sábado, 24 de fevereiro de 2018

Greve dos juízes provoca vergonha alheia

Por Bepe Damasco, em seu blog:

Nos anos 90, época em que o Detran do estado do Rio de Janeiro era sinônimo de ineficiência na prestação de serviços à população, além de ser um antro de roubalheira, seus funcionários deflagraram uma greve por tempo indeterminado.

Quando a paralisação já durava mais de 30 dias, um colunista do antigo Jornal do Brasil, se não me engano o Maurício Dias, então editor do Informe JB, saiu-se com esta pérola : “Acho bom os funcionários do Detran voltarem ao trabalho antes que todo mundo perceba que eles não fazem falta alguma.”

Só para colocar os pingos nos is e não cometer injustiças, é público e notório que o Detran do estado avançou muitas casas em termos de eficiência. Mas essa história me veio à memória assim que tomei conhecimento da greve nacional dos juízes federais, convocada pela Ajufe (Associação Nacional dos Juízes Federais) para o dia 15 de março.

Além dessa greve de 24 horas, a Ajufe está convocando os magistrados para uma assembleia dia 23 de março, com pauta única: greve por tempo indeterminado a partir de 3 de abril. O motivo da efervescência sindical é patético: o plenário do STF, no dia 22 de março, vai bater o martelo e pode acabar com o auxílio- moradia, penduricalho a engordar os salários de suas excelências em R$ 4.377,00. Esse valor turbina os contracheques de juízes e procuradores, independentemente deles possuírem residência própria na cidade em que trabalham ou não.

A imprensa já noticiou que “paladinos da moralidade” como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e Marcello Bretas não dispensam o auxílio. Moro diz que é para compensar a falta de aumento de salário. Já Bretas não se envergonha de reforçar o orçamento familiar duplamente, uma vez que sua esposa, também juíza, embolsa o auxílio. Detalhe pitoresco: o imóvel que o casal Bretas possui no Rio de Janeiro já foi até objeto de matéria numa revista especializada em decoração.

É importante lembrar que o auxílio-moradia é apenas um entre vários artifícios que contribuem para a farra ilegal do recebimento de salários acima do teto constitucional por parte e juízes e procuradores de todo o país, tanto os federais como os vinculados aos tribunais de justiça e MPs estaduais onde a bandalheira com dinheiro público é ainda mais escrachada. Como disse o próprio ministro Gilmar Mendes, o auxílio-moradia é apenas a ponta do iceberg.

Tudo isso amparado por uma liminar do ministro do STF, Luiz Fux, que, diga-se de passagem, tem uma filha exercendo o cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio, onde ingressou através do quinto constitucional da OAB, numa nomeação que gerou polêmica, pois nos meios jurídicos corre solta a acusação de que a jovem advogada não tinha as qualificações exigidas para o cargo e só emplacou devido ao lobby paterno.

Em discurso recente na tribuna do Senado, a senadora Kátia Abreu pôs o dedo na ferida aberta do Judiciário: “Também é corrupção receber acima do teto constitucional”, disparou. Silêncio entre juízes e procuradores. Mas a sociedade segue escandalizada por notícias cada vez mais frequentes dando conta de juízes recebendo 100, 200 e até 500 mil reais.

É ou não é de causar vergonha alheia uma greve decretada por uma casta de privilegiados, oriunda dos estratos abastados da população e que consome nada menos que 1,3% do Produto Interno Bruto do país? O nosso de sistema de justiça é o mais caro do mundo. E se não bastasse a justiça cara, morosa e de classe que esses filhos da elite oferecem ao povo brasileiro, de uns anos para cá eles passaram a usar suas togas para fazer política partidária, perseguindo políticos e partidos com compromisso populares e protegendo seus aliados da direita mais reacionária, antipopular e antinacional.

Faço votos, portanto, que os juízes cruzem os braços pelo maior tempo possível, pois logo se disseminará entre os brasileiros e as brasileiras de todos os estados a mesma sensação que tomou conta de cariocas e fluminenses ante à greve dos funcionários do Detran há algumas décadas. Estamos perdidos com um Judiciário que vai à greve para manter odiosos privilégios, enquanto na parte baixa da pirâmide muitos não têm onde morar. Será que os grevistas sabem que o déficit habitacional do nosso país é de mais de 6 milhões de casas?

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