Por Roberto Amaral, em seu blog:
A chamada reforma política, há tanto requerida por gregos e troianos – sua necessidade e urgência talvez seja a única unanimidade de nossos tempos – far-se-á em momento inadequado e, por tudo o que é sabido, não será, ainda, a reforma necessária. Esta deverá esperar outras circunstâncias, como uma Constituinte com condições políticas de passar o País a limpo.
Na realidade, o que nos é apresentado são tentativas de correção do processo eleitoral sem qualquer incursão na legislação partidária, e muito menos nas funções e competência do Poder Judiciário, mormente o Tribunal Superior Eleitoral. Não se cogita, não se pode cogitar, da reforma do Estado. Qualquer que seja o alcance dessa reforma em gestação no Congresso, será, portanto, uma minirreforma capenga. Uma entre tantas das muitas que vêm sendo ditadas desde 1985. Para usar um termo em uso na República de Temer, uma ‘pinguela’ para podermos chegar a 2018 com uma ordem jurídica razoavelmente conhecida, sem abalos de última hora, sem golpes legislativos ou judiciais.
Os momentos de crise, e crise profunda como a que o País está vivendo, são os menos indicados para reformas políticas, e ainda menos aconselhável é que essas reformas fiquem à conta de um Parlamento e de partidos que nada representam: a crise fundamental é de legitimidade dos poderes. Mas é o que temos e sobre todas essas contingências negativas, sobreleva a certeza consensual segundo a qual não teremos eleições minimamente legítimas e legitimadoras se a atual legislação, condenada, não for alterada. Vamos, então, para mais um arremedo.
Nesses termos, se a reforma política necessária ainda não está na ordem do dia – porque não atenderá aos interesses da nova hegemonia que tomou de assalto o Estado e controla o Congresso –, tratemos da reforma possível, segundo as condições disponíveis. Nesse sentido caminha o relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP).
Duas de suas propostas, cruciais, exigem emenda constitucional, o que pode retardar a reforma, que, assim, mais uma vez será implantada por etapas, portanto carente de uma lógica interna. São elas o fim da reeleição para todos os níveis do Executivo (acompanhada do aumento dos respectivos mandatos de quatro para cinco anos), e, finalmente, a instituição de mandato de dez anos, não renováveis, para ministros e membros das Cortes, como o Supremo Tribunal Federal. É evidente que essa só medida não corrige as mazelas todas do nosso lamentável e antidemocrático Poder Judiciário em suas diversas instâncias, mas é alvissareiro ponto de partida.
O relator também incorpora a instituição da chamada ‘lista fechada’ para as eleições parlamentares, mediante a qual a ordem dos possíveis eleitos é predeterminada pelo partido. O eleitor, ao invés de, como até aqui, votar num determinado candidato, vota num partido, uma ficção no lamentável quadro político brasileiro. Esta tese foi sempre defendida pelo campo das esquerdas (cujos partidos são aqueles que mais guardam organicidade), e combatida pela direita e pelo ‘Centrão’, no Congresso, mas agora é ardentemente defendida pelas lideranças dos grandes partidos conservadores – PMDB, PSDB, DEM et caterva – e, significativamente, contra ela se insurge a grande imprensa, que vê na medida uma artimanha para salvar os mandatos de parlamentares acusados de irregularidades e, assim, carentes de apoio popular (isto é, votos).
Há, porém, a este propósito, uma questão de fundo: a já referida falência de nosso sistema de partidos, siglas na sua maioria administradas por gerentes ou caciques e suas oligarquias, em quase todos os casos sem qualquer prática de democracia interna. Na verdade, dominada a ordenação das listas pelas direções partidárias, o novo sistema terminará por converter-se em instrumento conservador de mandatos, fortalecendo as oligarquias partidárias e dificultando a sempre necessária renovação de mandatos parlamentares.
Não é possível uma reforma qualquer, nesse aspecto, se não se cogita de por em debate a atual legislação partidária.
Outro antigo pleito acolhido pelo deputado Vicente Cândido é o fim das coligações nas eleições proporcionais, mas ele se esquece de instituir, pari passu, a federação de partidos. Assim, com o bom propósito de punir as siglas de aluguel e negócios escusos, se estará, na verdade, impedindo que correntes ideológicas no extremo do espectro político tenham representação no Congresso.
Há questões graves que permanecem intocadas, a saber, o rateio do fundo partidário e do tempo de televisão, fundamentais nas campanhas. É evidente que é necessário exigir-se um razoável desempenho eleitoral, tanto para que o partido tenha representação parlamentar, quanto para que tenha acesso a tempo de televisão – em regra utilizado pelas siglas comerciais, a maioria, para vender coligações nos pleitos majoritários, quando o desempenho no horário eleitoral gerido pelo TSE torna-se decisivo.
A propósito de TSE, a reforma não cogita de pôr cobro ao seu nocivo hábito de, a pretexto de regulamentar a legislação em cada eleição, mesmo quando não há alteração legislativa, ingressar no velho vezo, que terá aprendido com o Supremo, de atuar como se fora poder legiferante.
