sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Cadê a tal "retomada" da economia?

Por Tiago Pereira, na Rede Brasil Atual:

Com a popularidade em baixíssimos níveis, o governo de Michel Temer aposta em parcos sinais de recuperação da economia, que apontariam para a superação do atual quadro de recessão, para assim se manter no poder. No mercado financeiro, o cenário é de aparente euforia, com a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), registrando sucessivos recordes nesta semana. Apenas na quinta-feira (14), já sob impacto da nova denúncia apresentada contra o presidente, o índice fechou com leve queda. 

A elevação de 0,2% no PIB no segundo trimestre, em relação aos três meses anteriores, a queda na inflação e a redução da taxa de juros são alardeadas pela equipe econômica, bem como a leve queda no desemprego, como conquistas do atual governo, a ponto de a candidatura do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, à presidência ter sido anunciada pelo seu partido, o PSD.

Contudo, os números comemorados pelo mercado e pelo governo parecem distantes do dia a dia das pessoas e tendem a se chocar com a realidade. Outros indicadores apresentados por economistas ouvidos pela RBA apontam para um longo caminho até uma retomada sustentável da economia, e confirmam que o atual projeto de desenvolvimento é concentrador e excludente, o que explica a comemoração por parte de alguns segmentos.

Para a coordenadora de Pesquisas e Tecnologia do Dieese, Patrícia Pelatieri, após uma sequência de quedas desde o final de 2014, a alta no PIB se relaciona com "fatores não recorrentes", como a a liberação das contas inativas do FGTS, que impactaram positivamente no consumo das famílias no último trimestre, mas tendem a não se repetir nos próximos períodos, o que impossibilita falar em uma retomada consistente.

"Não conseguimos ver nesses indicadores indícios de uma retomada. Quando se olha nos últimos 12 meses, o PIB está em queda (-1,4%). É verdade que houve um arrefecimento dessa queda. Podemos dizer que, estatisticamente, tem ocorrido uma diminuição no ritmo de deterioração da economia brasileira, mas isso é muito diferente de dizer que estamos retomando o crescimento", afirma Pelatieri.

Para o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Guilherme Mello, não existem elementos que possibilitem falar em tendência sustentada da retomada de crescimento. Segundo ele, o cenário atual é de "semi-estagnação".

"Essa euforia está muito mais na televisão do que na população, que continua desconfiada, continua contra as reformas do governo, contra o governo, e, em sua maioria, continua apoiando um candidato da oposição, mesmo com todo o massacre", afirma Mello.

Além dos "fatores não recorrentes", Mello destaca o cenário externo favorável, com excesso de oferta de crédito na economia mundial e uma série de países adotando taxas de juros muito baixas ou até negativas em alguns casos. "Esses capitais internacionais vão procurar lugares onde a rentabilidade é maior. O Brasil oferece rentabilidade altíssima, porque ainda tem juros muito elevados na comparação internacional", diz o economista. 

Para poucos

Ambos os economistas destacaram que esse modelo adotado pelo governo Temer já vem produzindo consequências como o crescimento da concentração de renda. Levantamento realizado por uma consultoria de mercado, publicado pelo jornal Valor Econômico, nesta semana, revelou que a renda dos mais ricos registrou crescimento de dois dígitos, enquanto a classe média ainda patina, e os mais pobres ainda seguem com perdas, durante o primeiro semestre de 2017.

Enquanto a massa salarial da classe A cresceu 10,3%, a renda das classes B (+0,69%) e C (+1,06%) cresceu menos. Já as classes D e E apresentaram perdas de 3,5%, no período. "É o projeto neoliberal da década de 1990, em sua forma mais pura e radical. Essa pequeníssima retomada, quem mais ganhou foram as classes mais altas. Não é acidental", diz o professor.

