onde cada um cuida do que é seu. Menos Estado, mais indivíduos.
Ocorre que, como o próprio nome diz, a matéria-prima de um sistema privado são rendas privadas – e aqui estamos falando de quem recebe 30% a menos, num país onde a renda geral, mesmo da maioria dos homens e mulheres, já é muito baixa, o que explica a baixa poupança do país.
Além de envolver a reprise de um filme que deu errado duas décadas atrás, quando inventou-se uma previdência complementar que só atraiu os fregueses de sempre – a turma da alta renda – no caso da clientela feminina a ideia está condenada por falta de proteína básica para participar do jogo.
Depois de articular o golpe que derrubou a primeira mulher a ocupar a presidência da República, fato que obrigatoriamente será lembrado no dia de hoje, o governo Temer chega ao 8 de março com uma proposta especialmente perversa voltada para a população feminina do país. Não quer negociar, não tem benefícios a oferecer, nem barganhas a realizar. Quer derrotar e humilhar, atitude que equivale a produzir dor e sofrimento sem admitir qualquer responsabilidade, sequer solidária, jogando nas costas das mulheres a conta mais salgada da reforma da Previdência.
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