domingo, 26 de novembro de 2017

Direita perdeu Huck e teme Lula

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Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Procurando, a todo custo, evitar que a campanha de 2018 se transforme num plebiscito sobre as reformas que jogaram os direitos do povo no lixo e colocaram a soberania do país num abismo, com a desistência de Luciano Huck as forças que organizam o continuísmo camuflado de Michel Temer ficaram privadas de uma candidatura sem as mãos sujas pelo golpe que afastou Dilma e abriu as portas para uma etapa especialmente nefasta da história brasileira.

Envolvendo derrotas que atingem a consciência dos brasileiros em pontos fundamentais - como a CLT, a Petrobras, a ambição de desenvolver o país - o debate de 2018 inclui escolhas que a maioria da população carrega na ponta da língua e podem ser decisivas na corrida às urnas. Essa situação explica o imenso apoio a Lula - mas não só. Também demonstra esforço das forças que deram os votos e o indispensável respaldo a Michel Temer, em todos os momentos desde o trágico abril de 2016, para encontrar um candidato sem folha corrida. O objetivo é promover uma operação destinada a fugir de um debate político necessário para assegurar um consenso artificial, construído em torno de maquinas econômicas e da mídia que, mesmo representando interesses de 1% da população, em vários momentos de nossa história já se mostrou capaz de se impor ao conjunto do país.

A mais conhecida profecia sobre a campanha eleitoral de 2018 é uma fabula que fazia sentido em outra circunstância mas perdeu validade. Imaginava-se que Michel Temer estaria condenado, no ano que vem, a desempenhar um papel idêntico ao de José Sarney em 1989, quando o presidente da República participou da campanha como um simples fantasma, com dois candidatos -- um do PMDB, outro do PFL -- sem nenhuma capacidade para polarizar a disputa. Essa visão está errada, em minha opinião, pois ignora um dado básico da situação política.

Enquanto Sarney chegou ao fim do mandato como uma ruína em todos os níveis, o desempenho de Temer é igualmente uma tragédia mas de outra natureza. Ao contrário de Sarney, que se descobriu só e abandonado, Temer pode e deve ser considerado como um desastre para 97% dos brasileiros. Mas é visto como um aliado seguro e até certo ponto insubstituível por aquele 1% que concentra a riqueza e o poder econômico, cultiva relações privilegiadas como os mercados internacionais e tem à disposição uma máquina de recursos capaz de assegurar uma influência política infinitamente maior do que sua base social real e os interesses de fundo que representa. Resumindo: a vontade do povo está contra Temer. Mas o poder imperial e seus braços instalados no país trabalham a favor de sua continuidade.

Em 1989, os aliados do poder imperial e de uma integração subordinada à economia mundial estavam na oposição a Sarney. Ganharam o pleito com Fernando Collor e um discurso moralizante enganoso, com vários pontos de contato com a parafernália ideológica que acompanha a Lava Jato. Na década de 1980 a ditadura militar fora desmantelada pela insurgência expressa nas Diretas-Já e a nova ordem -- apenas denunciada pela carta de 1988 -- não fora construída. Em 2018, a ordem do Estado Mínimo -- vamos chamar assim -- está de pé e avançará a passos ainda mais largos se a reforma da Previdência não for contida. O país do Estado Mínimo continuará de pé por anos, quem sabe décadas, se não for vencido. A dramática sobrevivência de um pinochetismo sem Pinochet, no Chile, mostra o risco que os brasileiros estão correndo. Ninguém tem o direito de se enganar.

Ainda que o político Temer pareça condenado ao cemitério, a disputa em 2018 irá ocorrer entre os adversários das reformas aprovadas e seu continuísmo. Do ponto de vida da maioria dos brasileiros, não há nem pode haver a perspectiva de acomodação ou meio-termo. O horizonte necessário é de um plebiscito entre a preservação ou revogação do mais nefasto pacote de mudanças que os brasileiros enfrentam desde a revolução de 1930. É em torno desse debate, essencial, que eleitores e candidatos devem ser chamados a se posicionar na campanha, impedindo que, por motivos operacionais do ponto de vista eleitoral, o continuísmo do retrocesso, iniciado em abril de 2016, possa se apresentar de forma camuflada e dar sequência à destruição de um país -- com vocação para soberania -- em colônia dependente e envernizada.

