Por Jaime Sautchuk, no site Vermelho:
Eu era guri lá em Joaçaba (SC) no golpe de 1964, que instalou 20 anos de ditadura, e tenho vivas na memória as imagens e os fatos. Primeiro, os tanques nas ruas, algo desproporcional a uma cidade que tinha um simples Tiro de Guerra. Depois, pessoas conhecidas, queridas, começaram a desaparecer e muitas delas nunca mais voltaram.
As justificativas eram difusas, emergenciais, de manutenção de uma ordem pública indefinida, de combate a um suposto terrorismo, de medida temporária e coisa e tal. As pessoas ficaram amedrontadas, desconfiando de tudo, só saindo de suas casas por necessidade.
Portanto, a intervenção ora em curso no Rio de Janeiro tem algo de déjà-vu, de um sentimento ruim. Ninguém sabe o que pode acontecer. Preocupa, por exemplo, o que irá ocorrer se o morro descer, como prometido no Carnaval, caso Lula seja preso. O argumento da manutenção da tal ordem pública pode vir a ser de muita utilidade.
É bem verdade que contingentes da Força Nacional de Segurança já vêm sendo utilizados em operações no Rio. Mas é bem diferente. Com gente das três armas, essas tropas não têm função de comando, servem apenas como apoio, pra fazer número, digamos. Suprem as deficiências da polícia em pessoal e armamentos, e só.
Agora não. Pelo caráter emergencial do caso, o Exército foi chamado a desempenhar sua função precípua de defesa do Estado brasileiro, embora no âmbito da segurança pública. Assume, pois, o um papel que é da polícia, mas com poderes que são seus, como uma das três forças armadas nacionais.
O tema é meio vago de origem. A Constituição Federal em vigor diz: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:”. E cita as polícias federais (DPF, Rodoviária e Ferroviária), as polícias civis, militares e corpos de bombeiros.
O “Dicionário de Política”, do pensador italiano Norberto Bobbio (et alii) destaca esse caráter generalista dado ao assunto. “Fala-se de Ordem pública com significados completamente diferentes em hipóteses dificilmente conciliáveis com um sistema orgânico de conceitos”, diz ele.
No Brasil, leis específicas, em especial as que tratam de Direitos Humanos, é que protegem de alguma forma a cidadania contra os possíveis abusos das polícias ou de autoridades superiores a elas. Mas isso até funciona no âmbito individual e da preservação de domicílio, mas nas ruas rola de tudo, das bombas de gás e porretadas às prisões e detenções sem justificativa.
No entanto, por decisão dos ocupantes do Palácio do Planalto, no período da intervenção federal no Rio as forças policiais e do Exército terão “mandado de busca e apreensão coletivo”. Ou seja, poderão entrar nas casas dos moradores de comunidades inteiras na hora que bem entenderem, o que certamente não irá ocorrer nos bairros da Zona Sul, como se ali não houvesse criminosos.
Isso ressalta o caráter segregacionista das ações previstas. O fato foi denunciado de modo contundente pelo bispo católico dom Mauro Morelli, atuante na Baixada Fluminense. “Discordo de intervenções que aviltam militares e trazem angústia e sofrimento aos pobres, em sua maioria de origem africana”, diz ele em comunicado nas redes sociais da Internet.
Por outro lado, podem surgir muitas situações de difícil equação. Se nos confrontos morrerem soldados do Exército, por exemplo, a quem as famílias devem recorrer, à Justiça Militar? Ou se policiais se recusarem a cumprir ordens de chefes militares, quem punirá os insubordinados? Isso, sem contar o desgaste do Exército como instituição.
O pior, porém, está numa esfera mais elevada, que é uma possível ampliação da área sob intervenção, a começar pelos estados vizinhos ao Rio, queixosos da migração de bandidos. Ou de outras unidades da federação onde a criminalidade tenha crescido além da conta. Ou seja, a intervenção pode ir-se ampliando pelas beiradas até chegar a um nível nacional.
A esperança de todos os que defendem princípios democráticos é de que a intervenção cumpra seu papel repressor por pouco tempo e fique por isso mesmo.
