Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Quando o novo presidente do TSE Luiz Fux ameaça retirar Lula da campanha presidencial ao dizer que "Ficha Limpa está fora do jogo democrático", cabe lembrar a origem da condenação: um triplex que Lula não comprou, não usou nem alugou. Também cabe recordar que em 2014 o novo presidente do TSE Luiz Fux assinou liminar autorizando o pagamento de auxílio moradia no valor de R$ 4.300 a 17.000 juízes federais, decisão capaz de gerar uma conta atual de R$ 884 milhões por ano. Por baixo, daria para comprar pelo menos 490 triplex a cada ano passado depois da aprovação da liminar. Ou alugar 15.000 imóveis de ótimo padrão num bairro nobre de São Paulo.
Nesses dias de ameaça constante a democracia, Lula parece falar por si quando diz que está velho demais para sentir medo. Na verdade, está falando por todos brasileiros que lutam por democracia e por seu direito de disputar a presidência.
Em Brasília, ao votar nesta terça-feira o destino de um ex-prefeito condenado por fraude e dispensa de licitação, a primeira turma do STF confirmou a disposição de bloquear a aplicação do artigo 5, inciso LVII da Constituição, onde se assegura que "nenhuma pessoa será considerada culpada até o transito em julgado de sentença penal condenatória".
Num debate que envolve uma das opções principais para Lula permanecer na campanha presidencial após uma condenação sem provas do TRF-4, o ministro Alexandre de Moraes foi monitorado de perto por jornais e jornalistas empenhados em fechar as portas da campanha presidencial àquele candidato que lidera todas as pesquisas de intenção de voto. Alexandre de Moraes não decepcionou aqueles que, numa ameaça óbvia de retaliação, chegaram a publicar votos anteriores, contrários ao transito em julgado, colocando sob suspeita e ameaça qualquer manifestação fora da linha, o que nunca será difícil quando se considera quem foi o padrinho de sua ida ao STF.
Enquanto isso, Luiz Inácio Lula da Silva articula os próximos passos da campanha 2018. Aos 72 anos, criador do único projeto de governo que venceu quatro eleições presidenciais consecutivas no país, em urna, num dos momentos mais sofridos de sua existência recente - a missa em homenagem a Marisa Letícia - Lula lembrou que o "bom de ficar velho é que a gente perde o medo".
É a ideia do dia, da semana, do mês, do ano – quem sabe da década. Em qualquer caso, é a única ideia que tem futuro.
Numa república que fará 130 anos no ano que vem, enfrentando uma guerra aberta à Constituição, Lula ajuda a aposentar as noções de que somos uma "jovem democracia" com "instituições imaturas" e outras bobagens de jardim de infância, que apenas servem para justificar o que não tem justificativa. Somos um país envelhecido precocemente, traumatizado por fatos muito tristes, dores que não curam, infecções que latejam por todo o corpo. Não temos direito à autoindulgência. Nada podemos esperar a não ser trapaças e golpes sujos, que irão ocorrer a toda hora, menos a menos prevenida. Não temos outros destino possível além do esforço para reconstruir a democracia, que não pode excluir ninguém, muito menos quem pode e sabe falar pelos direitos do povo.
Cidadãos e cidadãs com a idade de Lula já viram monstruosidades demais para acompanhar passivamente uma nova demolição de um Estado Democrático de Direito construído após tanto sacrifício. Não é possível deixar-se iludir por palavras de tolerância e conformismo, ou esperteza de encomenda, sob medida para esconder uma vergonha imensa.
É apenas canalhice – ensina Lula.
O espetáculo do TRF-4 que condenou Lula sem provas não convenceu nem era isso o que pretendia. Queria colocar Lula na Ficha Limpa. Queria amedrontar.
Reunida num surpreendente jantar com executivos e lobistas de olho nas riquezas do país, plateia que tem um medo indisfarçável de um retorno de Lula, Carmen Lucia apequenou-se para sempre. Medo de que?
Fechando uma nova porta, o ministro Luiz Roberto Barroso tenta nos convencer que o Supremo não deve perder tempo em discussões como o transito em julgado que só interessam 1,64% dos 720 000 brasileiros encarcerados -- quando sabemos que a Justiça verdadeira não pode temer corrigir a injustiça, o erro, a perseguição, ainda que só atinjam uma só pessoa, pois esta é sua vida, única, insubstituível, base do chamado Estado Democrático de Direito. Por que ter medo de ser justo, se é para isso que lhe pagamos o salário? (No caso presente, 1,64% de prisioneiros equivalem a 11 000 brasileiros e brasileiras).
Entrevistado por Mônica Bergamo, Gilmar Mendes deixou claro que Lula tem "todo o direito, constitucional, de recorrer" ao Supremo.
Mas ressalvou que terá reduzidas chances de manter a candidatura, porque se trata de um condenado de "grande visibilidade," que seu caso envolve a "autoridade da Justiça Eleitoral". Em vez de ser humano, Lula é exemplo.
Excepcional desde o dia em que desceu vivo da carroceria de um caminhão que o trazia do interior de Pernambuco, continua adulto de exceção num país que insiste em retirar sua liberdade e tolher os direitos de voto de 4 em 10 brasileiros. O pretexto é de gargalhar desesperadamente: um apartamento que ele não comprou, não ganhou, não registrou, onde não dormiu uma única noite.
Tomando posse no TSE, ontem, Luiz Fux já começou ameaçando: "Ficha Suja está fora do jogo democrático." Estava falando de Lula, sem precisar dizer o nome. Ele, Fux, que em 2014 não teve medo de assinar sentença autorizando o pagamento de auxílio moradia aos 17 000 juízes federais do país, "inclusive nos casos de acumulação". Quantos triplex poderiam ser comprados com essa autorização, que implica numa despesa mensal autorizada de R$ 73,7 milhões?
Dá medo fazer a conta, vamos combinar.
É fácil entender por que, no centro de uma tragédia que pode reduzir a cinzas uma longa luta pelos direitos da maioria, Lula tenha dito a todos que está velho demais para sentir medo. Parecia falar de si mas falava por que lutaram ontem e lutam hoje e ontem pela democracia.
Até quando, nós, povo brasileiro, estaremos passivos, frente à tanta corrupção, nos poderes constituídos do país?
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