domingo, 7 de maio de 2017

O mundo da pós-verdade e do fake news

Por Renato Rovai, em seu blog:

Na quinta-feira uma polêmica ganhou as redes após a divulgação por alguns sites de que o presidente da Câmara Federal, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), havia resgatado um projeto do também deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) que modifica o processo eleitoral.

Essencialmente o projeto de Castro altera o calendário das eleições que, ao invés de, a cada dois anos, seriam todas numa única ocasião, a cada cinco anos. E acaba com a reeleição para cargos executivos.

Os veículos que noticiaram o fato, entre eles a Revista Fórum, viram na atitude um risco de que o governo e o Congresso poderiam utilizá-lo para adiar as eleições de 2018 para 2020, o que permitiria a unificação de todos os pleitos.

A Revista Fórum utilizou no seu título a expressão “abre caminho”. Ou seja, não afirmou que isso aconteceria.

Algumas horas depois da publicação, o relator da Reforma Política, o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) saiu em defesa do presidente da Casa, Rodrigo Maia, e disse que teria sido ele o autor da sugestão de resgatar o projeto de Marcelo Castro, porque entendia que isso facilitaria o andamento da reforma.

Foi o suficiente para que algumas pessoas passassem a acusar Fórum e outros veículos de sites Fake News ou de Jornalismo Pós-Verdade.

Ignoraram o básico, que o presidente da Câmara criou sim e em caráter de urgência uma comissão especial para analisar o projeto de 2003 do deputado Marcelo Castro. E que nesta comissão tudo pode ser discutido em relação ao tema, incluindo o adiamento das eleições de 2018, desde que este projeto seja aprovado até 30 de setembro próximo.

Ou seja, não havia mentira alguma na informação. Ela não era falsa. O que se pode discutir é se este foi ou não o motivo da criação da comissão. E se isso vai ou não de fato acontecer.

Mas os ataques a quem, como Fórum, abordou o assunto foram todos nesta linha do “Fake News” e “pós-verdade”.

Nada demais, Fórum está bem calejada para este tipo de ação. Mas o que perturba é que em todos os campos ideológicos, da extrema direita à extrema esquerda, esses conceitos foram assimilados sem nenhum tipo de reflexão. E estão sendo utilizados para a disputa política sem que se debata os riscos que se corre buscando critérios para julgamentos desta ordem.

E neste momento tanto Google como o Facebook começam a discutir como punir aqueles que forem julgados como sites mentirosos.

E para isso estariam financiando grupos de jornalistas que se organizam em ONGs para avaliar conteúdos publicados na internet.

O Google, em especial, diz estar preocupado com o fato de que a sua remuneração via o Adsense poderia estar ajudando a fomentar a multiplicação de notícias sensacionalistas e falsas. Já que elas acabam tendo muito audiência.

Faz sentido.

No caso brasileiro, boa parte dos sites criados para espalhar boatos falsos não são registrados no país e quase todos estão repletos de publicidades do Google. Eles produzem fotos-montagens absurdas e difundem notícias que não têm a menor relação com a realidade.

Como seus registros estão fora do país e em lugares onde é impossível processar os autores, eles acabam impunes. Mas isso não significa que não exista uma conta bancária no PayPal para receber os recursos dessa ação.

Identificar esses sites é muito mais fácil do que parece. E não é preciso nenhum grande trabalho de investigação. Em uma semana um grupo de estagiários consegue listar algumas dezenas desses endereços e entregar para uma comissão séria composta por membros da sociedade civil para criar o que se convencionou chamar na internet de black list. Que, convenhamos, não é exatamente a melhor designação.

Mas a questão é que não é isso que parece interessar a mídia tradicional que é quem está por trás deste movimento.

O que os grandes grupos de mídia querem é transformar em Fake News os sites e blogues que não fazem parte do grupo “branco e limpinho” deles.

A intenção é tentar aos poucos ir minando a credibilidade de veículos que fazem outro tipo de jornalismo e, se possível, bloquear uma das suas formas de rentabilização, que é via publicidade do Google.

Por isso, esses grupos que fazem avaliação de matérias focam suas análises em veículos nascidos nas redes e não na mídia tradicional.

Quantas vezes você viu esses sites avaliando, por exemplo, reportagens de capa da Veja ou IstoÉ? Quantas vezes você viu análises sobre exageros no Jornal Nacional? Quantos erros do Estado e da Folha estão sendo divulgados por esses grupos?

É necessário discutir sim como combater as notícias falsas. Muito antes da internet existir, inclusive, isso já era feito por quem trabalhava com o que se convencionou chamar de crítica de mídia. Mas isso não é algo que possa ser feito na lógica do Tribunal do Facebook e por gente absolutamente comprometida com um lado do espectro midiático.

Inclusive, porque o conceito de verdade é algo absolutamente questionado já há mais de um século por diferentes pensadores. E de alguma forma também porque é ela (a verdade) como algo absoluto que tem causado o acirramento das disputas em todos níveis. A “verdade” é alimento do fundamentalismo.

É também a partir dela que se forjam as armas de ataque para a construção das piores coisas, não apenas das notícias falsas, mas por exemplo, o de linchamento a gays nas ruas das grandes cidades.

Por isso seria bem interessante que aqueles que estão muito empolgados em espalhar frases “Fake News” por aí pensassem antes se não estão operando para essa lógica de ampliação da guerra. E mais do que isso, se não estão jogando tão somente a favor dos interesses dos grandes grupos de comunicação que querem continuar sozinhos no cenário midiático para fazerem o que historicamente fizeram, contar a história por uma única lente, a das suas verdades. As verdades que produziram imensas tragédias e muito lucro para os mesmos de sempre.

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