Por Patricia Bandeira de Melo e Marcia Rangel Candido, no site Manchetômetro:
Há alguns meses o cenário político brasileiro é tomado por uma instabilidade aguda: inúmeras denúncias de corrupção afetam os cargos executivos mais altos do país e são mobilizadas em um espetáculo midiático que, mais do que fomentar a contestação do sistema e a expansão da democracia, inspira a ampla descrença na política e incide de maneira desigual sobre os atores envolvidos.
Embora a recente divulgação de áudios que explicitam a participação do peemedebista Michel Temer e do líder do PSDB Aécio Neves em atividades ilícitas tenha caracterizado uma curva nos enfoques dominantes na cobertura dos jornais e noticiários na última semana, a observação de um recorte temporal mais extenso permite afirmar que dois outros personagens aparecem em cena com frequência notável: Luis Inácio Lula da Silva e Sérgio Moro. A constante vinculação do ex-presidente às investigações da Operação Lava Jato e o papel de liderança que o juiz federal do Paraná exerce como condutor dos processos são algumas das justificativas que podem ser aventadas para a intensa repercussão de suas imagens na grande imprensa. A representação dos dois, contudo, mais do que espelhar suas distintas atividades, padece de um viés claramente contraposto, no qual uma figura é negativamente associada à presunção de culpa – Lula, enquanto a outra à personificação de uma justiça ilibada – Moro.
O objetivo deste texto é discutir a construção desses imaginários desiguais nos principais jornais impressos que, a despeito de não ter tido início neste ano, intensificou-se a partir do depoimento de Lula a Sérgio Moro no processo ao qual responde na Justiça Federal de Curitiba (PR). De que maneira os meios de comunicação têm retratado o ex-presidente e o juiz federal?
Com o intuito de responder a esta questão, nos debruçamos sobre duas perspectivas de interpretação que podem ser apreendidas a partir da base de dados do Manchetômetro: em primeiro lugar, abordamos a dimensão quantitativa das referências aos dois personagens e suas respectivas valências, ou seja, em que medida e de que maneira são citados nas manchetes, chamadas, colunas de opinião e editoriais dos jornais impressos O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Em seguida, examinamos as fotografias e charges presentes nas capas desses veículos a fim de produzir uma análise das representações imagéticas. O recorte temporal contemplado ficou entre o dia 1º de janeiro e 14 de maio de 2017, primeiro domingo após o depoimento de Lula.
Lula e Moro nos Jornais Impressos
Mais do que mera fonte de informação exterior e distanciada daqueles que enuncia, a mídia exerce influência sobre a percepção que as pessoas formulam em relação ao mundo que as cerca. As disputas políticas inscritas nesse processo são facilmente assimiladas por diferentes atores: no último dia 10 de maio, por exemplo, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, Lula mencionou percentuais disponibilizados no Manchetômetro acerca das valências de sua cobertura nos grandes meios de comunicação. Como as bases de dados do nosso site mostram, o ex-presidente é alvo de massiva abordagem negativa. Em resposta, Moro afirmou que também é vítima da mídia. A fala final do juiz, ao colocar-se ele mesmo em campo de disputa discursiva com Lula, foi: “Infelizmente, eu já sou atacado por bastante gente, inclusive por blogs que supostamente patrocinam o senhor. Então, padeço dos mesmos males em certa medida”. Não é necessário ser um especialista em estudos de comunicação para constatar que essa comparação é descabida: apesar da crescente influência de blogueiras/os nas redes, suas projeções passam ao largo do poder exercido pelos conglomerados de comunicação do país.
