sábado, 30 de setembro de 2017

Os estranhos “prêmios” da Lava-Jato

Por Miguel do Rosário, no blog Cafezinho:

[Da série Quem ganhou o golpe? 2ª parte: Os estranhos prêmios da Lava Jato. Leia todos os artigos da série clicando aqui.]

Após protestos de setores progressistas da comunidade jurídica brasileira, a University of British Columbia não concedeu prêmio à Lava Jato, uma das concorrentes ao prêmio Allard, oferecido pela faculdade de direito da instituição a projetos ligados à luta contra a corrupção.

Quem ganhou foi Khadija Ismayilova, uma jornalista do Azerbaijão, que trabalha para duas ongs financiadas pelo governo americano, com objetivo praticamente declarado de impor a visão americana sobre as regiões sob influência da Rússia: a Radio Free Europe, financiada 100% pelo governo americano, e que até 1972 era subsidiada diretamente pela CIA; a partir dessa data, o governo americano criou um fundo específico para financiar esse tipo de atividade; e a Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), financiada pelo Departamento de Estado, pela Open Society, do investidor George Soros, pelo Google e pela National Endowment for Democracy (uma outra organização subsidiada por verbas do governo americano).

Analisando os prêmios anteriores da Allard, eles seguem mais ou menos o mesmo padrão: organizações ou indivíduos que trabalham para organizações financiadas pelo governo dos EUA ou por fundações como Open Society, além das onipresentes multinacionais do petróleo, Exxon, Chevron, Shell, Total.

Os jornalistas patrocinados por essas instituições podem até fazer um trabalho sério, por vezes corajoso, e efetivamente denunciar problemas graves de corrupção. Mas já que se fala tanto em “lugar de fala”, é importante ficarmos atentos para quem financia suas ações e, sobretudo, quais são os objetivos políticos ou geopolíticos que se alojam, às vezes com muita discrição, por trás delas.

Premiar a Lava Jato, uma operação financiada pelo contribuinte brasileiro, seria um ponto fora da curva para o Allard, pois é quase impossível que qualquer país permita que operações desses tipo, anti-governo, anti-nacionais, ganhem projeção internacional, prejudicando tão duramente o soft power dos próprios países. A maioria das nações, prudentes, prefere lavar a roupa suja dentro de casa.

A comunidade jurídica brasileira progressista, organizada principalmente através da associação Juristas pela Democracia, formada nas lutas de resistência ao golpe de 2016, enviou inúmeros protestos à organização do prêmio, com informações sobre as violações aos direitos humanos mais elementares cometidas pela Lava Jato.

Presente ao evento, à espera do troféu que não veio, Dallagnol respondeu em tom melodramático à entrevista que deu à instituição, conforme se pode ler no site da premiação:

O que o inspira a fazer o trabalha que você faz?

“Muito mais do que punir as pessoas que cometeram corrupção, o que é naturalmente uma questão de justiça, o que me inspira é uma motivação humanitária. Por trás dos rostos do servidores públicos corruptos, políticos e homens de negócios, há milhões de brasileiros, pessoas de carne e osso, que sofrem as consequências da corrupção. É uma questão de amar a nossa gente. Eu estou falando de pessoas que morrem nas filas dos hospitais públicos, esperando para serem atendidas. Pessoas que são feridas todos os dias em acidentes causados por buracos nas estradas. Pessoas jovens que não tem oportunidades porque o sistema educacional foi roubado. No Brasil, mais de 35 milhões de pessoas não tem acesso a água potável e mais de 100 milhões não tem acesso a sistemas de tratamento de esgoto. Tudo isso me leva a fazer o melhor possível o meu trabalho e, como cidadão, fazer a diferença.”


São palavras tocantes, embora talvez um pouco cínicas para alguém que, ao invés de trabalhar ajudando os brasileiros mais humildes, vive dando palestras em eventos como esse último do qual participou, o 8º Congresso Internacional de Mercados Financeiros e de Capitais, cujo ingresso custava R$ 5.900,00.

Dallagnol também não contou aos organizadores do prêmio Allard que adquiriu, em condições vantajosas e preços baixos, dois imóveis do programa Minha Casa Minha Vida, destinados a famílias de baixa renda, para revendê-los com altíssimo ágio. Nem que ele e seus amigos do ministério público ganham salários muito acima do teto estabelecido pela Constituição, sugando dinheiro que poderia ser usado, como ele mesmo diz em sua nota, para melhorar a educação e a saúde dos brasileiros.

