Por Marcelo Auler, em seu blog:
Quem lê o editorial deste domingo (28/05) da Folha de S. Paulo – Sucessão Especulada – e foi testemunha, em 1983, da audaciosa coragem do jornal ao publicar o editorial Por eleições diretas, conclui facilmente que na ausência do seu antigo dono, Octávio de Oliveira Frias, o jornal, hoje comandado por seus filhos, Octávio Filho, na parte editorial, e Luís Frias, como presidente da empresa, se acovardou. Lamentavelmente!
A Folha, que nos anos de 1983/84 escreveu parte da História do Brasil (com maiúscula) ao se transformar em porta-voz do que a sociedade civil clamava, hoje é capaz de criticar o processo de escolha indireta, como faz o editorial, sem, contudo, assumir aqui que milhões de brasileiros já pedem em praça pública e renovarão os pedidos ao longo deste mesmo domingo ao ocuparem ruas de diversas cidades brasileiras: Diretas Já!
Este foi o primeiro, mas não o único. Talvez, o mais importante tenha sido o de 3 de novembro do mesmo ano – Diretas agora - que marcou definitivamente o ingresso do jornal na campanha, transformando-o no Jornal das Diretas. Algo bastante ousado na época, mas que só a Folha, por sua independência financeira e editorial, poderia fazer. O resultado, até comercialmente falando, foi palpável, a ponto de tornar-se o maior matutino do país. Em termos de respeitabilidade então nem se fale. Quem viveu aquela época como seu repórter sabe disso.
Vivo fosse “Sr. Frias”, que muitos acusavam de ser um “granjeiro dono de jornal”, jamais publicaria uma posição em cima do muro como a que seus filhos fizeram hoje em um jornal que, merecidamente, foi chamado por Ulisses Guimarães de “Porta-voz das Diretas Já!“. Basta lembrar a forma como ele decidiu engajá-lo e toda a sua equipe, a partir de novembro daquele ano, na campanha que ainda se iniciava. Fui partícipe desta bela época e testemunhei tais fatos, ainda que possa não ter estado em todas as reuniões que o levaram a ganhar destaque na sociedade brasileira.
A ideia de o jornal – que se intitulava um “saco de gatos” por se dar ao direito de, em plena ditadura, publicar artigos de todas as correntes ideológicas -, abraçar a bandeira do voto do eleitor para escolher o sucessor do general de plantão no Planalto, João Baptista Figueiredo, partiu do Ricardo Kotscho. Ele, casualmente, sentava-se ao meu lado na velha redação da Rua Barão de Limeira. Entre a apresentação da proposta que idealizou durante um fim de semana e a decisão do “Sr. Frias” não foram gastos nem 24 horas, como narro mais adiante. O jornal poderia – como queriam alguns, entre os quais Boris Casoy, então diretor de redação -, não abraçar esta bandeira. Jamais, porém, tomaria uma posição dúbia, como consta do editorial deste domingo, quase três décadas e meia depois.
Kotscho entregou as três laudas em que expôs e defendeu o engajamento na campanha como forma de a Folha tomar o partido da sociedade civil que já clamava há tempos pelo direito de escolher seu presidente, a Adilson Laranjeiras, então chefe de reportagem. Pouco tempo depois estava nas mãos do Sr. Frias que convocou editores e repórteres especiais para uma reunião na mesma tarde, ou fim de tarde. Após ler o que recebera como proposta, todos foram ouvidos.
Eu não estava nessa reunião, ainda era um “bagrinho” como diziam, embora participasse da Comissão de Redação – a primeira instituída oficialmente em órgão de imprensa. Pelo que soube, o último a falar foi justamente Casoy, que se posicionou contrário à ideia, dando seus motivos. “Sr. Frias”, porém, não se convenceu e decidiu ali mesmo que o jornal se engajaria na campanha.
No relato do próprio Kotscho no livro “Explode um Novo Brasil – Diário da Campanha das Diretas” (Editora Brasiliense, 1984), na hora foi constituído um grupo para cuidar de toda a cobertura da campanha que era coordenado exatamente por Octávio Frias Filho, então secretário do Conselho Editorial. Como tal ele respondia, junto com o pai, pela linha editorial que o jornal tinha. Por isso, causa estranheza a quem viveu aquele período dentro do que chamávamos de “Vênus Pastilhada” (por conta das pastilhas amarelas que cobriam sua fachada e em um contraponto ao prédio da Rede Globo no Rio, conhecido como Vênus Platinada), ver a Folha, ainda sob o comando de Octávio Frias Filho, publicar um editorial com as passagens que destaco abaixo:
Nem se recorra ao argumento de que hoje a Constituição prega a eleição por meio do Congresso Nacional. Isso também acontecia em 1983 e a Folha foi clara ao se opor ao texto daquela Carta, reescrita durante a ditadura civil-militar, que o jornal apoiou no seu início, com episódios lamentáveis que a História registrou. A campanha de 1983, no fundo, é quase idêntica à campanha atual que ganha cada vez mais adesão da população: mude-se a regra.