Eu era guri lá em Joaçaba (SC) no golpe de 1964, que instalou 20 anos de ditadura, e tenho vivas na memória as imagens e os fatos. Primeiro, os tanques nas ruas, algo desproporcional a uma cidade que tinha um simples Tiro de Guerra. Depois, pessoas conhecidas, queridas, começaram a desaparecer e muitas delas nunca mais voltaram.
As justificativas eram difusas, emergenciais, de manutenção de uma ordem pública indefinida, de combate a um suposto terrorismo, de medida temporária e coisa e tal. As pessoas ficaram amedrontadas, desconfiando de tudo, só saindo de suas casas por necessidade.
Portanto, a intervenção ora em curso no Rio de Janeiro tem algo de déjà-vu, de um sentimento ruim. Ninguém sabe o que pode acontecer. Preocupa, por exemplo, o que irá ocorrer se o morro descer, como prometido no Carnaval, caso Lula seja preso. O argumento da manutenção da tal ordem pública pode vir a ser de muita utilidade.
É bem verdade que contingentes da Força Nacional de Segurança já vêm sendo utilizados em operações no Rio. Mas é bem diferente. Com gente das três armas, essas tropas não têm função de comando, servem apenas como apoio, pra fazer número, digamos. Suprem as deficiências da polícia em pessoal e armamentos, e só.
Agora não. Pelo caráter emergencial do caso, o Exército foi chamado a desempenhar sua função precípua de defesa do Estado brasileiro, embora no âmbito da segurança pública. Assume, pois, o um papel que é da polícia, mas com poderes que são seus, como uma das três forças armadas nacionais.
O tema é meio vago de origem. A Constituição Federal em vigor diz: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:”. E cita as polícias federais (DPF, Rodoviária e Ferroviária), as polícias civis, militares e corpos de bombeiros.
O “Dicionário de Política”, do pensador italiano Norberto Bobbio (et alii) destaca esse caráter generalista dado ao assunto. “Fala-se de Ordem pública com significados completamente diferentes em hipóteses dificilmente conciliáveis com um sistema orgânico de conceitos”, diz ele.
No Brasil, leis específicas, em especial as que tratam de Direitos Humanos, é que protegem de alguma forma a cidadania contra os possíveis abusos das polícias ou de autoridades superiores a elas. Mas isso até funciona no âmbito individual e da preservação de domicílio, mas nas ruas rola de tudo, das bombas de gás e porretadas às prisões e detenções sem justificativa.
No entanto, por decisão dos ocupantes do Palácio do Planalto, no período da intervenção federal no Rio as forças policiais e do Exército terão “mandado de busca e apreensão coletivo”. Ou seja, poderão entrar nas casas dos moradores de comunidades inteiras na hora que bem entenderem, o que certamente não irá ocorrer nos bairros da Zona Sul, como se ali não houvesse criminosos.
Isso ressalta o caráter segregacionista das ações previstas. O fato foi denunciado de modo contundente pelo bispo católico dom Mauro Morelli, atuante na Baixada Fluminense. “Discordo de intervenções que aviltam militares e trazem angústia e sofrimento aos pobres, em sua maioria de origem africana”, diz ele em comunicado nas redes sociais da Internet.
Por outro lado, podem surgir muitas situações de difícil equação. Se nos confrontos morrerem soldados do Exército, por exemplo, a quem as famílias devem recorrer, à Justiça Militar? Ou se policiais se recusarem a cumprir ordens de chefes militares, quem punirá os insubordinados? Isso, sem contar o desgaste do Exército como instituição.
O pior, porém, está numa esfera mais elevada, que é uma possível ampliação da área sob intervenção, a começar pelos estados vizinhos ao Rio, queixosos da migração de bandidos. Ou de outras unidades da federação onde a criminalidade tenha crescido além da conta. Ou seja, a intervenção pode ir-se ampliando pelas beiradas até chegar a um nível nacional.
A esperança de todos os que defendem princípios democráticos é de que a intervenção cumpra seu papel repressor por pouco tempo e fique por isso mesmo.
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