domingo, 22 de outubro de 2017

Quando FHC e a OAB farão autocrítica?

Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso considerou a portaria do trabalho escravo “um retrocesso inaceitável”. Claudio Lamachia, presidente da OAB, classificou a medida de Temer como “um imenso retrocesso” que fere o Código Penal. Em editorial, o jornal O Globo disse que a portaria “tem cheiro, forma e cores de mercadoria política para barganha no Congresso”. Estes e outros atores que agora criticam os retrocessos em série produzidos pelo governo Temer apoiaram o golpe de 2016.
 
Fazem críticas pontuais ao governo mas ainda não fizeram uma autocrítica pelo pecado original que cometerem, apoiando a ruptura democrática, a derrubada de uma presidente eleita e a imposição de um governo ilegítimo para implementar uma agenda que não foi aprovada pelas urnas. Redenção histórica só haverá para eles se admitirem que o impeachment foi um erro e deve ser anulado, até porque foi aprovado com votos comprados por Eduardo Cunha.

FHC já sugeriu a renúncia de Temer mas nunca fez autocrítica por ter apoiado o golpe. Agora assiste à decomposição de seu partido, o PSDB, por conta do contubérnio com Temer, que os tucanos ajudarão a salvar na segunda denúncia, depois da ajuda que receberam para a salvação de Aécio Neves. Os tucanos optaram irremediavelmente pela condenação histórica mas para o ex-presidente ainda há tempo para que espane a biografia, reconheça o erro do golpe e apoie a anulação do impeachment. A anulação não nos levará de volta ao início do governo Dilma, que foi sabotado e inviabilizado, mas criará as condições para a convocação de eleições diretas imediatamente. É o que faria Dilma se lhe fosse devolvido o mandato roubado.

A OAB, afastando-se de sua tradição democrática, apoiou o impeachment de Dilma e foi até autora de um dos pedidos. Diante do desastre produzido pelo governo Temer e das revelações sobre sua miséria moral, pediu o impeachment dele e tem criticado os retrocessos, como fez agora diante da mudanças das regras sobre trabalho escravo. Pedir o impeachment de Temer não anula o erro de ter apoiado o golpe. Reconhecendo o erro e a necessidade de anulação do processo viciado do impeachment de Dilma, a OAB resgataria o papel que sempre teve nas lutas pela democracia no Brasil.

A mídia segue com sua esquizofrenia. As Organizações Globo agora combatem o governo Temer e suas medidas desastrosas na área econômica, social, ambiental e moral. A revista Veja, na edição desta semana, estrila contra o “acordão da impunidade” que salvou Aécio Neves e salvará Temer da segunda denúncia. O golpe que a mídia apoiou era também para isso mas dela não virá o ato de contrição, o reconhecimento de que derrubar Dilma foi um erro que só pode ser reparado com a anulação do impeachment.

Mas é o Supremo, que coonestou o golpe com sua omissão, que deveria liderar a penitência, colocando em pauta o pedido de mandado de segurança do advogado de Dilma, José Eduardo Cardoso. Ele agora juntou ao processo a revelação de Lucio Funaro de que providenciou dinheiro para Eduardo Cunha comprar votos a favor do impeachment. Em breve, aportará também no STF a ação popular, com milhares de assinaturas, pedindo a anulação do impeachment. É a chance que se abre para o Supremo se redimir e promover um verdadeiro acordo nacional pela democracia.

Um comentário:

  1. Darcy Brasil Rodrigues da Silva22 de outubro de 2017 às 19:04

    As críticas de FHC, da Globo, da OAB, etc. dirigidas ao governo Temer são apenas pontuais precisamente porque são tentativas de se diferenciar pelo pontual, pelo detalhe. Lógico que a escravidão não é um mero detalhe. Mas FHC,a Globo etc sabem que a medida do governo Temer para bajular os ruralistas não tem sustentabilidade política, tanto interna quanto (e principalmente) externamente. Não acredito que FHC, Globo se preocupem ou tenham se preocupado algum dia com a sorte dos que trabalham em condições de escravidão. A meu ver, pouco se lixam para os seres humanos, para os trabalhadores e o povo de um modo geral. Mas fazem política conscientes de que não devem exceder determinados limites que podem levar a consequências sem retorno, como, por exemplo, uma insurreição popular que se rebele não contra os políticos, A, B ou C, pechados de corruptos, mas contra as elites gananciosas e inescrupulosas que esses políticos, seus partidos, suas mídias, suas milícias, seus agentes estatais e suas entidades de classe representam. Autocrítica somente a fazem indivíduos que, imbuídos de boas intenções, se equivocaram ao fazer escolhas políticas, reconhecendo que os efeitos dessas escolhas foram opostos aos que pretendiam. A esperteza de FHC para se fingir de progressista não é novidade. Mais de uma vez ele se aproveitou de uma confusão que analistas e cientistas políticos fazem, misturando as concepções políticas econômicas e sociais com as concepções no plano dos costumes, dos comportamentos, para definirem a ideologia de esquerda. Por isso ele deliberou adotar a agenda que aqueles analistas e cientistas políticos classificam como "de esquerda" restrita, entretanto, ao terreno dos costumes. Foi essa malandragem que permitiu a FHC defender enfaticamente a liberação da venda de drogas em palestras públicas, rindo gostosamente ao ver que todos os que se consideram de esquerda o aplaudiram, como se de esquerda ele, FHC, também ficasse por essas defesas.A Globo, adota recorrentemente a mesma postura restrita ao plano dos costumes, buscando, com isso, aparentar um ar progressista.É por isso que, ao definir quem é de esquerda, deveríamos limitar os traços caracterizadores ao plano político, econômico e social, deixando a disputa no plano dos costumes para um momento seguinte, para que não acabar com essa confusão que, não poucas vezes, dificulta as alianças políticas fundamentais. Aceitando esse "etapismo" que proponho como válido politicamente, diríamos que são de esquerda somente aqueles que defendem a justiça social, uma sociedade democrática, com serviços públicos de qualidade, necessariamente gratuitos, que promova a felicidade de seu povo, marcada por uma distribuição de renda capaz de fazer com que qualquer ser humano viva com dignidade.Desse modo, muitos indivíduos que são considerados de direita por adotarem posições conservadoras no terreno dos costumes, por terem dificuldade para aceitar as relações homoafetivas, o aborto ou a liberação da venda de drogas, por exemplo, se converteriam em pessoas de esquerda se defendessem uma sociedade democrática, fundada na justiça social a que me referi. Alguns pulhas oportunistas que defendem o neoliberalismo, a repugnante exploração do trabalho pelo capital, como FHC, jamais seriam considerados de esquerda apenas por defender a liberação da venda de drogas , o casamento homoafetivo ou a legalização do aborto. Uma sociedade justa, democrática, solidária, tenderá a elevar o nível de consciência do povo, o senso comum ao nível das conquistas filosóficas avançadas como sugere Gramsci. Isso fatalmente eliminaria o conservadorismo no plano dos costumes, justificando plenamente o "etapismo" que defendo.

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