O “quase idêntica” fica por conta de que hoje, como narramos em TSE pode provocar Diretas Já!, existir na legislação vigente a previsão da eleição direta no caso da vacância dos cargos de presidente e vice-presidente. Está no Código Eleitoral. É verdade que a constitucionalidade dele está sendo questionada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no Supremo Tribunal Federal, desde maio de 2016.
Mas, não é menos verdade, que na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5525 foi pedida uma liminar suspendendo a validade da lei e o ministro relator, Luís Roberto Barroso, não a concedeu. Portanto, para todos os efeitos, a lei está vigente.
A propósito da discussão da constitucionalidade desta mudança que o Congresso Nacional fez em 2015, vale a leitura do artigo do ex-procurador regional da República, Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional na UERJ. Ele, em nome da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, pediu ingresso no processo, na qualidade de amicus curiae (amigo da corte). Com isso, terá voz na hora do julgamento do caso.
A tese que ele defende para justificar a mudança na legislação e o acatamento a ela, independentemente do texto constitucional está muito bem explicada em artigo que publicou em outubro de 2016, no site Jota -Eleições presidenciais (in)diretas, a ADI 5.525 e o espírito da Constituição cidadã. Deste artigo, copio o trecho abaixo em que ele expõe quando deve ocorrer a eleição indireta prevista no art. 81 da Constituição e quando ela deve ser Direta, como o Congresso incluiu no Código Eleitoral:
“De acordo com a disciplina legislativa adotada, quando a segunda vacância ocorrer na metade final do mandato presidencial, e derivar de causas não eleitorais – e.g., morte, renúncia, impeachment, condenação criminal – aplica-se o art. 81, § 1º, da Lei Fundamental, com a convocação de eleições indiretas. Nesse caso, a primeira eleição foi presumivelmente válida, mas ocorreram fatos supervenientes, impeditivos da conclusão do mandato pelo Presidente e por seu substituto. Já quando o pleito tiver sido contaminado por vícios reconhecidos pela Justiça Eleitoral, o art. 81, §1º, não incide. Nessa última hipótese, diante da invalidade do resultado da eleição originária ou dos mandatos por ela conferidos, entendeu o legislador que se deveria, na medida do possível, atribuir ao próprio povo a prerrogativa de eleger validamente a sua (ou o seu) Presidente da República, ao invés de se conferir tão importante poder ao Congresso Nacional. Em outras palavras, na ótica do legislador, a incidência do art. 81, § 1º, da Carta, pressupõe a validade do pleito eleitoral original e dos mandatos que dele resultarem“.
Há, portanto, uma diferença básica entre a situação de 1983 e a atual. Mas, no fundo, há coincidências também maiores que devem ser levadas em conta.
Inicialmente, tanto quanto o governo militar de Figueiredo, ainda que por motivos diversos, o atual governo de Michel Temer não tem respaldo popular. Ambos foram conquistados na base do golpe. Um que levou25 anos para terminar. Outro, o atual, que pode se encerrar em pouco mais de um ano. O impossível, na visão dos eleitores, é se manter este governo mais do que suspeito, mas envolvido com diversos de seus membros em casos explícitos de corrupção.
Outra coincidência entre as duas situações é a falta de confiança da população no Congresso Nacional (CN). Ou seja, no chamado “colégio Eleitoral indireto”. Isto, por sinal, é explicitado nos dois editoriais da Folha.
No corajoso editorial que defendeu Diretas em 1983, o jornal retrata a realidade de então:
“Falta ao Colégio Eleitoral previsto pela Constituição, antes de tudo, representatividade para escolher em nome do povo, uma vez que sua composição, definidas a garantir a supremacia do PDS, não reflete sequer aproximadamente as tendências do voto popular nas eleições de 1982“.*
Na posição ambígua e covarde que adotou neste domingo (28/05), o editorial também, expõe, ainda que de forma disseminada, as dificuldades políticas que envolverão uma negociação para a escolha do sucessor de Temer dentro do Legislativo. Inclusive, como lembra o próprio editorial, incluindo acordos para salvar a pele de políticos corruptos, a começar pelo próprio presidente golpista:
“(…) O acordo dependerá de um rearranjo de forças e papéis entre os múltiplos partidos governistas, PMDB e PSDB em especial.