A comparação entre a cobertura do petista e do magistrado, entretanto, evidencia algo além da perseguição a uma figura política específica: a mídia perfaz uma significativa construção positiva do juiz. Por princípio, um magistrado não pode ser a estrela de um processo. Ao longo da investigação, o direito orienta comedimento do julgador no ato judicante. Assim, a função correta da imprensa seria focar nos fatos e não no juiz, que deveria agir como um intérprete da lei. Não obstante, como os gráficos abaixo demonstram, a recorrência de valências favoráveis a Sérgio Moro é expressiva (13%): fica acima da média encontrada na série histórica dos personagens que são regularmente citados na grande imprensa e avaliados pelo Manchetômetro. Ademais, as valências favoráveis ao juiz excedem as contrárias (12%) e as ambivalentes (4%). Lula, por sua vez, quase não obteve valências favoráveis: apenas 3%. É descomunal o fato de que a proporção de valências contrárias ao ex-presidente (79%) se equipare às neutras do juiz federal. Vale notar que Lula é citado três vezes mais do que Moro, ou seja, a repercussão de um imaginário negativo sobre o ex-presidente tem uma abrangência maior e mais recorrente do que a favorável e atenuada cobertura do magistrado.
Considerações finais
O presente texto buscou comparar a cobertura de dois personagens que têm adquirido intensa repercussão na imprensa nacional: Lula e Moro. A partir da análise de valências e da descrição das imagens associadas aos dois foi possível identificar um descompasso visível entre as representações que a mídia procura produzir de cada um. Embora os dados quantitativos igualem os jornais e mostrem a preponderância de uma abordagem negativa à figura de Lula, em contraposição à positivação de Sérgio Moro, no que se refere ao conteúdo expresso nas imagens, nenhum meio impresso manifestou tanta repulsa ao ex-presidente como o carioca O Globo. A tentativa de tratar a política como algo caricato e passível de expressar-se em charges deriva na deslegitimação do personagem de Lula em confrontação ao endeusamento do judiciário, constantemente representado por Moro.
Há alguns meses o cenário político brasileiro é tomado por uma instabilidade aguda: inúmeras denúncias de corrupção afetam os cargos executivos mais altos do país e são mobilizadas em um espetáculo midiático que, mais do que fomentar a contestação do sistema e a expansão da democracia, inspira a ampla descrença na política e incide de maneira desigual sobre os atores envolvidos.
Embora a recente divulgação de áudios que explicitam a participação do peemedebista Michel Temer e do líder do PSDB Aécio Neves em atividades ilícitas tenha caracterizado uma curva nos enfoques dominantes na cobertura dos jornais e noticiários na última semana, a observação de um recorte temporal mais extenso permite afirmar que dois outros personagens aparecem em cena com frequência notável: Luis Inácio Lula da Silva e Sérgio Moro. A constante vinculação do ex-presidente às investigações da Operação Lava Jato e o papel de liderança que o juiz federal do Paraná exerce como condutor dos processos são algumas das justificativas que podem ser aventadas para a intensa repercussão de suas imagens na grande imprensa. A representação dos dois, contudo, mais do que espelhar suas distintas atividades, padece de um viés claramente contraposto, no qual uma figura é negativamente associada à presunção de culpa – Lula, enquanto a outra à personificação de uma justiça ilibada – Moro.
O objetivo deste texto é discutir a construção desses imaginários desiguais nos principais jornais impressos que, a despeito de não ter tido início neste ano, intensificou-se a partir do depoimento de Lula a Sérgio Moro no processo ao qual responde na Justiça Federal de Curitiba (PR). De que maneira os meios de comunicação têm retratado o ex-presidente e o juiz federal?
Com o intuito de responder a esta questão, nos debruçamos sobre duas perspectivas de interpretação que podem ser apreendidas a partir da base de dados do Manchetômetro: em primeiro lugar, abordamos a dimensão quantitativa das referências aos dois personagens e suas respectivas valências, ou seja, em que medida e de que maneira são citados nas manchetes, chamadas, colunas de opinião e editoriais dos jornais impressos O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Em seguida, examinamos as fotografias e charges presentes nas capas desses veículos a fim de produzir uma análise das representações imagéticas. O recorte temporal contemplado ficou entre o dia 1º de janeiro e 14 de maio de 2017, primeiro domingo após o depoimento de Lula.
