Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A multidão que aguardou por quase dez horas pela aparição de Lula e Dilma no palanque da praça Santos Andrade, no centro de Curitiba, na noite de quarta-feira, testemunhou um momento histórico da resistência dos brasileiros contra o golpe de maio-agosto de 2016.
A mobilização popular em busca da defesa de direitos ameaçados por Temer-Meirelles e pela restauração do Estado Democrático de Direito ainda parece longe do ponto de chegada mas realizou um avanço inegável, como uma caminhada em que se dobra uma esquina em direção ao ponto de chegada. Reunindo uma massa respeitável de mulheres e homens que se apertavam num dos pontos tradicionais da capital do Paraná, o ato sinalizou – justamente na sede da República de Curitiba -- para a ruptura do clima de consenso artificial construído em torno da Lava Jato e da perseguição a Lula, cenário indispensável para toda iniciativa de excluir da cena política o mais popular presidente de nossa história republicana.
Não foi uma ação entre amigos, embora eles tenham marcado presença. Foi uma manifestação popular, que mobilizou os brasileiros e brasileiras de várias camadas, mas uma grande parte daquela parcela mais larga que reside no degrau inferior da pirâmide social, que tanta falta fez aos candidatos do PT nas eleições municipais – e que, aos saltos, pressionada pelo desmanche de empregos e salários, se reaproxima de Lula, como mostram as pesquisas eleitorais para presidente.
Ao longo do dia, viveu-se na praça Santos Andrade um ambiente onde a tensão permanente que sempre acompanha a Lava Jato havia sido reforçada por duas novas medidas intimidatórias. A primeira foi absurdo decreto de suspensão do Instituto Lula sem qualquer razão consistente. A outra foi a proibição de que a defesa pudesse gravar a audiência, pedido que tem base legal. Numa conjuntura em que o próprio juiz Sérgio Moro divulga vídeos pela internet, o veto ao segundo vídeo apenas garantiu que a mídia adversária de Lula fizesse o trabalho de sempre, num espetáculo editado conforme suas escolhas e preferencias, sempre previsíveis.
Lula transmitia muita confiança sobre seu desempenho diante de Moro quando subiu ao palco. Era possível perceber - pelo tom de voz, pelo jeito desembaraço, pela segurança nos comentários improvisados - que sentia-se vitorioso, o que contagiou o publico logo de cara. ]
Ele fez um pronunciamento curto e incisivo, em tom pessoal e compreensivelmente emocionado. Após o discurso de encerramento, da porta voz das ocupações Ana Julia, o ato se dispersou num ambiente de confraternização, onde a sensação de vitória se somou a sensação de dever cumprido.
Veteranos que atravessaram a luta contra a ditadura militar não conseguiam evitar as lágrimas.
Um grupo de professoras que tomou um ônibus em Belo Horizonte passou o dia se divertindo com a palavra de ordem “Lula seu ladrão, roubou meu coração”.
Seis militantes que passaram dois dias numa viagem de 4000 quilômetros de Natal a Curitiba, onde desfilavam com duas bandeiras – do Estado e da capital distante – se aprontavam para o caminho de volta, convencidos de que o esforço tinha valido à pena.
A certeza de que se assistia a um episódio único em suas vidas fez muita gente acompanhar os discursos de celular na mão, seja para fotografar, seja para transmitir som e imagem aos amigos, pelo Facebook. “Não consigo enxergar nada, só celulares ”, protestou, a poucos metros do palanque, um sujeito de terno, acompanhado da namorado. Calou-se quando alguém rebateu: “É pelo interesse público”. Até tarde da noite,
Doze dias depois da greve geral, o ato de ontem foi uma demonstração da capacidade de organização das entidades empenhadas na defesa dos direitos de Lula. Sindicatos e confederações se mobilizaram, em companhia do Partido dos Trabalhadores, do MST e do MTST. Foi uma vitória política e também logística, que envolveu promover uma manifestação de peso num único ponto do país. Num sinal da temperatura aquecida em que o país se encontra, o dia se encerrou com o início dos preparativos para uma concentração em Brasília, 24 de maio, para combater a reforma da Previdência.
A retoma das mobilizações não ocorre no vazio, mas faz parte de uma conjuntura política propícia para o crescimento das manifestações das camadas debaixo, que costumam ganhar fôlego quando se acirram os conflitos nas camadas de cima. Em maio de 2017, as mesmas vozes engravatas que se mostraram eternamente unidas para afastar Dilma e garantir carta branca para Sérgio Moro e a Lava Jato, agora travam uma luta aberta pelos rumos da operação.
