Por Tarso Genro, no site Sul-21:
Juan Gelman abre o seu poema “Tarefas” com os seguintes versos: “a tarefa mais laboriosa dos amantes não consiste em fazer amor, mas em desfazê-lo à luz incerta da madrugada ou alvorada…” Sua poética universal pode ampliar nossa sensibilidade para outras deduções, no campo afetivo ou político: “o dever mais importante dos amigos não consiste em querer-se, mas em saber romper a amizade mantendo a fidelidade afetiva”, ou “a obrigação mais forte dos inimigos não é odiar-se, mas saber preparar-se para uma vitória definitiva ou uma derrota digna”, ou – quem sabe – “no plano político, a dignidade das pessoas não está na capacidade de impor as suas próprias razões nas situações de força, mas está em saber ser julgado pelo sujeito da soberania, o povo real”.
Deparo-me, nesta segunda-feira, com uma pergunta feita pelo jornalista Tulio Milman, de “Zero Hora”, que nem tão ingenuamente pergunta como se poderia “explicar para um estrangeiro”, como Lula – condenado e mil vezes acusado – é o líder das pesquisas no Brasil? O título da matéria é o seu arremate: “Só aqui” isso poderia acontecer. A objeção poderia ser simples, embora mais extensiva, e assim ser respondida com uma pergunta: “Só aqui foi derrubada, por um Congresso majoritariamente corrupto ou fisiológico, uma Presidente eleita pela soberania popular, com o apoio do oligopólio da mídia controlada por meia dúzia de famílias, para colocar no poder a mais completa Federação de Investigados e Denunciados, com mandato para sucatear direitos e ‘reformar’ o Estado, reabrindo o ciclo de fome e de miséria no país?” Isso talvez pudesse explicar o favoritismo de Lula e dispensar as mais complexas explicações de como, por exemplo, emergiu o nazismo na Alemanha e consagrou a hecatombe mundial da Segunda Grande Guerra.
Ambas as perguntas supõem um ponto-de-partida ideológico e programático e têm sub-textos que tentam emprestar fundamentos ao seu conteúdo: a licitude ou ilicitude do golpe, a correção ou não das políticas de inclusão social e educacional de Lula, o conteúdo das reformas “liberais”, quem deve “pagar” o preço da crise, o valor da soberania popular e a desigualdade de tratamento – dada pela imprensa tradicional – para formar a opinião majoritária principalmente nos setores médios.
Sem que se tenha clareza do que está efetivamente em jogo é realmente complicado explicar ao “estrangeiro” em abstrato, referido pelo jornalista, o que se passa hoje no Brasil. Assim como é complicado tirar todas as consequências do enigmático e belo poema de Gelman, já que o seu contrário também pode ser verdadeiro. Poder-se-ia dizer, também, com forte e verdadeira carga poética: “a tarefa mais laboriosa dos amantes é fruir intensamente o seu amor, enquanto ele ainda existe, e não simplesmente saber desvencilhar-se, na madrugada, do que restou de energia e luz.”
Os aforismos poéticos e políticos servem para nos aproximar de uma verdade, de um encantamento, de um pedacinho da nossa história. Mas como todos podem ser apoiados pela sensibilidade ou pela razão justificadora -para várias perspectivas – eles não resolvem, nem o amor nem a política. Nem a História. Somente um fato externo, que pressione, num ou noutro sentido, pode dar um desfecho à situação que ele, o aforismo, busca definir. A postura de Moro, nos processos encetados para retirar Lula da corrida presidencial é um bom exemplo na política: as posturas de Moro têm largo apoio na grande mídia e na palavra de juristas autoritários, epígonos da exceção; a trajetória de Lula tem um enorme apoio em juristas democráticos, nas classes sociais que foram reconhecidas no seu Governo, como fundamentais num projeto democrático e social generoso. Como resolver este impasse, que ata, ambos, na História, como personagens-sínteses do drama nacional
Penso que as pesquisa que foram publicadas no final da semana dão um indicativo. Moro – o único que pode enfrentar Lula numa eleição direta – deveria abdicar da Magistratura e cumprir abertamente o seu papel politico, que já vem desempenhando abrigado na Toga, candidatando-se a Presidente da República. Usaria algo do que resta de um Partido de direita, para a qual ele vem cumprindo, até agora, um papel essencial através dos métodos de exceção, que ele fez frutificar no nosso processo penal. Um Segundo Turno com Lula e Moro, num debate igualitário sobre todas as questões nacionais – inclusive sobre a corrupção e o papel do Poder Judiciário nas crises políticas – seria extremamente educativo na nossa cambaleante democracia, além de devolver à soberania popular a capacidade de reunificar o país, em torno de um projeto de futuro, representado por ambos É inegável que a direita também foi tragada pelo turbilhão que está nos levando a crises de Governo e a uma próxima crise de Estado e está sem candidato e sem projeto. Moro pode ser uma alternativa edificante. O povo pobre já está fazendo as suas escolhas.