Lula e Moro nos Jornais Impressos
Mais do que mera fonte de informação exterior e distanciada daqueles que enuncia, a mídia exerce influência sobre a percepção que as pessoas formulam em relação ao mundo que as cerca. As disputas políticas inscritas nesse processo são facilmente assimiladas por diferentes atores: no último dia 10 de maio, por exemplo, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, Lula mencionou percentuais disponibilizados no Manchetômetro acerca das valências de sua cobertura nos grandes meios de comunicação. Como as bases de dados do nosso site mostram, o ex-presidente é alvo de massiva abordagem negativa. Em resposta, Moro afirmou que também é vítima da mídia. A fala final do juiz, ao colocar-se ele mesmo em campo de disputa discursiva com Lula, foi: “Infelizmente, eu já sou atacado por bastante gente, inclusive por blogs que supostamente patrocinam o senhor. Então, padeço dos mesmos males em certa medida”. Não é necessário ser um especialista em estudos de comunicação para constatar que essa comparação é descabida: apesar da crescente influência de blogueiras/os nas redes, suas projeções passam ao largo do poder exercido pelos conglomerados de comunicação do país.
A comparação entre a cobertura do petista e do magistrado, entretanto, evidencia algo além da perseguição a uma figura política específica: a mídia perfaz uma significativa construção positiva do juiz. Por princípio, um magistrado não pode ser a estrela de um processo. Ao longo da investigação, o direito orienta comedimento do julgador no ato judicante. Assim, a função correta da imprensa seria focar nos fatos e não no juiz, que deveria agir como um intérprete da lei. Não obstante, como os gráficos abaixo demonstram, a recorrência de valências favoráveis a Sérgio Moro é expressiva (13%): fica acima da média encontrada na série histórica dos personagens que são regularmente citados na grande imprensa e avaliados pelo Manchetômetro. Ademais, as valências favoráveis ao juiz excedem as contrárias (12%) e as ambivalentes (4%). Lula, por sua vez, quase não obteve valências favoráveis: apenas 3%. É descomunal o fato de que a proporção de valências contrárias ao ex-presidente (79%) se equipare às neutras do juiz federal. Vale notar que Lula é citado três vezes mais do que Moro, ou seja, a repercussão de um imaginário negativo sobre o ex-presidente tem uma abrangência maior e mais recorrente do que a favorável e atenuada cobertura do magistrado.
O enunciado das imagens
Os resultados das valências chamam atenção à abordagem textual dos jornais impressos. Contudo, essa não é a única forma de construção narrativa que busca afetar as mentes das leitoras e leitores: a veiculação de imagens intenta oferecer uma síntese de um momento descrito no texto, ou mesmo transmitir conceitos em sua totalidade, tal como ocorre nas charges. Nos três jornais analisados, Lula é representado nas capas como uma figura que transita entre a ferocidade e a piada. Por outro lado, Moro aparece com mais intensidade no jornal O Globo, em geral como o juiz que “limpa” o sistema político, de olhos fechados para quem julga. O fato curioso deste dado é que o jornal O Globo é o meio de comunicação que menos menciona o juiz federal em suas manchetes, chamadas, colunas de opinião e editoriais. Tanto a Folha de S. Paulo quanto o Estadão apresentam mais que o dobro de citações ao magistrado. No entanto, é no jornal carioca que o ex-presidente aparece com maior frequência, seja nos textos, seja nas imagens.
O jornal O Globo tem, ainda, uma peculiaridade no que se refere às imagens: em 19 capas do período estudado, charges fazem alusão à Operação Lava Jato com representações de Lula e Moro, juntos ou separados. Lula é apresentado em caricaturas que deformam sua aparência (“orelhudo”), sugerem corrupção (com presente na mão, o que indica propina, e como vítima de chuva de saliva de uma delação) ou associam sua subjetividade a necessidades fisiológicas – seu primeiro nome em destaque no rolo de um papel higiênico. Na única foto em que o petista aparece na primeira página desse jornal, ele está com o rosto embaçado, com a imagem focada na esposa, Marisa Letícia, por trás dele.