O financiamento público das campanhas – a realidade grita – é medida inadiável e necessária, e o Fundo Eleitoral precisará de régua e compasso para assegurar que a isonomia partidária não se transforme em instrumento de pulverização dos recursos púbicos, ou que estes se tornem mais um instrumento de poder das oligarquias partidárias.
Mas precisa complementar-se com a drástica redução dos custos das campanhas eleitorais, comandadas – com as estarrecedoras e conhecidas consequências – por marqueteiros desvinculados da política ou de qualquer juízo ideológico, cujo papel, milionário, é o de intervir para manipular a opinião dos eleitores com artifícios alheios à política, de particular nos programas de televisão. Estes deverão ser postos a serviço da transparência, seu conteúdo deve ser tão-só o discurso puro e limpo do candidato, sem participação de terceiros, sem truques e sem trucagens e sem os conhecidos recursos da mídia comercial.
As dificuldades visando à implantação dessas medidas, tão poucas, e o relator merece nossas homenagens, são indicativas da crise política que, não podendo sanar, a reforma de hoje tenta contornar.
Não é ainda a travessia para um regime legítimo, popular, representativo, mas é o primeiro e necessário passo para que, asseguradas as eleições de 2018, possamos partir para uma Constituinte que, legítima e legitimadora, reconstrua a ordem constitucional-democrática comprometida com a emergência das massas e o aprofundamento da democracia que, curando a democracia representativa de suas limitações de hoje, caminhe para a democracia participativa – que era, aliás, o projeto do constituinte de 1988.
Essa Constituinte não descerá do céu como milagre dos deuses apiedados com nossa tragédia continuada, mas dependerá da organização popular que, por seu turno, dependerá de novas direções e comandos. Ou seja, dependerá de partidos políticos e políticos, líderes e não gestores, capazes de construir uma nova hegemonia – esta, democrático-popular – que terá substituído a súcia que tomou de assalto a República, grupo poderoso que todavia não representa a complexidade das relações sociais, composto que é pelo conluio oportunista do agronegócio, com o clero evangélico-mediático e o capital financeiro rentista, nacional e internacional.
Lá como aqui. O candidato da direita no Equador, derrotado por Lenín Moreno, vice-presidente de Rafael Correa, reagiu à vitória da esquerda tal qual, aqui, seu colega Aécio Neves: pedindo recontagem dos votos. Lenin igualmente derrotou todas as previsões, expectativas e anseios da grande mídia brasileira.
A chamada reforma política, há tanto requerida por gregos e troianos – sua necessidade e urgência talvez seja a única unanimidade de nossos tempos – far-se-á em momento inadequado e, por tudo o que é sabido, não será, ainda, a reforma necessária. Esta deverá esperar outras circunstâncias, como uma Constituinte com condições políticas de passar o País a limpo.
Na realidade, o que nos é apresentado são tentativas de correção do processo eleitoral sem qualquer incursão na legislação partidária, e muito menos nas funções e competência do Poder Judiciário, mormente o Tribunal Superior Eleitoral. Não se cogita, não se pode cogitar, da reforma do Estado. Qualquer que seja o alcance dessa reforma em gestação no Congresso, será, portanto, uma minirreforma capenga. Uma entre tantas das muitas que vêm sendo ditadas desde 1985. Para usar um termo em uso na República de Temer, uma ‘pinguela’ para podermos chegar a 2018 com uma ordem jurídica razoavelmente conhecida, sem abalos de última hora, sem golpes legislativos ou judiciais.
Os momentos de crise, e crise profunda como a que o País está vivendo, são os menos indicados para reformas políticas, e ainda menos aconselhável é que essas reformas fiquem à conta de um Parlamento e de partidos que nada representam: a crise fundamental é de legitimidade dos poderes. Mas é o que temos e sobre todas essas contingências negativas, sobreleva a certeza consensual segundo a qual não teremos eleições minimamente legítimas e legitimadoras se a atual legislação, condenada, não for alterada. Vamos, então, para mais um arremedo.
Nesses termos, se a reforma política necessária ainda não está na ordem do dia – porque não atenderá aos interesses da nova hegemonia que tomou de assalto o Estado e controla o Congresso –, tratemos da reforma possível, segundo as condições disponíveis. Nesse sentido caminha o relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP).
Duas de suas propostas, cruciais, exigem emenda constitucional, o que pode retardar a reforma, que, assim, mais uma vez será implantada por etapas, portanto carente de uma lógica interna. São elas o fim da reeleição para todos os níveis do Executivo (acompanhada do aumento dos respectivos mandatos de quatro para cinco anos), e, finalmente, a instituição de mandato de dez anos, não renováveis, para ministros e membros das Cortes, como o Supremo Tribunal Federal. É evidente que essa só medida não corrige as mazelas todas do nosso lamentável e antidemocrático Poder Judiciário em suas diversas instâncias, mas é alvissareiro ponto de partida.