O conflito entre o PGR Rodrigo Janot e Gilmar Mendes, até ontem o mais influente ministro do STF, é bastante ilustrativo sobre limites aceitáveis para o estado de exceção. Aquilo que parecia líquido e certo para Janot já não parece garantido Gilmar, num conflito que, mesmo envolvendo denuncias de parte a parte contra familiares respectivos, envolve questões muito além de convicções e compromissos de um ministro do Supremo e o chefe do Ministério Público.
Principal aliado da Lava Jato entre os grupos de mídia, com uma credibilidade particular entre os membros do judiciário, o Estado de S. Paulo publicou um editorial em 10/5/2017 que é uma demonstração contundente de que acabou-se o tempo da unanimidade e do apoio incondicional. Combatendo a mitologia construída em torno da operação em seu cerne, o jornal diz que “é perniciosa a tentativa de transformar a Lava Jato na grande panaceia nacional.” O problema dessa postura “perniciosa”, nas palavras do editorial, é claro: “além de não tirar o país da crise, esse modo (de conduzir a Lava Jato) inviabiliza a saída para a crise.” O Estadão vai além. “Sendo importantes, os atos da Lava Jato não podem substituir a verdadeira prioridade nacional. Há uma profunda crise econômica, social, política e moral, que precisa com urgência ser combatida. Reconhecer essa hierarquia de valores não é um apoio velado a impunidade. É simplesmente não fechar os olhos, por exemplo, aos 14 milhões de desempregados.”
Ninguém tem o direito de aguardar uma postura piedosa em benefício de Lula. Seus adversários, que não se resumem a um único jornal, já patrocinaram vergonhosas tentativas de destruir sua reputação como cidadão e líder popular, num insubstituível trabalho preparatório à Lava Jato. A perseguição não se apoia em nenhum valor moral. Apenas reflete o tratamento que os 1% que mandam no país reservam aos inimigos de classe.
A novidade é que há rachaduras no pacto de dominação que conduziu o país até aqui – e por essa brecha a mobilização popular pode avançar. Nesta situação, o destino de Lula está longe de resolvido e são muitos os perigos a espreita, trabalhando além de qualquer consideração jurídica, como nós sabemos. Mas ele voltou para São Paulo maior do que saiu. Este foi o saldo da jornada na República de Curitiba.
A multidão que aguardou por quase dez horas pela aparição de Lula e Dilma no palanque da praça Santos Andrade, no centro de Curitiba, na noite de quarta-feira, testemunhou um momento histórico da resistência dos brasileiros contra o golpe de maio-agosto de 2016.
A mobilização popular em busca da defesa de direitos ameaçados por Temer-Meirelles e pela restauração do Estado Democrático de Direito ainda parece longe do ponto de chegada mas realizou um avanço inegável, como uma caminhada em que se dobra uma esquina em direção ao ponto de chegada. Reunindo uma massa respeitável de mulheres e homens que se apertavam num dos pontos tradicionais da capital do Paraná, o ato sinalizou – justamente na sede da República de Curitiba -- para a ruptura do clima de consenso artificial construído em torno da Lava Jato e da perseguição a Lula, cenário indispensável para toda iniciativa de excluir da cena política o mais popular presidente de nossa história republicana.
Não foi uma ação entre amigos, embora eles tenham marcado presença. Foi uma manifestação popular, que mobilizou os brasileiros e brasileiras de várias camadas, mas uma grande parte daquela parcela mais larga que reside no degrau inferior da pirâmide social, que tanta falta fez aos candidatos do PT nas eleições municipais – e que, aos saltos, pressionada pelo desmanche de empregos e salários, se reaproxima de Lula, como mostram as pesquisas eleitorais para presidente.
Ao longo do dia, viveu-se na praça Santos Andrade um ambiente onde a tensão permanente que sempre acompanha a Lava Jato havia sido reforçada por duas novas medidas intimidatórias. A primeira foi absurdo decreto de suspensão do Instituto Lula sem qualquer razão consistente. A outra foi a proibição de que a defesa pudesse gravar a audiência, pedido que tem base legal. Numa conjuntura em que o próprio juiz Sérgio Moro divulga vídeos pela internet, o veto ao segundo vídeo apenas garantiu que a mídia adversária de Lula fizesse o trabalho de sempre, num espetáculo editado conforme suas escolhas e preferencias, sempre previsíveis.