Não pode haver dúvida a respeito de um ponto. Inteiramente satisfeitos com o conjunto da obra de Temer mas temerosos pelo caráter radioativo de seu círculo de poder, os continuadores irão à luta como aliados constrangidos mas interesseiros, fazendo o possível para esconder a identidade secreta, vergonhosa, inconfessável. Por essa razão procuram um candidato de cara limpa, sem história para esconder -- Luciano Huck foi a primeira experiência nesse sentido. Outras virão. Podem ser testadas e descartadas -- ou não -- até a reta final. O próprio Huck já admite mudar de ideia...quem sabe se a cabeça de Lula lhe for oferecida numa bandeja pelo TRF-4, ainda o plano A de muitos círculos influentes.

Também surgirão partidos de nome novo e até candidatos de quem nunca se ouviu falar, embalados pelo papel celofane da "renovação". Na falta de opção melhor, os velhos tucanos podem ser recuperados. Por que não? Com receio de um massacre nas urnas, até o PSDB, principal cérebro do golpe, tem coragem de se apresentar como dividido e incompreendido -- na eterna esperança de quem sempre aposta da falta de memória e de cultura política do povo. Não custa recordar que Temer foi acionado para entrar no golpe porque era uma alternativa legal, uma máscara de respeito a Constituição. Os patrões eram outros. O enredo de hoje é assim: confiando no alto poder de manipulação da máquina midiática à sua disposição, o continuísmo tentará apagar os rastros de Temer e o papel daqueles que tiveram um lugar estratégico na destruição do país e, pelo simples cálculo eleitoral, no esforço derradeiro para não serem expelidos da História, agora querem esconder suas responsabilidades.

A regra vale para todos. Se não é possível contar com um Huck, vamos tentar algum velho quadro político de perfil nebuloso para fingir que é a reencarnação de Luciano Huck. A isso nossos analistas bem pagos darão o nome de "centro".

Não custa lembrar que em 2018 será preciso lembrar que se trata de denunciar ou defender -- depende do papel desempenhado pela parte envolvida -- um escândalo histórico em capítulos. No momento adequado os aliados de Temer traíram a democracia e votaram pelo golpe contra Dilma. Quando tinham votos para defender os direitos dos trabalhadores, produziram a reforma trabalhista. Possuíam força política para impedir a aprovação da PEC sobre o teto dos gastos, que congela investimentos públicos por 20 anos, mas disseram sim. Também poderiam bloquear o desmantelamento da Petrobras e a entrega do pré-sal e, de novo, disseram sim. Também teriam sido capazes de recusar medidas trágicas contra o emprego, o bem-estar, a defesa da nossa indústria, os direitos das mulheres, os programas em benefício dos pobres e dos negros. Mais uma vez preferiram trair os interesses do país e necessidades do povo sem receio nem hesitação, jogando um papel indispensável para a confecção de um abismo contra nosso futuro. Detalhe: em todas as votações, ajudaram a produzir maiorias com larga margem, evitando qualquer dúvida sobre seu alinhamento e disposição de mostrar em qual lado se encontravam. Este é o debate para 2018.

É maior do que uma disputa entre partidos. Envolve, mas não se encerra, o horizonte de classes sociais. Tem a dimensão de uma luta pela soberania na nação, que produziu personagens de valor inegável, como Tiradentes, Frei Caneca e, para encurtar a história, Getúlio Vargas, Jango e Lula.

O conflito que se anuncia é tão claro que é fácil entender o favoritismo de Lula, apesar do permanente massacre contra sua candidatura.

O continuísmo disfarçado realiza os primeiros movimentos de quem tentará, desesperadamente, reescrever a própria biografia e seu lugar na vergonhosa história dos últimos meses, evitando um ajuste de contas consciente na campanha eleitoral. A novidade é que, neste debate, há um grande ponto a favor da verdade e do futuro. A memória, fresca como as águas do São Francisco, agora disponíveis para uma população constrangida por séculos a sobreviver na fome e na sede. Basta pegar a lista de votação, em cada derrota sofrida, e registrar o voto de cada partido e cada candidato, para compreender o futuro que sua campanha nos reserva. Será possível compreender que, mais uma vez, a pilantragem política não tem limites. Só é menor do que os fabulosos ganhos financeiros que pode permitir a seus patrões.

Alguma dúvida?

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