Conforme os cenários mais discutidos no momento, trata-se de decidir pela candidatura tucana do senador Tasso Jereissati (CE) ou a do preferido dos deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Há mais, porém.
Mesmo o PMDB tendo sido gravemente avariado por escândalos, não haverá composição viável sem o apoio do partido, que, além de postos no poder, demanda uma transição que não deixe sua cúpula no sereno da Justiça.
Mesmo antes da irrupção da crise, era árduo o trabalho para aprovar as reformas, em especial a da Previdência. A maioria que se articulava teria de ser, no mínimo, renegociada em uma hipotética troca de comando do Executivo.
Tendem a ser reabertos ainda, nesse caso, entendimentos em torno de projetos legislativos capazes de atenuar punições aos políticos hoje ameaçados por processos judiciais. Iniciativas do gênero, se levadas a cabo, agravariam o descrédito geral da elite dirigente perante a opinião pública.”
Se o próprio jornal afirma que a saída que os políticos buscam para resolver a sucessão entre eles, sem ouvir a opinião popular, “envolve o risco de acentuar fissuras na base partidária, o que inviabilizaria medidas ambiciosas”.
Mais ainda. Ao dizer que acontecendo isso, o governo eleito indiretamente “pouco poderia fazer além de evitar um desastre econômico maior, conduzindo o país em banho-maria até as eleições de 2018“, a conclusão óbvia é de que a melhor definição será a escolha direta, pelo povo, dando legitimidade ao novo governo. Tal conclusão não é apenas óbvia, mas acima de tudo lógica.
Para expô-la, porém, era preciso ter a coragem que, usando o termo carinhoso de Kotscho, “o velho Frias” teve, em 1983. Mas aos seus sucessores ela parece ter faltado, seja por que motivos (interesses?) forem. Perderam uma boa oportunidade que o pai jamais perderia.
Quem lê o editorial deste domingo (28/05) da Folha de S. Paulo – Sucessão Especulada – e foi testemunha, em 1983, da audaciosa coragem do jornal ao publicar o editorial Por eleições diretas, conclui facilmente que na ausência do seu antigo dono, Octávio de Oliveira Frias, o jornal, hoje comandado por seus filhos, Octávio Filho, na parte editorial, e Luís Frias, como presidente da empresa, se acovardou. Lamentavelmente!
A Folha, que nos anos de 1983/84 escreveu parte da História do Brasil (com maiúscula) ao se transformar em porta-voz do que a sociedade civil clamava, hoje é capaz de criticar o processo de escolha indireta, como faz o editorial, sem, contudo, assumir aqui que milhões de brasileiros já pedem em praça pública e renovarão os pedidos ao longo deste mesmo domingo ao ocuparem ruas de diversas cidades brasileiras: Diretas Já!
Este foi o primeiro, mas não o único. Talvez, o mais importante tenha sido o de 3 de novembro do mesmo ano – Diretas agora - que marcou definitivamente o ingresso do jornal na campanha, transformando-o no Jornal das Diretas. Algo bastante ousado na época, mas que só a Folha, por sua independência financeira e editorial, poderia fazer. O resultado, até comercialmente falando, foi palpável, a ponto de tornar-se o maior matutino do país. Em termos de respeitabilidade então nem se fale. Quem viveu aquela época como seu repórter sabe disso.
Vivo fosse “Sr. Frias”, que muitos acusavam de ser um “granjeiro dono de jornal”, jamais publicaria uma posição em cima do muro como a que seus filhos fizeram hoje em um jornal que, merecidamente, foi chamado por Ulisses Guimarães de “Porta-voz das Diretas Já!“. Basta lembrar a forma como ele decidiu engajá-lo e toda a sua equipe, a partir de novembro daquele ano, na campanha que ainda se iniciava. Fui partícipe desta bela época e testemunhei tais fatos, ainda que possa não ter estado em todas as reuniões que o levaram a ganhar destaque na sociedade brasileira.