Lula transmitia muita confiança sobre seu desempenho diante de Moro quando subiu ao palco. Era possível perceber - pelo tom de voz, pelo jeito desembaraço, pela segurança nos comentários improvisados - que sentia-se vitorioso, o que contagiou o publico logo de cara. ]
Ele fez um pronunciamento curto e incisivo, em tom pessoal e compreensivelmente emocionado. Após o discurso de encerramento, da porta voz das ocupações Ana Julia, o ato se dispersou num ambiente de confraternização, onde a sensação de vitória se somou a sensação de dever cumprido.
Veteranos que atravessaram a luta contra a ditadura militar não conseguiam evitar as lágrimas.
Um grupo de professoras que tomou um ônibus em Belo Horizonte passou o dia se divertindo com a palavra de ordem “Lula seu ladrão, roubou meu coração”.
Seis militantes que passaram dois dias numa viagem de 4000 quilômetros de Natal a Curitiba, onde desfilavam com duas bandeiras – do Estado e da capital distante – se aprontavam para o caminho de volta, convencidos de que o esforço tinha valido à pena.
A certeza de que se assistia a um episódio único em suas vidas fez muita gente acompanhar os discursos de celular na mão, seja para fotografar, seja para transmitir som e imagem aos amigos, pelo Facebook. “Não consigo enxergar nada, só celulares ”, protestou, a poucos metros do palanque, um sujeito de terno, acompanhado da namorado. Calou-se quando alguém rebateu: “É pelo interesse público”. Até tarde da noite,
Doze dias depois da greve geral, o ato de ontem foi uma demonstração da capacidade de organização das entidades empenhadas na defesa dos direitos de Lula. Sindicatos e confederações se mobilizaram, em companhia do Partido dos Trabalhadores, do MST e do MTST. Foi uma vitória política e também logística, que envolveu promover uma manifestação de peso num único ponto do país. Num sinal da temperatura aquecida em que o país se encontra, o dia se encerrou com o início dos preparativos para uma concentração em Brasília, 24 de maio, para combater a reforma da Previdência.
A retoma das mobilizações não ocorre no vazio, mas faz parte de uma conjuntura política propícia para o crescimento das manifestações das camadas debaixo, que costumam ganhar fôlego quando se acirram os conflitos nas camadas de cima. Em maio de 2017, as mesmas vozes engravatas que se mostraram eternamente unidas para afastar Dilma e garantir carta branca para Sérgio Moro e a Lava Jato, agora travam uma luta aberta pelos rumos da operação.
O conflito entre o PGR Rodrigo Janot e Gilmar Mendes, até ontem o mais influente ministro do STF, é bastante ilustrativo sobre limites aceitáveis para o estado de exceção. Aquilo que parecia líquido e certo para Janot já não parece garantido Gilmar, num conflito que, mesmo envolvendo denuncias de parte a parte contra familiares respectivos, envolve questões muito além de convicções e compromissos de um ministro do Supremo e o chefe do Ministério Público.
Principal aliado da Lava Jato entre os grupos de mídia, com uma credibilidade particular entre os membros do judiciário, o Estado de S. Paulo publicou um editorial em 10/5/2017 que é uma demonstração contundente de que acabou-se o tempo da unanimidade e do apoio incondicional. Combatendo a mitologia construída em torno da operação em seu cerne, o jornal diz que “é perniciosa a tentativa de transformar a Lava Jato na grande panaceia nacional.” O problema dessa postura “perniciosa”, nas palavras do editorial, é claro: “além de não tirar o país da crise, esse modo (de conduzir a Lava Jato) inviabiliza a saída para a crise.” O Estadão vai além. “Sendo importantes, os atos da Lava Jato não podem substituir a verdadeira prioridade nacional. Há uma profunda crise econômica, social, política e moral, que precisa com urgência ser combatida. Reconhecer essa hierarquia de valores não é um apoio velado a impunidade. É simplesmente não fechar os olhos, por exemplo, aos 14 milhões de desempregados.”
Ninguém tem o direito de aguardar uma postura piedosa em benefício de Lula. Seus adversários, que não se resumem a um único jornal, já patrocinaram vergonhosas tentativas de destruir sua reputação como cidadão e líder popular, num insubstituível trabalho preparatório à Lava Jato. A perseguição não se apoia em nenhum valor moral. Apenas reflete o tratamento que os 1% que mandam no país reservam aos inimigos de classe.
A novidade é que há rachaduras no pacto de dominação que conduziu o país até aqui – e por essa brecha a mobilização popular pode avançar. Nesta situação, o destino de Lula está longe de resolvido e são muitos os perigos a espreita, trabalhando além de qualquer consideração jurídica, como nós sabemos. Mas ele voltou para São Paulo maior do que saiu. Este foi o saldo da jornada na República de Curitiba.
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