sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Fim da estabilidade enfraquece setor público

Por Railídia Carvalho, no site Vermelho:

“Um petardo” e “mais um golpe contra os trabalhadores” foram as definições atribuídas, respectivamente, pelos dirigentes sindicais dos trabalhadores do serviço público, João Domingos e João Paulo Ribeiro, o JP, sobre a aprovação, nesta quarta-feira (4), do Projeto de Lei do Senado (PLS) 116/2017 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Em convergência com a iniciativa da autora do projeto original, senadora Maria do Carmo (DEM-SE), o relator do PLS na CCJ, senador Lasier Martins, manteve a lógica de punir com demissão servidores públicos tendo como base avaliação de insuficiência de desempenho, um critério subjetivo.

O projeto chegou nesta quinta-feira (5) à Comissão de Assuntos Sociais. Em seguida tramitará pelas Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa e de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor. Em caso de aprovação, se estenderá às três esferas públicas a partir das devidas legislações complementares.

O PLS propõe produtividade e qualidade como referenciais fixos para a avaliação do trabalhador. A nota nesses quesitos pode significar até metade da nota final. Fatores variáveis como inovação e capacidade de iniciativa são outros critérios que embasarão a nota conclusiva. Um conceito N (não atendimento) nas duas últimas avaliações pode significar a demissão do trabalhador.

Atacar servidor é atacar serviço público

Na opinião dos dirigentes ouvidos pelo Portal Vermelho, que também consultou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o fim da estabilidade do servidor, que é pregado como positivo, servirá para enfraquecer o serviço público e as políticas públicas, debilitadas pelas medidas do governo de Michel Temer. As críticas também consideram os critérios subjetivos.

Ao PLS 116 se somam iniciativas como o Programa de Desligamento Voluntário (PDV) para o servidor público, o Projeto de Lei que limita o direito de greve no setor, o congelamento do salário do trabalhador do serviço público e também o aumento da contribuição previdenciária deste servidor, prevista na reforma da Previdência Social. Um pacotaço de maldades, segundo os entrevistados.

Greve

“Os ataques vindos do Congresso e do governo golpista ao servidor tem como objetivo a destruição do serviço público para precarizar e privatizar. Os trabalhadores estão mobilizados e não descartamos uma greve do serviço público”, assegurou JP, secretário de servidores públicos da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

“Se não tem concurso para que eu possa contratar um policial rodoviário eu contrato uma terceirizada. Também posso contratar um trabalhador intermitente para o serviço público pela reforma trabalhista aprovada. A saída de um servidor público promovida pelas péssimas condições de trabalho abre caminho para a iniciativa privada”, exemplificou JP.

O dirigente completou: “Se não tem serviço público não tem assistência social. Devastar o trabalhador é devastar a política pública porque ela é implementada por esse servidor”, declarou.

Assédio moral velado

“O projeto cria uma forma velada de assédio moral. Vai aumentar aquela categoria dos chamados puxa-sacos e promover o medo entre os assessores para não serem mal avaliados”, afirmou JP.

Ele listou as condições dramáticas em que está inserido atualmente o servidor público, que convive com salários estagnados, acúmulo de trabalho e número reduzido de trabalhadores.

“Os trabalhadores hoje estão estressados com a emenda constitucional 95 que veta concurso público e reajuste salarial. Como vai estar a saúde mental desse trabalhador obrigado a trabalhar pela pressão do PL três vezes mais em um ambiente com falta de funcionário e sem ter reajuste?”, questionou JP.

Incentivo à perseguição do trabalhador

João Domingos, que é presidente da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), afirmou que os parlamentares estão em busca de “mídia fácil”. O dirigente reafirmou que os trabalhadores não são contrários à avaliação mas não concordam com o que está proposto no atual projeto.

Na opinião dele, existem instrumentos que garantem a avaliação do servidor e que, ao contrário do que se prevê atualmente, o trabalhador tem amplo espaço de defesa.

Para João, o PLS vai submeter o servidor às “idiossincrasias [de um chefe] que podem levar à demissão”. Ele, que é presidente da Confederação dos Servidores Públicos, assegurou que os trabalhadores estão pressionando para que o projeto seja debatido e que não chegue ao Plenário com a redação atual.

Critérios subjetivos

JP também levantou questionamento sobre o formato da avaliação prevista pelo PLC. “Qual é o perfil dos avaliadores, a entidade de classe vai poder participar? Nada disso está no projeto. Não vai ter ninguém cuidando do servidor”, ressaltou.

De acordo com JP, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que vigora atualmente para os servidores públicos assegura amplo direito de defesa. “O projeto não menciona ampla defesa do servidor ou se o servidor vai poder trazer a testemunha dele como é hoje quando abre o processo administrativo”, comparou.

O sindicalista reiterou a falta de transparência do projeto sobre quais servidores serão avaliados. “De quais servidores públicos estão falando? Na minha opinião, o pior disso tudo é que serão submetidos apenas alguns servidores, o despacho. Chefia, direção e os indicados dos políticos não vão ser avaliados”, assegurou.

Avaliação da população

João Paulo reiterou a defesa da avaliação do trabalhador como instrumento de prevenção para ampliar e melhorar a prestação de serviço. “Quem deveria avaliar é o usuário do serviço público, não como forma punitiva para mandar embora, como alguns querem, mas para aprimorar.”

O presidente da CSPB disse que a entidade tem consciência de que a estabilidade não é da pessoa, e sim do cargo público que ela ocupa. Ele explicou a importância dessa condição no serviço público.

“A estabilidade existe para que o servidor possa exercer suas funções dentro da lei sem atender às pressões de dirigentes para fazer ou deixar de fazer alguma coisa, sem correr risco de ser demitido.”

Fim da estabilidade

Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) reforçou o argumento dos dirigentes sindicais. Para ele, o PLS 116 pressiona os servidores a darem conta do trabalho dentro de um quadro de escassez de trabalhadores e cria a possibilidade de perseguição a esse servidor.

“É a lógica de rever os direitos dos servidores públicos atacando a estabilidade no emprego, que por esse projeto acaba. Os critérios do projeto são muito subjetivos e criam as condições para que o servidor seja perseguido”, explicou Toninho.

Ele também lembrou que o PLS vem com vício de iniciativa. “É de iniciativa de uma senadora quando deveria ser do governo. Há nesse caso uma interferência parlamentar na função do poder Executivo de legislar sobre os seus servidores.”

Toninho alertou para o Projeto de Lei Complementar (PLP) 248/1998 que tramita na Câmara e que, se aprovado, pode ir à sanção. “Tá todo mundo de olho no PLS 116 mas esse projeto 248 tem o mesmo teor de provocar a demissão do servidor público com base na avaliação com base em insuficiência de desempenho.”

Projeto reforça visão negativa sobre servidor

Assim como lembrou o presidente João Domingos, que afirmou que o PLS busca “mídia fácil”, Toninho mencionou que o conteúdo aprovado na CCJ vai ao encontro da visão negativa que é transmitida pela mídia à população.

“É uma lástima, mas pela forma como o servidor público é apresentado como marajá com grandes salários, a opinião pública tende a ver como positiva a medida de punição ao trabalhador sem considerar que as perdas no serviço serão imensas”, ressaltou.

João Domingos confirmou os efeitos do fim da estabilidade para o serviço público e para os usuários. “A população pode perder, principalmente, pela queda da qualidade na prestação do serviço, assim como pela redução do número de servidores para atender à população. Além, é claro, pela permanência de alguns servidores que se submeteriam a políticos.”

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