Por outro lado, Sérgio Moro aparece em charges junto à elite do Supremo Tribunal Federal e numa imagem gigante diante dos acusados da operação – na qual Lula emerge em destaque e Serra quase desaparece. Em dois casos, o magistrado é representado em posse de um martelo, o símbolo da sentença, da palavra final da corte. Também em duas charges é mostrado como “operador da limpeza” do sistema político, ao lavar os acusados. Numa delas, a “limpeza” é feita exclusivamente no ex-presidente Lula. Seis charges trazem Moro fotografando a “cena” judicante, inclusive fazendo selfs com os réus ou de si mesmo.
Na Folha e no Estadão, por sua vez, poucas imagens representam os dois personagens. No primeiro caso, Lula aparece de seis formas distintas: (1) ao lado de Fernando Henrique Cardoso; (2) de costas no enterro de dona Marisa; (3) representado por um ator do filme que narra a Operação Lava Jato; (4) numa sequência de fotos em que suas expressões sugerem preocupação e nervosismo; e, surpreendentemente, (5) aclamado em meio a uma multidão em evento da transposição do Rio São Francisco e (6) no dia do depoimento em Curitiba. O espanto decorre do fato de que, além de predominantemente conceder abordagens negativas nos textos referentes ao petista, a Folha foi o único dos meios analisados a dedicar fotos a esses momentos. Nesse mesmo jornal, Moro aparece numa fotografia ao lado de Luciano Hulk, apresentador de programa de auditório da Rede Globo ventilado como possível candidato do PSDB à presidência em 2018.
A fotografia de Lula ao lado de Fernando Henrique também aparece em edição do Estadão. Assim como na Folha, esta imagem dá protagonismo à expressão de FHC, que é representado prestando solidariedade a Lula, enquanto este último aguardava por notícias de sua companheira no hospital. Além das pouquíssimas imagens de Lula presentes no Estadão, este é o único veículo que enquadrou uma fisionomia de raiva do ex-presidente. Para representar o momento de embate entre Lula e Moro em Curitiba, o jornal recortou, nas cinco horas de depoimento, uma expressão claramente irritada do ex-presidente. A última aparição do petista diz respeito à figuração em uma representação gráfica que colocam ele e a ex-presidenta Dilma Rousseff em destaque dentre os acusados da Operação Lava Jato. Já o juiz Sérgio Moro aparece unicamente em uma imagem, na qual está com as mãos cobrindo olhos, talvez em alusão ao sentido de que a justiça é cega.
Ainda que alguns autores defendam que não exista fotojornalismo sem texto, essa posição é polêmica. Algumas das imagens expostas nos jornais analisados estão desacompanhadas de texto ou muitas vezes o leitor apenas passa os olhos sem se ater ao que está escrito. Embora seja verdade que a foto não pode carregar toda a carga informativa do texto, ela traz em si um sentido e é concebida como peça comunicativa para produzir sentido. O rolo de papel higiênico em que o nome de Lula é o primeiro, mais destacado, apela à compreensão de ser ele “o mais sujo” de todos no sistema político. A foto que destaca uma expressão de raiva transmite um sentimento que o ex-presidente tem evitado tornar público desde que se fez reconhecido como “Lulinha paz e amor” na primeira campanha vitoriosa à presidência. Ela dá a entender que a figura pacífica e conciliadora é somente uma farsa que esconde o verdadeiro ódio que residiria na essência da personalidade de Lula.