"O mercado financeiro nunca esteve colado ao mundo real. Pelo contrário, ele especula. O mercado não está preocupado com o que será do país no futuro, mas apenas em se reproduzir e concentrar ainda mais a riqueza. Não está preocupado com o futuro do país, inclusive porque o capital financeiro não tem nacionalidade, não pensa em um projeto de nação", opina a economista do Dieese.
Euforia na Bolsa

É a atração desse capital especulativo que explica, em parte, a excitação que toma conta do mercado financeiro. Segundo os economistas, outro componente importante é o amplo projeto de privatização anunciado pelo governo, que garantiria oportunidades de "ganhos extraordinários" para o capital privado ao se apropriar do patrimônio público.

Segundo Mello, a arrancada da Bolsa na segunda-feira, após a prisão Joesley Batista, um dos donos da JBS, faz parte de uma visão simplista por parte dos operadores do mercado, que acreditam que dessa maneira o governo sairia fortalecido para levar adiante a sua agenda privatista e liberalizante.

"É apenas uma mera ilusão acreditar que o Brasil do Ibovespa tem a ver com o Brasil real. Na verdade, o Ibovespa reflete expectativa de ganhos financeiros que, em muitas vezes, não tem a ver diretamente com a expectativa de lucratividade da empresa, mas sim com a valorização dos papeis", diz Mello.

"Temos, por exemplo, a Petrobras diminuindo de tamanho, reduzindo a produção, cortando empregos, mas se valorizando muito na Bolsa, porque está vendendo ativos, se capitalizando e, portanto, as ações se valorizam. Enquanto isso, o impacto na economia real é desemprego, queda na produção", explica.

O economista da Unicamp sustenta ainda que, como não bastasse o enorme pacote de ativos posto à venda pelo governo, há uma briga para ver quem agrada mais ao mercado. "Se Meirelles prometeu vender a Casa da Moeda, Doria promete vender a Petrobras. Isso atrai as atenções do mercado."
Juros

Mesmo com o último corte de um ponto percentual na taxa básica de juros (Selic), atualmente fixada em 8,25% ao ano, a taxa de juros real, quando descontada a inflação do período – 2,46% de acordo com o IPCA –, alcança o patamar de 6% ao ano, e segue como uma das maiores do mundo. Com uma queda ainda insuficiente, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, já anuncia redução na velocidade dos cortes, de modo a não comprometer a lucratividade do setor financeiro.

"O governo tem compromissos com o ganho do capital. A política monetária está muito casada com o projeto de desenvolvimento. O que nós vemos é um projeto de desnacionalização, venda de patrimônio, de entrega de todos os instrumentos básicos para o desenvolvimento, e a manutenção dos ganhos do capital. Tudo isso serve a um projeto que, certamente, não é um projeto nacional, mas sim absolutamente excludente e concentrador. É um projeto em que não cabem todos os brasileiros", analisa a pesquisadora do Dieese.
Desemprego

A queda no desemprego também é relativizada pela economista. Patrícia destaca que a redução de 13,6% para 12,8%, segundo o IBGE, se deu em função do crescimento da informalidade, e que habitualmente, a taxa de desocupação apresenta recuo no segundo trimestre do ano. Os empregos com carteira ficaram estáveis, e a redução se deveu ao aumento das contratações sem registro e dos trabalhadores autônomos.

"O que estamos vendo é que esse desemprego é persistente e de longa duração", diz a economista. Estudo realizado em parceria entre a Fundação Seade e o Dieese revelou que a busca por emprego, em São Paulo, dura em média 43 semanas. Em Salvador, a procura por recolocação pode levar mais de um ano. Patrícia destaca que, por conta dessa longa duração, muitas pessoas desistem de buscar uma ocupação, o que pode ter reflexos no índice de desemprego.

Para que exista uma reação mais robusta do emprego, é necessário investimento, o que não vem ocorrendo, frisam os economistas. No mesmo índice do IBGE que registrou o avanço do PIB, a formação bruta de capital fixo (investimento das empresas) registrou queda de 0,7.

"O emprego e a renda sempre reagem depois, pois tem um tempo de maturação dos investimentos. Mas se nós não conseguimos enxergar uma retomada dos investimentos, então, a do emprego fica ainda mais distante. Não tem como melhorar o mercado de trabalho e a renda se não tiver crescimento substancial. Pode até ter crescimento econômico sem emprego, mas não o contrário", conclui Patrícia.

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