O relator também incorpora a instituição da chamada ‘lista fechada’ para as eleições parlamentares, mediante a qual a ordem dos possíveis eleitos é predeterminada pelo partido. O eleitor, ao invés de, como até aqui, votar num determinado candidato, vota num partido, uma ficção no lamentável quadro político brasileiro. Esta tese foi sempre defendida pelo campo das esquerdas (cujos partidos são aqueles que mais guardam organicidade), e combatida pela direita e pelo ‘Centrão’, no Congresso, mas agora é ardentemente defendida pelas lideranças dos grandes partidos conservadores – PMDB, PSDB, DEM et caterva – e, significativamente, contra ela se insurge a grande imprensa, que vê na medida uma artimanha para salvar os mandatos de parlamentares acusados de irregularidades e, assim, carentes de apoio popular (isto é, votos).
Há, porém, a este propósito, uma questão de fundo: a já referida falência de nosso sistema de partidos, siglas na sua maioria administradas por gerentes ou caciques e suas oligarquias, em quase todos os casos sem qualquer prática de democracia interna. Na verdade, dominada a ordenação das listas pelas direções partidárias, o novo sistema terminará por converter-se em instrumento conservador de mandatos, fortalecendo as oligarquias partidárias e dificultando a sempre necessária renovação de mandatos parlamentares.
Não é possível uma reforma qualquer, nesse aspecto, se não se cogita de por em debate a atual legislação partidária.
Outro antigo pleito acolhido pelo deputado Vicente Cândido é o fim das coligações nas eleições proporcionais, mas ele se esquece de instituir, pari passu, a federação de partidos. Assim, com o bom propósito de punir as siglas de aluguel e negócios escusos, se estará, na verdade, impedindo que correntes ideológicas no extremo do espectro político tenham representação no Congresso.
Há questões graves que permanecem intocadas, a saber, o rateio do fundo partidário e do tempo de televisão, fundamentais nas campanhas. É evidente que é necessário exigir-se um razoável desempenho eleitoral, tanto para que o partido tenha representação parlamentar, quanto para que tenha acesso a tempo de televisão – em regra utilizado pelas siglas comerciais, a maioria, para vender coligações nos pleitos majoritários, quando o desempenho no horário eleitoral gerido pelo TSE torna-se decisivo.
A propósito de TSE, a reforma não cogita de pôr cobro ao seu nocivo hábito de, a pretexto de regulamentar a legislação em cada eleição, mesmo quando não há alteração legislativa, ingressar no velho vezo, que terá aprendido com o Supremo, de atuar como se fora poder legiferante.
O financiamento público das campanhas – a realidade grita – é medida inadiável e necessária, e o Fundo Eleitoral precisará de régua e compasso para assegurar que a isonomia partidária não se transforme em instrumento de pulverização dos recursos púbicos, ou que estes se tornem mais um instrumento de poder das oligarquias partidárias.
Mas precisa complementar-se com a drástica redução dos custos das campanhas eleitorais, comandadas – com as estarrecedoras e conhecidas consequências – por marqueteiros desvinculados da política ou de qualquer juízo ideológico, cujo papel, milionário, é o de intervir para manipular a opinião dos eleitores com artifícios alheios à política, de particular nos programas de televisão. Estes deverão ser postos a serviço da transparência, seu conteúdo deve ser tão-só o discurso puro e limpo do candidato, sem participação de terceiros, sem truques e sem trucagens e sem os conhecidos recursos da mídia comercial.
As dificuldades visando à implantação dessas medidas, tão poucas, e o relator merece nossas homenagens, são indicativas da crise política que, não podendo sanar, a reforma de hoje tenta contornar.
Não é ainda a travessia para um regime legítimo, popular, representativo, mas é o primeiro e necessário passo para que, asseguradas as eleições de 2018, possamos partir para uma Constituinte que, legítima e legitimadora, reconstrua a ordem constitucional-democrática comprometida com a emergência das massas e o aprofundamento da democracia que, curando a democracia representativa de suas limitações de hoje, caminhe para a democracia participativa – que era, aliás, o projeto do constituinte de 1988.
Essa Constituinte não descerá do céu como milagre dos deuses apiedados com nossa tragédia continuada, mas dependerá da organização popular que, por seu turno, dependerá de novas direções e comandos. Ou seja, dependerá de partidos políticos e políticos, líderes e não gestores, capazes de construir uma nova hegemonia – esta, democrático-popular – que terá substituído a súcia que tomou de assalto a República, grupo poderoso que todavia não representa a complexidade das relações sociais, composto que é pelo conluio oportunista do agronegócio, com o clero evangélico-mediático e o capital financeiro rentista, nacional e internacional.
Lá como aqui. O candidato da direita no Equador, derrotado por Lenín Moreno, vice-presidente de Rafael Correa, reagiu à vitória da esquerda tal qual, aqui, seu colega Aécio Neves: pedindo recontagem dos votos. Lenin igualmente derrotou todas as previsões, expectativas e anseios da grande mídia brasileira.
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