quinta-feira, 25 de maio de 2017

Temer e ministros estão refugiados no poder

Por Eduardo Maretti, na Rede Brasil Atual:

Depois dos protestos em Brasília nesta quarta-feira (24), o governo de Michel Temer não tem saída. Isolado, o presidente ainda se apega a tentativas desesperadas de se manter no poder. O símbolo desse desespero foi a edição, no mesmo dia do Ocupa Brasília, do decreto autorizando “o emprego das Forças Armadas para a garantia da Lei e da Ordem no Distrito Federal”. A falta de apoio foi tal que Temer recuou e, menos de 12 horas depois, revogou o decreto. A questão agora é saber o que se pode esperar para os próximos dias e qual a “porta de saída” mais provável pela qual o presidente deixará o “comando” do país.

“O que há fundamentalmente é um governo que se dissolveu, que perdeu o controle”, diz o jurista e professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Pedro Serrano. “Trata-se de um projeto de diminuição do tamanho do Estado que não cabe no Brasil, de redução dos direitos sociais, de um poder 'desconstituinte', para usar expressão do jurista italiano Luigi Ferrajoli. Um poder que tem amesquinhado os direitos fundamentais. O país não tem como viver de forma pacífica com esse grau de agressão aos direitos dos trabalhadores, dos cidadãos em geral.”

Diante da violenta crise econômica com quase 15 milhões de desempregados, não satisfeito, o governo e sua base no Congresso Nacional continuam “produzindo leis que reduzem cada vez mais os direitos de milhões de pessoas”, diz Serrano. “Isso é uma incitação à violência.”

O economista e professor João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta o simbolismo do decreto que colocou Brasília virtualmente sob estado de sítio por algumas poucas horas. “Foi revogado porque tudo o que o governo Temer faz é rejeitado por todos. Essa medida foi rejeitada pelas Forças Armadas, pelo STF, pelo Senado, pela sociedade, pelo governador do Distrito Federal. Temer e seus comparsas não sabem para onde correr, nem ele, nem o Padilha (ministro-chefe da Casa Civil) etc. Estão refugiados dentro do Palácio do Planalto e do Palácio do Jaburu.”

A cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), avalia: “Vivemos a expressão da situação a que o Brasil chegou. A classe política está encurralada”.

Temer ainda é “apoiado por uma minoria resistente”, diz Sicsú, cuja expectativa é de que nos próximos dias o país encontre uma saída para a crise política permanente desde o golpe que derrubou Dilma Rousseff. “Espero que a saída seja apontada pelas ruas e mobilizações da sociedade, e portanto seja feita pela maioria, que rejeita profundamente esse governo e seu projeto de reformas trabalhista e previdenciária, e não uma saída por cima, dirigida pela Globo, com os bancos, as multinacionais e suas marionetes, PSDB, PMDB e penduricalhos menores”, avalia Sicsú. Em sua opinião, as "Diretas Já" seriam a única solução a contemplar de fato a voz das ruas.

O que pode acontecer nos próximos dias ou horas não é possível prever, dada a imprevisibilidade no país. Especulações e informações supostamente de bastidores alimentam as manchetes e em seguida são ultrapassadas por novos fatos.

Nesta quinta, por exemplo, o deputado Carlos Zarattini (SP) e a senadora Gleisi Hoffmann (PR), líderes do PT na Câmara e no Senado, respectivamente, negaram, pelas redes sociais, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteja conversando com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney na tentativa de encontrar eventuais saídas para a crise e a substituição de Temer. A informação foi divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo.

Jobim?

Segundo reportagem da revista Piauí, Nelson Jobim, ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, frequentemente citado como um dos favoritos a substituir Temer se a solução se der via eleição indireta, teria negado a possibilidade de assumir a tarefa. As justificativas seriam duas, e pouco convincentes: resistência da mulher e eventuais problemas que essa “missão” poderiam causar ao banco no qual Jobim é um dos sócios, o BTG Pactual.

Mas não deixa de ser significativo que a negativa de Jobim teria se dado num almoço em São Paulo com cinco dezenas de membros do mercado financeiro, justamente no dia do Ocupa Brasília.

Se o fim do governo Temer é um fato, não se pode prever se sua saída acontecerá com a cassação no Tribunal Superior Eleitoral, provavelmente no dia 6, ou se ele vai renunciar após um suposto acordo que estaria sendo costurado nos bastidores. “Do ponto de vista político, está resolvido, esse governo não vai continuar. O que não está resolvido é a transição: se será pelo Congresso Nacional comandado pela Globo, ou se será pela vontade das ruas”, diz Sicsú.

Seja como for, Pedro Serrano não vê uma solução para a crise num horizonte próximo. Autor do livro Autoritarismo e golpes na América Latina (editora Alameda Casa Editorial), produto de uma tese de pós-doutorado que apresentou em Lisboa, ele acredita que a crise iniciada com o impeachment inconstitucional de Dilma Rousseff, na realidade, ainda vai se aprofundar. “O que temos é cada vez mais poderes selvagens no Brasil, para usar outra expressão de Farrajoli. É uma ferida institucional difícil de curar. Um projeto de redução de direitos, num momento de crise econômica muito violenta e acusações de corrupção que estarrecem a sociedade. Esse conjunto de fatores está dissolvendo as relações regulares de poder”, avalia.

Com a queda de Temer, acredita, o quadro não vai se amenizar tão rapidamente. “Acho que vem uma sequência autoritária, mesmo com a queda do Temer. Creio que a tendência é ampliar cada vez mais a esfera autoritária, até ela entrar em um ciclo de desestrutura. Daí, o ciclo começa a terminar. As pessoas acham que o autoritário traz a ordem, vão atrás do autoritarismo e do populismo em geral, mas na realidade isso é o caos, como a história mostra.”

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