Foto: Ricardo Stuckert |
A dupla vitória da resistência democrática contra a Lava Jato, o 7 a 4 e o 6 a 5 no Supremo Tribunal Federal, estimula lições que não podem ser esquecidas.
A vitória ocorreu numa curva da história. Discreta demais para ser vista como uma virada, mas com importância suficiente para obrigar todo mundo enxergar e refletir.
Do lado de lá, pegou os arrogantes de surpresa. Foram colocados na situação do vilão de comédia pastelão que recebe uma torta na cara e é obrigado a reconhecer o sinal de que, mesmo esfrangalhado e derrotado, o país que pretendia governar não quer continuar a viver nos tormentos de agora.
Do lado de cá, a dupla vitória mostrou um Brasil que vive uma situação política opressiva e difícil, na qual nenhuma forma de luta pode ser desprezada - mesmo aquela que se desenvolve nos tribunais, terreno elitista por excelência, em particular num país de democracia em decomposição como o nosso.
Sabemos que grandes derrotas políticas - como o golpe que derrubou Dilma Rousseff sem crime de responsabilidade - modificam a relação de forças de uma sociedade, para permitir a imposição de interesses minoritários e redesenhar o poder político à imagem e semelhança dos novos vencedores.
Há outros efeitos, porém, no plano das ideias e da consciência dos vencidos - o derrotismo, essa forma radical de conformismo. E é disso que precisamos falar aqui.
Os manuais de Ciência Política ensinam que nenhuma ordem política consegue se impor apenas pelo domínio da força bruta. Precisa da adesão - voluntária ou não - dos cidadãos que pretende dominar.
No Brasil de Temer-Meirelles, a regressão social em toda linha impede um apoio voluntário e consciente a este governo por parte da maioria dos brasileiros. Não estimula o nascimento de qualquer ilusão positiva a respeito dos governantes de plantão e por esse motivo a adesão deve ser obtida pela passividade. Temendo novas derrotas e decepções, se recusarão a aproveitar as oportunidades de mudança que surgem.
Com o tempo, derrotas frequentes produzem a cultura do derrotismo, uma elaboração mental destinada a justificar a paralisia e a descrença. Esta visão se alimenta de vários ingredientes que todos conhecem. O importante é que, a partir de determinado momento, todas as linhas de raciocínio passam a convergir para esse esforço paralisante.
Até ideias radicais passam a ser empregadas como argumento derrotista para projetos alinhados com mundo do aqui e agora.
Todos já ouviram conversas professorais sobre a alienação popular e denuncias contra a fraqueza de lideranças, acusadas de não se mostrar à altura de suas tarefas. Também é fácil testemunhar o gosto infernal pelas autoflagelação e críticas destrutivas. São estas as conversas que temos ouvido por esses dias.
Mesmo lideranças importantes e dirigentes responsáveis da luta dos trabalhadores e do povo explorado tiveram dificuldade para compreender a mudança na relação de forças e a profundidade da derrota sofrida pela deposição de Dilma.
Vamos recapitular para entender. Chegou-se a imaginar, com sinceridade, que seria possível evitar o golpe. Depois, que daria para derrotar as contra-reformas. Mais adiante, previu-se a queda de Temer, com auxílio até da TV Globo. Por fim, parecia fácil garantir a candidatura de Lula, pois não haveria força capaz de impedir o renascimento do mais popular presidente de nossa história. Quando nada disso aconteceu, acreditamos que o morro iria descer. Não desceu.
O caso da reforma da Previdência é instrutivo por outra razão. Enquanto nossos sindicatos tinham dificuldade para mobilizar os assalariados, todos ouvimos elogios admirados e até invejosos a mobilização dos trabalhadores argentinos que ocuparam o centro de Buenos Aires na mesma época, pela mesma razão. Muitos brasileiros se sentiram pessoalmente atingidos - e moralmente liberados para fazer qualquer coisa a respeito - quando, nas ruas de Buenos Aires, ouviu-se o grito "Nó somos brasilenos".
Poucos se perguntaram pelo que aconteceu a seguir. Enquanto a reforma da previdência acabou aprovada sem maiores sobressaltos pela Congresso argentino, seu equivalente verde-amarelo sequer foi apresentado para votação, tão profundo era o repúdio popular a ideia.
A dupla vitória de Lula na quinta-feira é um sinal luminoso nesse ambiente mas não garante, por si, uma virada na situação. Não há a menor certeza de que, em 4 de abril, quando ocorrer o julgamento do mérito, o placar da quinta-feira passada irá se repetir. A disputa pelos votos prossegue. Inconformada com uma demonstração de independência do STF, que aplicou uma surra em seus editorialistas, os jornais partiram para a vingança, retomando sua conhecida campanha de intimidação e chantagem.
A luta continua e é bom entender que há esperança de vitória. A alternativa seria assistir, desde já, aos preparativos para a prisão de Lula.
Deu para entender?
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