De qualquer forma, eu fiquei curioso para entender como funciona o prêmio Allard. O site da premiação explica que ele é definido por um comitê, com representantes do setor privado e da própria faculdade Peter A. Allard School, pertencente à Universidade of British Columbia (UBC). Peter A. Allard é o herdeiro do magnata da mídia Charles Allard, que fundou a primeira tv privada independente do Canadá, e que morreu em 1991. Como um bom bilionário, Peter usou a herança para criar uma fundação e salvar o dinheiro da voracidade do fisco canadense. Uma de suas doações mais generosas, de US$ 30 milhões, à faculdade de direito da UBC, fez com que esta levasse o seu nome, assim como o prêmio.

Voltando ao comitê, ele é composto por seis pessoas. Além de três professores da faculdade, temos três figuras do setor privado: Robert W. King, da Westbridge Capital Group; Geoff Lyster, da Fasken Martineau DuMoulin LLP; e Richard Olson, da McKechnie & Company. Dos três, o que mais chama atenção é Geoff Lyster, porque a sua firma, a Fasken Martineau, é um dos maiores escritórios de advocacia do Canadá, com 770 advogados espalhados pelo mundo inteiro.

Um dos principais clientes da Fasken é o gigante canadense Brookfield, que inclusive é proprietário de um de seus escritórios mais importantes, em Toronto, o edifício Bay Adelaide Centre, com design e estrutura sustentáveis.

A Brookfield é imensamente grata à Lava Jato e, portanto, seus leais advogados da Fasken, também o são. A Brookfield tem sido, até agora, o grupo mais voraz na aquisição de ativos da Petrobras e Odebrecht, postos à venda após a Lava Jato praticamente liquidar com a empreiteira baiana e ferir profundamente a estatal. A Brookfield comprou, por US$ 5,2 bilhões, a unidade de gasodutos Nova Transportadora Sudeste (NTS), até então pertencente à Petrobrás.

Os interesses da University of British Columbia no mundo do petróleo vão além: a universidade é gerida por um fundo que, além de generosas contribuições do governo canadense (mais de 40% do total), aufere renda de investimentos em variados setores, incluindo petróleo. O Canadá, como todos sabem, é um dos maiores produtores e exportadores mundiais de petróleo.

Uma reportagem no UOL sobre os protestos envolvendo a possível premiação da Lava Jato pelo Allard informava que aquele poderia ser o 9º prêmio da operação. E traz a lista deles, que reproduzo abaixo.

- GIR (Global Investigations Review), em 2015, na categoria “Órgão de Persecução Criminal ou Membro do Ministério Público do Ano”;
- 4.º Prêmio República, da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), em 2016: prêmio especial, hors concours, de combate à corrupção;
- Prêmio Ajufe (Associação dos Juízes Federais) do Brasil, em 2016, na categoria “Boas Práticas de Gestão para a Eficiência da Justiça Federal”;
- Prêmio do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), em 2016, na categoria “Redução da Corrupção”;
- Prêmio Anticorrupção da Transparência Internacional, em 2016;
- Prêmio Innovare, em 2016, na categoria “Ministério Público”;
- Prêmio Pinheiro de Ouro, da Fiep (Federação das Indústrias do Paraná), em 2017, em conjunto com Polícia Federal, Justiça Federal e Receita Federal;
- Diploma de Mérito do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), em 2017.

Basta uma vista d’olhos para identificar que, dos oito prêmios listados, seis deles são prêmios nacionais totalmente inócuos: quatro são puramente corporativos, do próprio Ministério Público (CNMP, ANPR), do Judiciário (Ajufe) e da Receita (Coaf), ou seja, de órgãos que participam da “força-tarefa”. Um é da Globo (Innovare) e não conta. O prêmio “Pinheiro de Ouro”, da Fiep, é apenas vergonha alheia, sobretudo pela participação, incompreensível, da “Polícia Federal, Justiça Federal e Receita Federal”. O presidente atual da Fiep é presidente estadual do PRB, que sucedeu Rodrigo Rocha Loures, o pai do agora famoso Rocha Loures, flagrado com R$ 500 mil em propinas dadas pela… JBS. Aliás, o fato de Rocha Loures estar solto e tantos outros, sem nenhuma prova, é algo a se pensar.

Sobraram então dois prêmios internacionais, o GIR (Global Investigations Reviews) e o da Transparência Internacional.

E aí entramos no mesmo circuito, já observado no prêmio Allard, do novo imperialismo softpower, com sua rede de organizações financiadas por governos centrais, fundos financeiros e petroleiras.

Os dois casos são escandalosos.