Talvez seja isso que o estrangeiro perplexo de Tulio espere de nós, num momento em que o Presidente da República originário do golpe está sendo duramente acusado de corrupção. No momento em que os moralistas de opereta são pegos achacando empresários dependentes da corrupção e a grande mídia – que não conseguiu acabar de todo com a memória dos vencidos pelo Golpe – não sabe mais o que dizer para “acabar” com Lula. Antes de apelarem, quem sabe, para motivar um louco “Lobo Solitário” (como o de Las Vegas) para acabar com Lula, talvez tentem “Moro Presidente”, para tentar vencer com armas mais leais.
Deparo-me, nesta segunda-feira, com uma pergunta feita pelo jornalista Tulio Milman, de “Zero Hora”, que nem tão ingenuamente pergunta como se poderia “explicar para um estrangeiro”, como Lula – condenado e mil vezes acusado – é o líder das pesquisas no Brasil? O título da matéria é o seu arremate: “Só aqui” isso poderia acontecer. A objeção poderia ser simples, embora mais extensiva, e assim ser respondida com uma pergunta: “Só aqui foi derrubada, por um Congresso majoritariamente corrupto ou fisiológico, uma Presidente eleita pela soberania popular, com o apoio do oligopólio da mídia controlada por meia dúzia de famílias, para colocar no poder a mais completa Federação de Investigados e Denunciados, com mandato para sucatear direitos e ‘reformar’ o Estado, reabrindo o ciclo de fome e de miséria no país?” Isso talvez pudesse explicar o favoritismo de Lula e dispensar as mais complexas explicações de como, por exemplo, emergiu o nazismo na Alemanha e consagrou a hecatombe mundial da Segunda Grande Guerra.
Ambas as perguntas supõem um ponto-de-partida ideológico e programático e têm sub-textos que tentam emprestar fundamentos ao seu conteúdo: a licitude ou ilicitude do golpe, a correção ou não das políticas de inclusão social e educacional de Lula, o conteúdo das reformas “liberais”, quem deve “pagar” o preço da crise, o valor da soberania popular e a desigualdade de tratamento – dada pela imprensa tradicional – para formar a opinião majoritária principalmente nos setores médios.
Sem que se tenha clareza do que está efetivamente em jogo é realmente complicado explicar ao “estrangeiro” em abstrato, referido pelo jornalista, o que se passa hoje no Brasil. Assim como é complicado tirar todas as consequências do enigmático e belo poema de Gelman, já que o seu contrário também pode ser verdadeiro. Poder-se-ia dizer, também, com forte e verdadeira carga poética: “a tarefa mais laboriosa dos amantes é fruir intensamente o seu amor, enquanto ele ainda existe, e não simplesmente saber desvencilhar-se, na madrugada, do que restou de energia e luz.”
Os aforismos poéticos e políticos servem para nos aproximar de uma verdade, de um encantamento, de um pedacinho da nossa história. Mas como todos podem ser apoiados pela sensibilidade ou pela razão justificadora -para várias perspectivas – eles não resolvem, nem o amor nem a política. Nem a História. Somente um fato externo, que pressione, num ou noutro sentido, pode dar um desfecho à situação que ele, o aforismo, busca definir. A postura de Moro, nos processos encetados para retirar Lula da corrida presidencial é um bom exemplo na política: as posturas de Moro têm largo apoio na grande mídia e na palavra de juristas autoritários, epígonos da exceção; a trajetória de Lula tem um enorme apoio em juristas democráticos, nas classes sociais que foram reconhecidas no seu Governo, como fundamentais num projeto democrático e social generoso. Como resolver este impasse, que ata, ambos, na História, como personagens-sínteses do drama nacional
Penso que as pesquisa que foram publicadas no final da semana dão um indicativo. Moro – o único que pode enfrentar Lula numa eleição direta – deveria abdicar da Magistratura e cumprir abertamente o seu papel politico, que já vem desempenhando abrigado na Toga, candidatando-se a Presidente da República. Usaria algo do que resta de um Partido de direita, para a qual ele vem cumprindo, até agora, um papel essencial através dos métodos de exceção, que ele fez frutificar no nosso processo penal. Um Segundo Turno com Lula e Moro, num debate igualitário sobre todas as questões nacionais – inclusive sobre a corrupção e o papel do Poder Judiciário nas crises políticas – seria extremamente educativo na nossa cambaleante democracia, além de devolver à soberania popular a capacidade de reunificar o país, em torno de um projeto de futuro, representado por ambos É inegável que a direita também foi tragada pelo turbilhão que está nos levando a crises de Governo e a uma próxima crise de Estado e está sem candidato e sem projeto. Moro pode ser uma alternativa edificante. O povo pobre já está fazendo as suas escolhas.
Talvez seja isso que o estrangeiro perplexo de Tulio espere de nós, num momento em que o Presidente da República originário do golpe está sendo duramente acusado de corrupção. No momento em que os moralistas de opereta são pegos achacando empresários dependentes da corrupção e a grande mídia – que não conseguiu acabar de todo com a memória dos vencidos pelo Golpe – não sabe mais o que dizer para “acabar” com Lula. Antes de apelarem, quem sabe, para motivar um louco “Lobo Solitário” (como o de Las Vegas) para acabar com Lula, talvez tentem “Moro Presidente”, para tentar vencer com armas mais leais.
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