Editoria de 3 de novembro de 1983, que marca o ingresso do jornal na campanha |
A ideia de o jornal – que se intitulava um “saco de gatos” por se dar ao direito de, em plena ditadura, publicar artigos de todas as correntes ideológicas -, abraçar a bandeira do voto do eleitor para escolher o sucessor do general de plantão no Planalto, João Baptista Figueiredo, partiu do Ricardo Kotscho. Ele, casualmente, sentava-se ao meu lado na velha redação da Rua Barão de Limeira. Entre a apresentação da proposta que idealizou durante um fim de semana e a decisão do “Sr. Frias” não foram gastos nem 24 horas, como narro mais adiante. O jornal poderia – como queriam alguns, entre os quais Boris Casoy, então diretor de redação -, não abraçar esta bandeira. Jamais, porém, tomaria uma posição dúbia, como consta do editorial deste domingo, quase três décadas e meia depois.
Kotscho entregou as três laudas em que expôs e defendeu o engajamento na campanha como forma de a Folha tomar o partido da sociedade civil que já clamava há tempos pelo direito de escolher seu presidente, a Adilson Laranjeiras, então chefe de reportagem. Pouco tempo depois estava nas mãos do Sr. Frias que convocou editores e repórteres especiais para uma reunião na mesma tarde, ou fim de tarde. Após ler o que recebera como proposta, todos foram ouvidos.
Eu não estava nessa reunião, ainda era um “bagrinho” como diziam, embora participasse da Comissão de Redação – a primeira instituída oficialmente em órgão de imprensa. Pelo que soube, o último a falar foi justamente Casoy, que se posicionou contrário à ideia, dando seus motivos. “Sr. Frias”, porém, não se convenceu e decidiu ali mesmo que o jornal se engajaria na campanha.
No relato do próprio Kotscho no livro “Explode um Novo Brasil – Diário da Campanha das Diretas” (Editora Brasiliense, 1984), na hora foi constituído um grupo para cuidar de toda a cobertura da campanha que era coordenado exatamente por Octávio Frias Filho, então secretário do Conselho Editorial. Como tal ele respondia, junto com o pai, pela linha editorial que o jornal tinha. Por isso, causa estranheza a quem viveu aquele período dentro do que chamávamos de “Vênus Pastilhada” (por conta das pastilhas amarelas que cobriam sua fachada e em um contraponto ao prédio da Rede Globo no Rio, conhecido como Vênus Platinada), ver a Folha, ainda sob o comando de Octávio Frias Filho, publicar um editorial com as passagens que destaco abaixo:
Nem se recorra ao argumento de que hoje a Constituição prega a eleição por meio do Congresso Nacional. Isso também acontecia em 1983 e a Folha foi clara ao se opor ao texto daquela Carta, reescrita durante a ditadura civil-militar, que o jornal apoiou no seu início, com episódios lamentáveis que a História registrou. A campanha de 1983, no fundo, é quase idêntica à campanha atual que ganha cada vez mais adesão da população: mude-se a regra.
O “quase idêntica” fica por conta de que hoje, como narramos em TSE pode provocar Diretas Já!, existir na legislação vigente a previsão da eleição direta no caso da vacância dos cargos de presidente e vice-presidente. Está no Código Eleitoral. É verdade que a constitucionalidade dele está sendo questionada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no Supremo Tribunal Federal, desde maio de 2016.
Mas, não é menos verdade, que na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5525 foi pedida uma liminar suspendendo a validade da lei e o ministro relator, Luís Roberto Barroso, não a concedeu. Portanto, para todos os efeitos, a lei está vigente.
A propósito da discussão da constitucionalidade desta mudança que o Congresso Nacional fez em 2015, vale a leitura do artigo do ex-procurador regional da República, Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional na UERJ. Ele, em nome da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, pediu ingresso no processo, na qualidade de amicus curiae (amigo da corte). Com isso, terá voz na hora do julgamento do caso.