O GIR é financiado e dirigido diretamente por executivos de petroleiras multinacionais ou de firmas de lobby de petroleiras. Está tudo no site deles, para quem tiver olhos para ver: dentre os executivos de petroleiras mais conhecidas, temos Aurelién Hamelle, da Total, e Anne Riley, da Shell International Limited; o resto são, aparentemente, escritórios de advocacia, entre elas algumas conhecidas firmas norte-americanas de lobby, como a Hogan Lovells. Gostei de reencontrar ali também um tal de Karolos Seeger, da Debevoise & Plimpton LLP. A Debevoise foi o escritório que salvou a Globo da falência, em meados de 2004 ou 2005, transformando, por uma operação alquímica, sua dívida bilionária em “bonds”. A título de curiosidade: os bonds da Globo estão passando por maus bocados, sendo rebaixados a cada vez que se os avalia. Já estão com nota BB- negative.

A Transparência Internacional é um caso famoso de picaretagem. É financiada com recursos de governos, notadamente do Departamento de Estado americano (equivalente ao nosso ministério de relações exteriores), que hoje tem como titular o ex-CEO da Exxon Mobil, maior petroleira privada do mundo, Rex Tillerson; por instituições subsidiadas pelo governo americano, como o National Endowment for Democracy (NED), que recebe mais de US$ 100 milhões/ano do Congresso americano; por petroleiras, como a Shell; e pelos velhos suspeitos de sempre, como a Open Society, de George Soros.

Se permitem uma opinião: operações de investigação, sobretudo aquelas em curso, que ainda serão revisadas em cortes superiores, não deveriam receber “prêmios”. Na verdade, mesmo aquelas que já estivessem totalmente finalizadas, ainda assim não deveriam receber prêmios.

Juízes e procuradores também não deveriam, jamais, receber prêmios. Se eles executam seu serviço corretamente, não fazem mais do que a obrigação, porque ganham muito bem para isso. No caso do Brasil, ganham inclusive até demais. Essas operação não são jamais perfeitas, e esses prêmios dificultam muito que sejam criticadas e revisadas, como devem ser, pelos órgãos superiores responsáveis, no Ministério Público, no Judiciário, ou pela própria sociedade.

O governo brasileiro, como de praxe, comeu mosca ao permitir que a Lava Jato granjeasse fama internacional às custas da queima irresponsável do nosso soft power. Venderam-se mentiras, mitos e exageros. A Lava Jato foi exibida como maior operação contra a corrupção da história do Brasil, do mundo, quando, na verdade, revelou-se como a ação policial mais irresponsável e trágica de todos os tempos, em qualquer país. Somente países atingidos duramente por invasões estrangeiras, promovidas por potências com capacidade bélica infinitamente superior, sofreram estragos tão grandes em sua infra-estrutura industrial, em seu mercado de trabalho, em sua estabilidade política.

O Brasil sofrerá, por décadas, os prejuízos causados pela Lava Jato, que destruiu nossas defesas politicas, formadas por nossos partidos trabalhistas e nacionalistas, que impediam que nossas empresas, públicas ou privadas, fossem devoradas pelo capital internacional.

Mais que isso, a Lava Jato trabalhou, deliberadamente, calculadamente, em linha com a agenda política do golpe. Sergio Moro e procuradores, e mais tarde, seus seguidores na Procuradoria Geral, em Brasília, tratavam de promover vazamentos no momento certo. Prendiam gente igualmente com um timing previamente calculado para causar o maior estrago possível ao governo Dilma. Delações foram combinadas e forjadas. Documentos e provas foram alterados ou interpretados com enorme criatividade. Pessoas ficaram presas sem direito a habeas corpus, sem nenhuma esperança de julgamento justo, enquanto não aceitassem “delatar” exatamente aquilo que os procuradores deveriam ouvir.

Quando o historiador futuro analisar o nosso tempo, ele entenderá que os verdadeiros bandidos não eram os políticos e empreiteiros que, com todos os seus defeitos, vinham transformando o Brasil numa das nações mais prósperas do mundo.

Os culpados por nossa desgraça não foram políticos e empreiteiros, e sim um punhado de mandarins do Estado e da mídia, vendidos para interesses obscuros, com um gosto inusitado para frequentar o Wilson Center, em Washington, e participar de reuniões secretas com o Departamento de Estado americano, que não mediram esforços para destruir as maiores empresas de engenharia do Brasil e criar a atmosfera propícia a um golpe de Estado, que nos trouxe um retrocesso político, social, econômico, moral, sem precedentes.

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