Nas imagens de costas ou desfocadas de Lula, diante de um Moro gigante, vemos a relação entre a figura e o fundo informativo, que condiciona a atenção do leitor. O conteúdo que se destaca é de um político decaído, sujo, diante de seu julgador onipotente, portador da sentença final da justiça. Aliás, a ideia de limpeza que o nome da operação enuncia e as imagens que mostram um juiz que “lava” o sistema político expressam um viés moralizador problemático na sociedade contemporânea, que tem sido frequentemente associado ao autoritarismo, quando não ao fascismo.
Tal imagética produz uma dupla distorção. Primeiro, ela alça o magistrado a uma posição de protagonismo no processo, papel inapropriado para a função do poder judiciário no desenho das instituições da democracia representativa – na qual os poderes se relacionam por procedimentos de freios e contrapesos mas não de forma hierárquica. Segundo, ela apresenta Lula culpado, mesmo que antes da sentença. A soma dessa imagética à impressionante proporção de notícias negativas sobre o petista produz como efeito de sentido a justificação de sua condenação.
Os resultados das valências chamam atenção à abordagem textual dos jornais impressos. Contudo, essa não é a única forma de construção narrativa que busca afetar as mentes das leitoras e leitores: a veiculação de imagens intenta oferecer uma síntese de um momento descrito no texto, ou mesmo transmitir conceitos em sua totalidade, tal como ocorre nas charges. Nos três jornais analisados, Lula é representado nas capas como uma figura que transita entre a ferocidade e a piada. Por outro lado, Moro aparece com mais intensidade no jornal O Globo, em geral como o juiz que “limpa” o sistema político, de olhos fechados para quem julga. O fato curioso deste dado é que o jornal O Globo é o meio de comunicação que menos menciona o juiz federal em suas manchetes, chamadas, colunas de opinião e editoriais. Tanto a Folha de S. Paulo quanto o Estadão apresentam mais que o dobro de citações ao magistrado. No entanto, é no jornal carioca que o ex-presidente aparece com maior frequência, seja nos textos, seja nas imagens.
O jornal O Globo tem, ainda, uma peculiaridade no que se refere às imagens: em 19 capas do período estudado, charges fazem alusão à Operação Lava Jato com representações de Lula e Moro, juntos ou separados. Lula é apresentado em caricaturas que deformam sua aparência (“orelhudo”), sugerem corrupção (com presente na mão, o que indica propina, e como vítima de chuva de saliva de uma delação) ou associam sua subjetividade a necessidades fisiológicas – seu primeiro nome em destaque no rolo de um papel higiênico. Na única foto em que o petista aparece na primeira página desse jornal, ele está com o rosto embaçado, com a imagem focada na esposa, Marisa Letícia, por trás dele.
Por outro lado, Sérgio Moro aparece em charges junto à elite do Supremo Tribunal Federal e numa imagem gigante diante dos acusados da operação – na qual Lula emerge em destaque e Serra quase desaparece. Em dois casos, o magistrado é representado em posse de um martelo, o símbolo da sentença, da palavra final da corte. Também em duas charges é mostrado como “operador da limpeza” do sistema político, ao lavar os acusados. Numa delas, a “limpeza” é feita exclusivamente no ex-presidente Lula. Seis charges trazem Moro fotografando a “cena” judicante, inclusive fazendo selfs com os réus ou de si mesmo.
Na Folha e no Estadão, por sua vez, poucas imagens representam os dois personagens. No primeiro caso, Lula aparece de seis formas distintas: (1) ao lado de Fernando Henrique Cardoso; (2) de costas no enterro de dona Marisa; (3) representado por um ator do filme que narra a Operação Lava Jato; (4) numa sequência de fotos em que suas expressões sugerem preocupação e nervosismo; e, surpreendentemente, (5) aclamado em meio a uma multidão em evento da transposição do Rio São Francisco e (6) no dia do depoimento em Curitiba. O espanto decorre do fato de que, além de predominantemente conceder abordagens negativas nos textos referentes ao petista, a Folha foi o único dos meios analisados a dedicar fotos a esses momentos. Nesse mesmo jornal, Moro aparece numa fotografia ao lado de Luciano Hulk, apresentador de programa de auditório da Rede Globo ventilado como possível candidato do PSDB à presidência em 2018.