A tese que ele defende para justificar a mudança na legislação e o acatamento a ela, independentemente do texto constitucional está muito bem explicada em artigo que publicou em outubro de 2016, no site Jota -Eleições presidenciais (in)diretas, a ADI 5.525 e o espírito da Constituição cidadã. Deste artigo, copio o trecho abaixo em que ele expõe quando deve ocorrer a eleição indireta prevista no art. 81 da Constituição e quando ela deve ser Direta, como o Congresso incluiu no Código Eleitoral:
“De acordo com a disciplina legislativa adotada, quando a segunda vacância ocorrer na metade final do mandato presidencial, e derivar de causas não eleitorais – e.g., morte, renúncia, impeachment, condenação criminal – aplica-se o art. 81, § 1º, da Lei Fundamental, com a convocação de eleições indiretas. Nesse caso, a primeira eleição foi presumivelmente válida, mas ocorreram fatos supervenientes, impeditivos da conclusão do mandato pelo Presidente e por seu substituto. Já quando o pleito tiver sido contaminado por vícios reconhecidos pela Justiça Eleitoral, o art. 81, §1º, não incide. Nessa última hipótese, diante da invalidade do resultado da eleição originária ou dos mandatos por ela conferidos, entendeu o legislador que se deveria, na medida do possível, atribuir ao próprio povo a prerrogativa de eleger validamente a sua (ou o seu) Presidente da República, ao invés de se conferir tão importante poder ao Congresso Nacional. Em outras palavras, na ótica do legislador, a incidência do art. 81, § 1º, da Carta, pressupõe a validade do pleito eleitoral original e dos mandatos que dele resultarem“.
Há, portanto, uma diferença básica entre a situação de 1983 e a atual. Mas, no fundo, há coincidências também maiores que devem ser levadas em conta.
Inicialmente, tanto quanto o governo militar de Figueiredo, ainda que por motivos diversos, o atual governo de Michel Temer não tem respaldo popular. Ambos foram conquistados na base do golpe. Um que levou25 anos para terminar. Outro, o atual, que pode se encerrar em pouco mais de um ano. O impossível, na visão dos eleitores, é se manter este governo mais do que suspeito, mas envolvido com diversos de seus membros em casos explícitos de corrupção.
Outra coincidência entre as duas situações é a falta de confiança da população no Congresso Nacional (CN). Ou seja, no chamado “colégio Eleitoral indireto”. Isto, por sinal, é explicitado nos dois editoriais da Folha.
No corajoso editorial que defendeu Diretas em 1983, o jornal retrata a realidade de então:
“Falta ao Colégio Eleitoral previsto pela Constituição, antes de tudo, representatividade para escolher em nome do povo, uma vez que sua composição, definidas a garantir a supremacia do PDS, não reflete sequer aproximadamente as tendências do voto popular nas eleições de 1982“.*
Na posição ambígua e covarde que adotou neste domingo (28/05), o editorial também, expõe, ainda que de forma disseminada, as dificuldades políticas que envolverão uma negociação para a escolha do sucessor de Temer dentro do Legislativo. Inclusive, como lembra o próprio editorial, incluindo acordos para salvar a pele de políticos corruptos, a começar pelo próprio presidente golpista:
“(…) O acordo dependerá de um rearranjo de forças e papéis entre os múltiplos partidos governistas, PMDB e PSDB em especial.
Conforme os cenários mais discutidos no momento, trata-se de decidir pela candidatura tucana do senador Tasso Jereissati (CE) ou a do preferido dos deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Há mais, porém.
Mesmo o PMDB tendo sido gravemente avariado por escândalos, não haverá composição viável sem o apoio do partido, que, além de postos no poder, demanda uma transição que não deixe sua cúpula no sereno da Justiça.
Mesmo antes da irrupção da crise, era árduo o trabalho para aprovar as reformas, em especial a da Previdência. A maioria que se articulava teria de ser, no mínimo, renegociada em uma hipotética troca de comando do Executivo.
Tendem a ser reabertos ainda, nesse caso, entendimentos em torno de projetos legislativos capazes de atenuar punições aos políticos hoje ameaçados por processos judiciais. Iniciativas do gênero, se levadas a cabo, agravariam o descrédito geral da elite dirigente perante a opinião pública.”
Se o próprio jornal afirma que a saída que os políticos buscam para resolver a sucessão entre eles, sem ouvir a opinião popular, “envolve o risco de acentuar fissuras na base partidária, o que inviabilizaria medidas ambiciosas”.
Mais ainda. Ao dizer que acontecendo isso, o governo eleito indiretamente “pouco poderia fazer além de evitar um desastre econômico maior, conduzindo o país em banho-maria até as eleições de 2018“, a conclusão óbvia é de que a melhor definição será a escolha direta, pelo povo, dando legitimidade ao novo governo. Tal conclusão não é apenas óbvia, mas acima de tudo lógica.
Para expô-la, porém, era preciso ter a coragem que, usando o termo carinhoso de Kotscho, “o velho Frias” teve, em 1983. Mas aos seus sucessores ela parece ter faltado, seja por que motivos (interesses?) forem. Perderam uma boa oportunidade que o pai jamais perderia.
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