A fotografia de Lula ao lado de Fernando Henrique também aparece em edição do Estadão. Assim como na Folha, esta imagem dá protagonismo à expressão de FHC, que é representado prestando solidariedade a Lula, enquanto este último aguardava por notícias de sua companheira no hospital. Além das pouquíssimas imagens de Lula presentes no Estadão, este é o único veículo que enquadrou uma fisionomia de raiva do ex-presidente. Para representar o momento de embate entre Lula e Moro em Curitiba, o jornal recortou, nas cinco horas de depoimento, uma expressão claramente irritada do ex-presidente. A última aparição do petista diz respeito à figuração em uma representação gráfica que colocam ele e a ex-presidenta Dilma Rousseff em destaque dentre os acusados da Operação Lava Jato. Já o juiz Sérgio Moro aparece unicamente em uma imagem, na qual está com as mãos cobrindo olhos, talvez em alusão ao sentido de que a justiça é cega.
Ainda que alguns autores defendam que não exista fotojornalismo sem texto, essa posição é polêmica. Algumas das imagens expostas nos jornais analisados estão desacompanhadas de texto ou muitas vezes o leitor apenas passa os olhos sem se ater ao que está escrito. Embora seja verdade que a foto não pode carregar toda a carga informativa do texto, ela traz em si um sentido e é concebida como peça comunicativa para produzir sentido. O rolo de papel higiênico em que o nome de Lula é o primeiro, mais destacado, apela à compreensão de ser ele “o mais sujo” de todos no sistema político. A foto que destaca uma expressão de raiva transmite um sentimento que o ex-presidente tem evitado tornar público desde que se fez reconhecido como “Lulinha paz e amor” na primeira campanha vitoriosa à presidência. Ela dá a entender que a figura pacífica e conciliadora é somente uma farsa que esconde o verdadeiro ódio que residiria na essência da personalidade de Lula.
Nas imagens de costas ou desfocadas de Lula, diante de um Moro gigante, vemos a relação entre a figura e o fundo informativo, que condiciona a atenção do leitor. O conteúdo que se destaca é de um político decaído, sujo, diante de seu julgador onipotente, portador da sentença final da justiça. Aliás, a ideia de limpeza que o nome da operação enuncia e as imagens que mostram um juiz que “lava” o sistema político expressam um viés moralizador problemático na sociedade contemporânea, que tem sido frequentemente associado ao autoritarismo, quando não ao fascismo.
Tal imagética produz uma dupla distorção. Primeiro, ela alça o magistrado a uma posição de protagonismo no processo, papel inapropriado para a função do poder judiciário no desenho das instituições da democracia representativa – na qual os poderes se relacionam por procedimentos de freios e contrapesos mas não de forma hierárquica. Segundo, ela apresenta Lula culpado, mesmo que antes da sentença. A soma dessa imagética à impressionante proporção de notícias negativas sobre o petista produz como efeito de sentido a justificação de sua condenação.
Considerações finais
O presente texto buscou comparar a cobertura de dois personagens que têm adquirido intensa repercussão na imprensa nacional: Lula e Moro. A partir da análise de valências e da descrição das imagens associadas aos dois foi possível identificar um descompasso visível entre as representações que a mídia procura produzir de cada um. Embora os dados quantitativos igualem os jornais e mostrem a preponderância de uma abordagem negativa à figura de Lula, em contraposição à positivação de Sérgio Moro, no que se refere ao conteúdo expresso nas imagens, nenhum meio impresso manifestou tanta repulsa ao ex-presidente como o carioca O Globo. A tentativa de tratar a política como algo caricato e passível de expressar-se em charges deriva na deslegitimação do personagem de Lula em confrontação ao endeusamento do judiciário, constantemente representado por Moro.
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